A semana que passou foi marcada pela crise gerada pela ação russa na Ucrânia após o reconhecimento da independência das Repúblicas de Donbass e subsequente ação militar sobre a aquele país.
A destruição das bases militares na Ucrânia que declaradamente estaria prestes a se integrar à OTAN, levantou um debate principalmente dentro da esquerda sobre o apoio ou não à Rússia, baseado na justificativa de que esta também seria um país imperialista e sua ofensiva teria como objetivo a dominação da Ucrânia e a formação de um suposto império russo.
Para que possamos entender a ação, é necessário desfazer o equívoco propagado intencionalmente ou não sobre o que é a Federação Russa, diferenciando os três estágios da história deste país e compreendendo as razões do conflito atual.
Inicialmente, há uma diferença fundamental entre três coisas que são essencialmente diferentes e que são apresentadas como iguais: o antigo império Russo, antes da revolução de 1917, a União Soviética e a Federação Russa atual.
Este fenômenos são totalmente diversos apesar de terem semelhanças, pois se referem a um mesmo país e a uma mesma língua. A caracterização dessas entidades e a análise de suas bases constitutivas é fundamental para que se entenda o conflito e se esclareça a confusão no debate, equívoco este que está sendo usado como argumento para o não apoio à Rússia diante da ofensiva da OTAN.
O antigo Império Russo era um país importante mundialmente na época do capitalismo de livre concorrência até o século 19. Embora não decisivo nas questões mundiais por ser um país semi-feudal, sua importância se dava na medida em que havia construído um império através da anexação de outros países. Era um país poderoso que impunha uma forte dominação aos países vizinhos. Este império desapareceu totalmente a partir da revolução de 1917 e através das revoluções das nacionalidades que constituíam o antigo império, formou-se a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
A União Soviética portanto se formou como resultado da revolução socialista de 1917, e posteriormente foi tomada por uma burocracia que jamais conseguiu constituir nenhum império que se comparasse ao antigo estágio. Havia um caráter nacionalista onde as repúblicas eram tratadas de forma desigual dentro da União Soviética, porém a URSS não era uma entidade que procurava se apoderar dos outros países e, muito menos ainda, havia um caráter expansionista assim como havia no antigo Império Russo.
A União Soviética também jamais teve no panorama mundial a importância política que teve o Império Russo, sendo uma entidade mais fraca politicamente que a anterior. Apesar de algumas medidas militares drásticas, como a invasão da Finlândia, estas medidas foram ações que tinham por objetivo a defesa das fronteiras diante da Segunda Guerra Mundial. Mesmo já sob o controle de Stalin, tinham um caráter defensivo na busca da manutenção da unidade constituída por ele, e não um objetivo expansionista em nada parecido com o que fazia Hitler, portanto nenhuma semelhança com a formação de um império.
Quando a União Soviética entrou em colapso em 1991, o imperialismo em uma análise geopolítica , sempre mais aguda que a análise da esquerda em geral, concluiu que era o momento e oportunidade de enfraquecer a Rússia. Estimularam e financiaram a independência de todos os países da antiga URSS, inclusive a Ucrânia que jamais em sua história houvera sido uma república independente, e foi o berço de gestação da nação Russa. O objetivo era isolar a Rússia o que, diante da crise econômica que se seguiu após o colapso , poderia resultar na divisão da própria Rússia em vários países, eliminando assim do cenário político um país que poderia futuramente criar problema para a expansão imperialista. Vários países seriam mais fáceis de serem controlados do que um grande país, assim como ocorreu na Iugoslávia que foi dividida em seis países.
O objetivo não foi alcançado e a Federação Russa se mantém. Porém diferente das entidades anteriores (Império Russo e URSS). É um país que tenta a muito custo o controle de seu próprio território, e para isso estabelece uma política de cooperação onde os países vizinhos sejam seus aliados e não do imperialismo. Não há um caráter expansionista ou mesmo de dominação destes países. É uma política de sobrevivência de fraca atuação pois a Federação Russa não possui o controle econômico e nem o controle político destes países. A recente crise no Cazaquistão, aliado da Rússia, mostrou a fraqueza da Federação quanto ao controle da situação política, pois efetivamente ela não possui este controle.
A ocupação da Geórgia que é atribuída por muitos como um exemplo da truculência e intenção expansionista de Putin, também foi meramente uma ação de defesa de território, uma vez que a Geórgia era apoiada pelos EUA e avançava sobre a Rússia através do controle de países vizinhos.
A Rússia não é um império, nem faz parte do grupo dos países imperialistas. Não há domínio econômico nem político dos países aliados da Federação, portanto é diferente do antigo Império Russo e da União Soviética.
Mesmo a confusão conceitual entre os estágios anteriores da Rússia não justificaria a hipótese de que esta seria um país imperialista. A caracterização de imperialismo é controle econômico que leva naturalmente ao controle político. Não existe controle político sem controle econômico, e isso definitivamente não ocorre por parte deste país. Ao contrário, trata-se de um país atrasado que embora muito grande e fortemente armado em decorrência da necessidade histórica de auto-defesa, tem sua economia baseada na exportação de Commodities, ou seja, minérios e matéria prima. Não há a mínima possibilidade de controle econômico de outros países.
Entender o que é a Federação Russa e definir o que é imperialismo por meio da análise marxista é a tarefa que cabe aos que se dizem revolucionários para se posicionarem diante deste conflito que nada mais é do que uma ação de auto-defesa contra o avanço imperialista por meio da OTAN, a qual já integrou quatro países fronteiriços à Rússia, e tem neste momento a Ucrânia como mais um ponto estratégico para o cerco ao país.





