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Semana de Arte Moderna de 1922

O Modernismo e os mestres do passado

Damos sequência à apreciação das condições preparatórias da Semana de Arte Moderna de 1922, destacando nesta edição o ativismo dos modernistas contra a resistência os exploradores

Diante da intensificação da atividade dos modernistas, em consonância com o clima política de tendências revolucionárias existentes no País, como assinalamos aqui no artigo anterior, o poeta Mário de Andrade também assume uma militância em prol das novas tendências estéticas.

No ano de 1922 ele vai ao Rio de Janeiro para arregimentar artistas e escritores para a realização de uma Semana de Artes, o que vai intensificar os atritos com a chamada cultura oficial.

Modernismo x parnasianismo?

De um modo geral, muitos historiadores mostram de maneira esquemática e falsa a existência de uma suposta luta entre o modernismo e o parnasianismo, como se fosse uma guerra de doutrinas, a tal ponto que as escolas brasileiras inculcam nos estudantes um preconceito contra o parnasianismo que carece completamente de justificação. Nada poderia ser mais falso.

A cultura oficial explorava em benefício próprio o enorme prestígio do parnasianismo, seu culto da forma, a virtuosidade dos grandes escritores como Olavo Bilac (foto) e os versos de extraordinário apelo de Olavo Bilac: vida, características, obras, poemas - Brasil Escolagrandes artistas como Raimundo Correia, Vicente de Carvalho e Alberto de Oliveira, homens que pertenciam à geração dos maiores escritores brasileiros, produto da revolução que conduz à República e que contava com nomes como Machado de Assis, Raul Pompéia, Rui Barbosa e muitos outros.

O que existia, de fato, eram apenas os exploradores oficiais de uma glória passada, do talento alheio. Haviam transformado o sistema parnasiano em uma receita miserável que se transformou em dogma. Os “mestres do passado” serviam para dar legitimidade a uma coisa há muito tempo morta. Sua atividade criativa era do século XIX e seu canto de cisne era da época da guerra. O livro Tarde, sugestivo título, de Olavo Bilac, que Mário de Andrade considera como uma culminação é, na realidade, o canto de cisne do parnasianismo, um canto há muito postergado.

O parnasianismo foi um movimento literário que pouco se manifestou fora da França. O movimento abolicionista e revolucionário brasileiro viu nele, nos seus altos ideais, a corporificação da sua ideologia do Estado racional e perfeito, e recebeu-o de braços abertos, produzindo grandes poetas e juntamente com o realismo, que é seu irmão de sangue em nosso país, a maior e mais profícua geração literária que o Brasil já teve. Talvez tenha sido a escola literária de maior importância da cultura do país. Grandes nomes como Olavo Bilac, Alberto de Oliveira, Francisca Júlia, Vicente de Carvalho e Raimundo Correia estão entre os maiores nomes de nossa literatura.

Mas por volta de 1910 esse já havia se exaurido. Seus poemas já não apresentavam novidade; era uma produção repetitiva e que não interessava mais aos novos tempos. Os próprios parnasianos o reconheciam. Embora Poemas e Canções, de Vicente de Carvalho só viesse à luz em 1912, no mesmo ano da proclamação da república, 1889, Raimundo Correia já considerava o parnasianismo como superado.

Mas nas primeiras décadas do século XX o establishment literário era formado pelos epígonos do parnasianismo ou ainda mais precisamente por exploradores oficiais e institucionais do prestígio da escola, uma verdadeira burocracia literária. Com algumas exceções eram de uma mediocridade e de uma trivialidade sem limite. Apresentavam os grandes escritores como os mestres de então. Mas para os modernistas, eram mestres do passado. A produção cultural havia se transferido. O caráter universalista das doutrinas dos mestres anteriores transformou-se em ostentação da idolatria à mais superficial cultura estrangeira em oposição ao povo brasileiro, esmagado pela oligarquia. O convencionalismo ritual da forma, um passaporte burocrático para a aprovação dos medíocres em um sistema puramente burocrático. A linguagem culta se transformou em uma verborragia vazia de conteúdo, típica das burocracias provincianas e incultas que o Brasil sempre teve e continua a ter até hoje. Nesse sentido, os modernistas nunca lutaram contra o “parnasianismo”, mas contra o resultado pútrido da decomposição da cultura criada pela revolução republicana e pela geração de 1879 e 1880, uma caricatura grotesca.

A ofensiva modernista

Coleção Dicionários" lança volume sobre Oswald e Mário de Andrade | GZH
Mario e Oswald, em telas de Lasar Segall e Tarsila do Amaral, respectivamente

Em 1921, Mário de Andrade, reagindo às provocações da crítica conservadora, publicou no Jornal do Comércio, graças ao incentivo de Oswald, um artigo intitulado, justamente, de “Mestres do passado”. Nele, Mário de Andrade passa em revista os cinco nomes principais do Parnaso, nesta ordem:  Francisca Júlia, Raimundo Correia, Alberto de Oliveira, Olavo Bilac e Vicente de Carvalho.

Mário começa o artigo mostrando-se enojado com as injustiças, as perversidades, leviandades e mentiras que norteavam a crítica literária no Brasil. E afirma que tudo o que se pretendia era evitar o debate de questões de fato pertinentes à arte e à literatura, nada mais que a verdade. E a reação de Mário foi escrever “umas linhas sobre os poetas parnasianos do Brasil”.

E passa a elogiá-los desta maneira: “Ó Mestres do Passado, eu vos saúdo! Venho depor a minha coroa de gratidões votivas e de entusiasmo varonil sobre a tumba onde dormia o sono merecido!” Os mestres são louvados, mas, agora, estão todos mortos e sepultados. É a hora e a vez da nova literatura.

Mas o artigo não é, de maneira alguma, irônico ao elogiar os poetas parnasianos. É crítico, justo e profundo. Mostra o que tinham de melhor esses poetas; revela a beleza de seus versos, a maestria com que criavam, a precisão na escolha de palavras, no uso de imagens e de figuras de linguagem. Contudo, o artigo mostrava também que era justamente nesses mesmos aspectos em que eram mestres que eles falharam. Com o tempo a criatividade os abandonou, como acontece seguidamente, e eles, sem terem mais o que escrever, repetiam o que já haviam feito: eram as mesmas escolhas de palavras, as mesmas imagens, as mesmas figuras, as mesmas metáforas. Eram velhos. Mestres do passado.

Época de transição

E esses mesmos poetas que saudou, que colocou no mais alto patamar de nossa literatura… esses mesmos poetas Mário de Andrade amaldiçoa. Porque, depois de venerá-los, passou a odiá-los e negou-lhes a paternidade. “Malditos para sempre os Mestres do Passado! O vosso exemplo… inda perturbará… a luminosa evolução das artes? […]  Que o Brasil seja infeliz porque vos criou! Que a Terra vá bater na Luz arrastada pelo peso dos vossos ossos! Que o Universo se desmantele porque vos comportou! E que não fique nada! nada! nada!

E encerrará o artigo desta forma: “Não. Melhor é que tudo fique assim como está: nem o Universo se desmantele, nem a Terra vá bater na Lua, nem o Brasil seja infeliz. Mas que fique também o riso, a alegria, a criançada! O Sr. Tristão de Ataíde já verificou, citando Hegel, que tudo isso é sintoma de épocas de transição. Viva o riso, a alegria, a ‘blague’! Estaremos nós por acaso numa época de transição?

Certamente estávamos numa época de transição política, social e cultural. No mesmo ano em que ocorreu a Semana de Arte Moderna, outros acontecimentos se seguiriam a ela: o Levante do Forte de Copacabana – evento que marca o início do movimento tenentista –, a fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB) e, pouco depois, a decretação do estado de sítio pelo presidente Artur Bernardes.

Semana de Arte Moderna - Artes Enem | Educa Mais Brasil
Cartaz anuncia inicio das atividades da Semana

Mas, ainda que os antecedentes da Semana de Arte Moderna tenham sido um reflexo das mudanças por que passava o país, e que culminaram na Revolução de 1930, em relação às artes não se podia falar de uma época de transição, a não ser em sentido revolucionário. Os Mestres do Passado estavam mortos e a Semana de Arte Moderna consolidada. Ela foi, como vimos, produto da agitação e das transformações por que passavam o Brasil e o mundo.

Não pode, pois, ser considerada, como propõem até os dias atuais – setores da burguesia que, ontem e hoje,  que se opõem ao novo e à mudança – simplesmente como um produto da “elite cafeeira“. Foi uma reação direta a ela e a tudo o que representava a defesa do decadente regime capitalista.

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