“Editorial” do jornal A Verdade, assinado por Luiz Falcão, membro do comitê central do Partido Comunista Revolucionário (sic.), falha miseravelmente em analisar as eleições deste ano. Não admira, haja vista a desonestidade intelectual do autor em seus apontamentos.
Segundo o PCR ─ organização por trás da UP ─, as eleições não foram democráticas porque a UP teve menos tempo de TV, menos financiamento pelo Fundo Eleitoral e não foi convidada para os debates. Como se fosse o único partido lesado pela máquina eleitoral controlada pela burguesia e pelo imperialismo, quando inúmeros partidos políticos sequer têm o direito de concorrer porque não foram legalizados ─ ao contrário da UP, que conseguiu da burguesia uma legalização em tempo recorde para um partido de esquerda. O PCO, PCB e PSTU, por exemplo, foram ainda mais lesados pela burguesia nestas eleições, embora a UP esconda isso.
Ao contrário do que diz o autor, o PCO não “preferiu não apresentar seu programa nas eleições [presidenciais] e declarou apoio à chapa Alckmin-Lula [sic.]”. Trata-se de uma calúnia. O PCO apoiou a chapa de Lula, sem o apio a Alckmin, e com um programa próprio para os trabalhadores, programa que foi inclusive protocolado no TSE. Para manter a independência de seu programa, o PCO, inclusive, não compôs coligação com o PT e o PSOL e os demais partidos burgueses que integram a chapa de Lula para não ter que se comprometer com o programa burguês da chapa. O PCO apresentou seu programa ao imprimir milhões de panfletos com dez pontos cruciais na luta dos trabalhadores para a atual situação política. De fato, o PCO decidiu apoiar a candidatura Lula porque sabe que seria o único e poderoso instrumento dos trabalhadores na luta real contra a burguesia nestas eleições, defendendo Lula Presidente com suas próprias reivindicações independentes e classistas. A UP inventa uma chapa inexistente com Alckmin presidente e Lula vice buscando atribuir maior importância a Alckmin do que a Lula a fim de destacar de forma infantil a sua posição de que a candidatura Lula seria uma candidatura indefensável e burguesa devido à figura de seu vice.
O autor também cai em uma enorme contradição ao afirmar que os analistas burgueses “propagam a mentira de uma ‘força bolsonarista’” e, um pouco antes, dizer que a UP (sempre ela, vanguarda dos trabalhadores, embora ninguém tenha visto essa vanguarda em nenhum momento nas ruas do país) denunciou em sua campanha o “plano golpista do candidato da extrema-direita, dos generais fascistas e do Centrão”. Ora, se o bolsonarismo não é uma força, como poderia dar um golpe? Golpe esse que não existiu porque teria de ter sido contra a vontade da burguesia, que apostava preferencialmente na terceira via no primeiro turno. Mas as manifestações bolsonaristas, a intensa compra de votos, a votação do PL que o deixou com a maior bancada do Congresso desde 1994 mostram que trata-se sim de uma força social ─ com base principalmente na pequena burguesia, na burguesia nacional e em setores atrasados do proletariado. A UP esconde isso comemorando a votação de Guilherme Boulos (PSOL) a deputado federal, um político carreirista e sem nenhuma relação real com os trabalhadores, marionete do setor mais reacionário do imperialismo e funcionário dos EUA.
Ao mesmo tempo em que louva Boulos, a UP ataca Lula de forma baixa, lembrando que a Polícia Federal (a sagrada!) encontrou na casa de Lula um cartão (!) do dono da Corsan, que deu um presente de casamento a Lula (que crime!). Um ex-presidente da República por dois mandatos jamais poderia, na visão do autor, ter recebido um presente de casamento de um empresário. Essa crítica é puramente faccional, porque se encontrar com o empresário não é o mesmo que favorecer o mesmo empresário, tampouco uma classe inteira.
Embora se diga uma organização socialista e revolucionária, e ataque Lula, a UP, por meio do artigo em questão, demonstra não ter uma política diferente das reformas sociais moderadas propostas pelo PT. Quando Lula falou que o povo quer trabalho, moradia, lazer, salário, alimentação etc., a UP acrescenta demandas típicas do reformismo, com um bônus: o “fim do racismo”, em abstrato, tal como seria o “fim da violência” ou o “fim do sofrimento”.
E aí os “intelectuais” do PCR/UP escorregam feio ao se arriscar a analisar o fato de o Brasil ser um país onde os trabalhadores não têm nem uma qualidade de vida razoável, como nos EUA e na Europa, nem tampouco estão no poder. Seria porque o Brasil é um país capitalista. E ponto. A história do Brasil seria algo mais ou menos igual desde a sua independência ─ que, segundo eles, não foi obra de Dom Pedro, a quem consideram um vilão, e não um herói, como realmente foi ─, ou seja, em português bem claro: sempre a mesma merda. E isso porque o Brasil é um país capitalista. O capitalismo faz com que o Brasil seja uma merda. Raciocínio mais rebaixado do que este dentro da esquerda seria difícil.
Primeiro porque o Brasil não é uma merda. É um dos países mais desenvolvidos do mundo depois das potências imperialistas. Mas esse desenvolvimento, capitalista, é incompleto. O Brasil é um país de capitalismo atrasado, ao contrário dos EUA, da Europa e do Japão, onde os trabalhadores têm uma condição de vida e de luta muito mais favorável. “O Brasil é um país capitalista há quase 200 anos e o que esse sistema trouxe de benefício ao povo desta nação?”, pergunta-se, talvez não de forma retórica, o seu Luiz. O desenvolvimento capitalista é, naturalmente, baseado em reformas, principalmente econômicas, mas também políticas e sociais. O Brasil não conseguiu contemplar todas as reformas burguesas porque seu desenvolvimento foi atrasado com relação às nações europeias, aos EUA e ao Japão e, quando da nossa principal revolução burguesa, em 1930, a época de grandes reformas da burguesia já havia passado e quem não as havia feito nunca mais as faria. Já estávamos na época do imperialismo ─ imperialismo este que é um conceito absolutamente incompreensível para os “intelectuais” da UP, que acham que a Rússia, exportadora de matérias-primas, é uma nação imperialista, ou seja, um país de capitalismo desenvolvido.
A UP, em sua política sem base teórica ou mesmo na realidade, e contradizendo mais uma vez suas próprias afirmações, diz: “Acreditar, portanto, que um governo socialdemocrata, que faz questão de deixar claro que seu objetivo é manter a economia capitalista e não mexer nos privilégios da burguesia irá satisfazer ou atender as aspirações do povo de cuidar da família, é tornar-se um porta-voz da escravização dos trabalhadores pela classe dominante.”
Sim, é óbvio que um governo social-democrata, ou melhor, reformista (o nacionalismo reformista de um país atrasado como o Brasil não é a mesma coisa que a social-democracia reformista nos países desenvolvidos) não destruirá o capitalismo e, pelo contrário, contribuirá para a sua manutenção. Entretanto, não é indiferente para os trabalhadores ter um governo reformista ou um governo integralmente conservador e neoliberal. As reformas, como as que ocorreram em diversos momentos da história do país, ao contrário do que pensam os membros da UP ─ desconhecedores da nossa própria história ─, foram responsáveis pelo desenvolvimento do Brasil e pela melhoria nas condições de vida do povo, particularmente a situação de luta dos trabalhadores. Um governo nacionalista burguês, portanto reformista, não é a mesma coisa que um governo entreguista.
Os “intelectuais” do PCR/UP, que não sabem o que é imperialismo nem desenvolvimento capitalista, logicamente, portanto, não entendem absolutamente nada de revolução e de socialismo. Isso advém de suas origens stalinistas, sendo o stalinismo a política reacionária e revisionista, antimarxista, da burocracia soviética. Quando o autor do mencionado artigo diz que, no socialismo, “em vez de produzir alimentos para o mercado exterior, a prioridade é alimentar o povo do nosso próprio país”, nosso interlocutor “esquece” que o “socialismo” que defende ─ isto é, a contrarrevolução stalinista ─ fez exatamente o que fazem os governantes capitalistas.
A coletivização forçada na URSS na virada dos anos 1920 para os anos 1930 consistiu exatamente no ataque brutal a todos os camponeses, roubando toda a sua produção, matando milhões de fome, para vender para fora do país. Ao contrário da proposta de Trótski na década de 1920 de taxar os camponeses ricos, vender parte da produção e com esse dinheiro financiar a industrialização e o desenvolvimento da União Soviética, Stálin escravizou os camponeses, exterminou uma grande parte deles, roubou seu produto e mandou para fora.
A UP condena o que o seu principal inspirador, Josef Stálin, tinha como política fundamental: a aliança com a burguesia. Porém, ao mesmo tempo, segue fiel a essa mesma política. Sua posição ambígua sobre Lula parece ficar mais nítida no final do texto de Luiz Falcão:
“A diferença é que, se a extrema-direita vencer, ela tratará de implantar uma ditadura militar e cassar as poucas liberdades que conquistamos, inclusive a própria legalização da UP. Se Lula vencer, esse risco não existe, mas a grande burguesia seguirá sendo favorecida e manterá o controle sobre os meios de produção, a terra, o capital financeiro e os meios de comunicação. Por isso, a luta principal agora é derrotar a extrema-direita e seu candidato fascista”, escreve.
Continuamos a ver a contradição com o discurso da suposta inexistência de uma “força bolsonarista” quando os revolucionários perigosíssimos da UP argumentam que Lula seria melhor porque, com ele, um golpe é um risco que “não existe”. Por quê? Ora, porque segundo a UP, bastaria vencer as eleições que a situação estaria resolvida. Vitória da democracia contra o fascismo! Vitória da civilização contra a barbárie! Vitória do bem contra o mal!
Isso significa que o apoio muito discreto da UP a Lula poderia ser um apoio a qualquer outro candidato que estivesse disputando contra Bolsonaro neste segundo turno. Poderia ser um candidato do PSDB, uma vez que a grande ameaça é Bolsonaro. E se a UP acredita que um governo Lula seria, como diz, um governo dos patrões, aí é que não haveria mesmo distinção entre Lula e o PSDB. Em última análise, não haveria distinção entre Lula, o PSDB e Bolsonaro, pois seriam todos governantes dos patrões. Só que Bolsonaro, mesmo não havendo uma “força bolsonarista”, poderia implantar uma ditadura fascista.
Mas se Lula faria um governo para os patrões e, portanto, se ele é um candidato dos patrões, por que então a UP, que acha que é um partido revolucionário, está chamando voto em Lula? Isso é um contrassenso para um partido revolucionário. Aqui, mais uma vez, a UP segue Stálin e suas crenças na colaboração de classes com a burguesia ─ seguindo a própria lógica mística do nosso interlocutor. Os stalinistas fazem tudo aquilo do que acusam seus críticos, principalmente com relação a apoiar a burguesia supostamente democrática. Essa é a política de frente popular.
Um partido revolucionário, como é o caso do PCO, não apoia Lula porque a luta seria entre democracia e fascismo, entre civilização e barbárie. Tampouco acredita que Lula e o PT significam a mesma coisa para os trabalhadores que a direita tradicional, porque ambos “governariam para os patrões”. A posição do PCO é perfeitamente coerente: o PCO vota em Lula por causa do caráter de classe de sua candidatura e de sua campanha. Os operários veem Lula como seu representante, como um candidato de sua classe social. Logo, o voto dos operários em Lula não é um voto na “democracia” contra a “ditadura”, mas sim um voto de classe, um voto nos trabalhadores. E isso contribui para a elevação de sua consciência política e para a sua luta concreta contra a burguesia e contra a extrema-direita.