Na sociedade capitalista, quem vai sofrer, em última instância, será sempre o trabalhador. Há muito tempo vimos chamando a atenção de que a política identitária de pedir o cancelamento, a perseguição e censura contra tudo que os desagrada iria se voltar contra o próprio povo.
Sob o pretexto de uma suposta defesa dos oprimidos, a esquerda pequeno-burguesa identitária apoia o aumento de penas. A burguesia é quem impulsiona de fato essa política, encontrando uma ótima justificativa para aumentar a repressão contra o povo.
Uma conversa gravada por uma passageira num ônibus em Curitiba acabou resultando na demissão de um motorista da empresa Expresso Azul. Isso porque, segundo a acusação, ele teria sido “sexista” na conversa com companheiros de trabalho.
O “crime” do motorista foi ter falado que casaria com várias mulheres ucranianas: “Caso com elas e pronto! Faço umas horinhas extras no ônibus e dá para casar com duas [ucranianas] aí”, afirmou o motorista num dos momentos da gravação.
Como se pode ver, a conversa não é nada mais do que a expressão de um atraso cultural, mas não nenhum embasamento real naquilo que é dita. A não ser que alguém acredite que realmente o motorista do ônibus iria até Prudentópolis (cidade paranaense com a maior colônia ucraniana do Brasil) para casar com duas ucranianas. É ridículo.
E ridícula é a histeria identitária, sempre pronta a dizer que alguém ficou ofendido e que é preciso calar todo mundo. A pessoa que denunciou o motorista – e sé fosse para falar em crime essa cidadã gravou o motorista sem seu consentimento – pode não saber o que está fazendo. Mas sua declaração para a imprensa golpista revela o nível de controle e vigilância social: “Eles se sentiam no direito de falar aquilo e acharam não iam ter consequência. Eles serem punidos serve como exemplo para as pessoas não façam isso. Ter uma punição e uma retaliação é muito importante nesse caso. Eu fiquei muito feliz que o motorista foi mandado embora”.
Porque eles não deveriam se sentir no “direito de falar aquilo”? Até onde nos consta o cidadão tem o direito de falar o que quiser. A passageira acha que o motorista não tem o direito de falar, mas ela acha que o Estado ou, no caso, a empresa de ônibus, tem o direito de punir o trabalhador por aquilo que ele falou. É uma inversão completa dos valores democráticos.
A fala de alguém gera muito mais histeria e horror do que um trabalhador perdendo o emprego.
O mais importante de tudo isso não é a discussão sobre o conteúdo do que falou o motorista nem a histeria identitária em si. O mais grave é que a política identitária de cancelamentos e perseguições está sendo usada para justificar a demissão de trabalhadores.
Vejamos uma coisa óbvia. Um trabalhador – seja homem ou mulher – tem, em geral, uma série de concepções conservadoras sobre o mundo. Isso deveria ser lógica, afinal, quem educa o povo é a burguesia. As pessoas tendem a ter ideias convencionais sobre a maioria das coisas.
Se isso é verdade e se está autorizado demitir uma pessoa por algo que ela falou, então estamos diante de uma situação maravilhosa para os patrões. Qualquer coisa pode ser pretexto para uma demissão. Num momento de crise como agora esse é um prato cheio para os capitalistas colocarem um monte de gente no olho da rua e, melhor ainda, com uma cobertura pseudo-esquerdista que é o identitarismo.
Não dá para ter dúvida que o identitarismo vai resultar na perseguição dos trabalhadores. Os patrões, que não apenas pensam tudo o que o motorista falou, como fazem as piores atrocidades contra as mulheres, vão poder demitir o trabalhador e ainda fazer demagogia.
A empresa de ônibus declarou que “abomina comportamentos ou manifestações de preconceito, seja de caráter racial, religioso, de gênero ou qualquer outro, por parte de seus colaboradores”. Não é realmente linda a preocupação dos empresários com o bem estar do ser-humano? Quem é trabalhador conhece bem isso, quem é da classe média identitária nunca vai entender e por isso gosta do empresário e não se compadece com o trabalhador que perdeu o emprego.
O caso revela de maneira pura o problema de classe do identitarismo.




