A Violência contra a mulher é institucionalizada
Na madrugada da segunda-feira, 11 de julho, o médico anestesista Giovanni Quintella Bezerra foi preso em flagrante por estupro de uma mulher durante seu parto cesárea no Hospital Heloneida Studart, na baixada fluminense do Rio de Janeiro.
A equipe de enfermagem daquele plantão começou a desconfiar do médico pois nas três cirurgias anteriores que ele participou, teve comportamentos fora do padrão: sedava muito as mulheres, o que é bastante fora do normal, já que assim que o bebê nasce, se propicia o primeiro contato pele a pele entre o bebê e a mãe; além disso, ele também usava o campo, pano que serve para proteger a área da cirurgia e não deixar a mulher assistir a cirurgia, para impedir que os outros profissionais o vissem, e não havia motivo para tampar tanto, uma vez que estavam sedadas e não poderiam ver os procedimentos. Apesar de que o médico tenha tentado disfarçar, a equipe percebeu sua movimentação suspeita perto das pacientes.
Depois que a denúncia foi publicizada, apareceram notícias de que o médico anestesista também impedia que as mulheres fossem acompanhadas durante o parto, o que é um direito conforme a Lei nº 11.108/05, que deixa claro que fica a critério exclusivo da parturiente (mulher grávida) a escolha de seu acompanhante. Pode ser o marido, a mãe, uma amiga, uma doula. Não importa se há parentesco ou tampouco o sexo do acompanhante.
Outra notícia que apareceu foi que uma colega de equipe médica declarou à delegada que viu o médico Giovanni Quintella com o pênis ereto em uma outra cirurgia.
A equipe de enfermagem, enfermeiras e técnicas, desconfiadas encontraram uma forma de colocar um celular filmando de forma que o médico não percebesse. As imagens são no mínimo estarrecedoras. Enquanto acontecia a cirurgia cesariana, por dez minutos o médico anestesista manteve seu pênis dentro da boca da paciente por ele sedada. Ele se movimentava de forma contida e, no final, usou lenço de papel para limpar os vestígios de esperma na boca da mulher inconsciente, totalmente sem condições de se proteger daquele que deveria estar ali para prestar cuidados.
Tudo isso acontecendo, parece ironia, num hospital público cujo nome homenageia uma grande defensora dos direitos das mulheres, Heloneida Studart. Mas não é ironia, é simplesmente a institucionalização da violência contra as mulheres.
A violência obstétrica não é fato isolado, há muito vem sendo denunciada e este caso mostrou a escalada do descaso que é muito grande. Existem mortes de mulheres e de bebês devido a violência obstétrica. Recentemente, o secretário de saúde do Ministério da Saúde, Raphael Câmara, reformulou as cartilhas técnicas sobre parto descaracterizando de violentos os atos médicos já consolidados como tal pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como a manobra de Kristeller, dentre outros métodos.
Sabemos que no Brasil a medicina é elitizada, pobre não tem condições de se sustentar em um curso de medicina, ou devido às altas mensalidades das faculdades particulares, ou por não poder se sustentar em um curso integral, pois a carga horária impede que a pessoa trabalhe.
Para piorar, existe um corporativismo que mantém um número limitado de vagas nos cursos de medicina a fim de diminuir a oferta de médicos e assim manter os salários altos. Poucos fazem medicina por vocação, muitos escolhem a carreira porque o retorno financeiro é alto, e muitos ainda vão herdar a clientela dos pais já médicos, seus consultórios, clínicas ou mesmo hospitais.
Tudo isso faz com que a classe também seja altamente corporativista, chegando ao absurdo de o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) pedir à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) por meio de ofício, punição para uma advogada que promoveu uma oficina de orientação sobre os direitos das mulheres gestantes, a fim de que as mulheres possam saber como se defender da violência obstétrica.
A presidenta do Cremesp, Irene Abramovich, (sim, é uma mulher!) afirma que o curso “tem o intuito de instigar as mulheres a denunciarem os médicos especialistas em obstetrícia e pediatria por supostas violências obstétricas”.
Sendo assim, a sra. presidenta deveria fazer uma parceria com essa advogada, pois é do escopo do CREMESP fiscalizar a atuação médica, que precisa melhorar muito esse trabalho. O pior de tudo, é que a OAB se curvou ante a solicitação e chamou a advogada para depor, um verdadeiro absurdo. Desde quando o CREMESP tem prerrogativa sobre a OAB?
Também chamamos atenção para outros fatos: o cuidado da delegada Bárbara Lomba na abordagem do médico anestesista que estuprou a mulher durante o parto, só faltou pedir desculpas por o estar prendendo em flagrante, “é desagradável, mas vamos ter que fazer”; a médica colega de equipe, ver o médico anestesista de pênis ereto durante uma outra cirurgia de cesárea e não pensar que algo estava errado; as equipes médicas não se incomodarem com a sedação das pacientes e ainda dizerem que não é usual, mas ele é anestesista pode fazê-lo.
É a institucionalização da violência contra as mulheres, principalmente as trabalhadoras pobres que necessitam do serviço público. Esses profissionais demonstram que não têm empatia nenhuma por nós mulheres, fazem seu trabalho de maneira fria e impessoal. Isso mostra a que nível chega um ser humano em relação a outro dentro desse capitalismo decadente e pérfido no qual nos encontramos.
O Coletivo de Mulheres Rosa Luxemburgo, do Partido da Causa Operária, entende que somente com a organização das mulheres em grupos de autodefesa se poderia dizimar a ignorância imposta pela sociedade capitalista à maioria das mulheres da classe trabalhadora, as mais vulneráveis. Temos que nos unir e nos organizarmos para derrubar esse sistema pérfido e sujo que nunca respeitou a mulher em sua plena capacidade.