No dia das comemorações do bicentenário da Independência do Brasil, todos os candidatos à Presidência da República estiveram nas ruas, à exceção de Lula, que, trajando roupa preta, gravou uma mensagem morna em estúdio. É verdade que Bolsonaro, como anfitrião da festa e candidato, tirou partido da data usando um vago discurso nacionalista, que, como sabemos, não se sustenta em suas ações. Fato é que Bolsonaro encheu as ruas e, pasmem, não deu o tão temido golpe. Aparentemente, só o PT ficou em casa com medo dos “bolsonaristas”.
Na propaganda eleitoral, ouvimos Simone Tebet repetir, dia após dia, com todas as letras: “Eu represento 53% da população brasileira”. O que lhe permite dizer, em rede nacional, um absurdo desse tamanho sem ser acusada de propalar “fake News” é naturalmente o identitarismo. Segundo dados estatísticos, 53% da população brasileira compõe-se de mulheres, portanto Simone Tebet, sendo mulher, representa todas as outras. O raciocínio é tão simplista que chega a espantar que seja defendido em universidades e na imprensa por gente tão bem preparada intelectualmente.
Nossa sorte é que o povo, com sua sabedoria nem sempre tão letrada, não é tão parvo quanto imaginam os defensores dessas teorias. Bastaria perguntar à empregada doméstica se ela se sente representada pela sua patroa ou perguntar a qualquer mulher que trabalhe para se sustentar se ela se sente representada por uma latifundiária, herdeira de terras em Mato Grosso do Sul.
O Jornal Nacional, da Rede Globo, vem apresentando uma série de reportagens sobre a “democracia”, veiculadas diariamente. Desfilam na tela todas as noites, antes da novela, os ministros do STF, chamados a fazer o elogio de nossas instituições e da Carta Magna. Segundo eles, a mãe democracia abençoou não só a Constituição de 1988 como a possibilidade de fazer emendas a ela que reflitam os avanços sociais. O cenário especial, as entrevistas dos magistrados, tratados como verdadeiras celebridades, e os depoimentos de mulheres, pessoas LGBT, negros e jornalistas perseguidos pela ditadura de 1964 dão o tom do programa.
O episódio destinado à “liberdade de expressão” foi particularmente interessante. Em primeiro lugar, trataram de amalgamar a ideia de liberdade de expressão com a de liberdade de imprensa, como se esta fosse a única forma daquela. Explicaram didaticamente ao telespectador, com a ajuda de Eliane Cantanhêde e Fernando Gabeira, que, na época da ditadura, a epidemia de meningite foi escondida da população e que os jornais e espetáculos artísticos sofriam censura. A tentativa de associação à Covid sob Bolsonaro ficou evidente.
Naturalmente nada disseram sobre o apoio da própria Rede Globo e dos grandes veículos de imprensa ao golpe de 1964. Trataram, isto sim, de reafirmar o bordão de que “liberdade de expressão tem limites”, afinal “a Constituição não protege mentira e discurso de ódio”, e fizeram o elogio das “agências de checagem”.
Em suma, quem tiver assistido à reportagem e não dispuser de outras informações sairá com a impressão de que vivemos na mais absoluta institucionalidade democrática, pois a (grande) imprensa é livre. O que não é veiculado por esses canais (TVs e jornais) tem de ser “checado” por eles (por meio das tais “agências de checagem”, ligadas a esses grupos). Ficamos com a impressão de que, fora da Globo, da Folha, do Estadão, da Veja e de outros veículos afins, o que existe é mentira e “discurso de ódio”.
Aguardamos ansiosamente algum episódio sobre a questão indígena, até agora não anunciado. A matança de índios pelos fazendeiros de Mato Grosso do Sul nunca aparece no noticiário da emissora. Por outro lado, Krenak, Guajajara e outros índios cooptados pelo imperialismo estão empenhados em ciceronear o Tio Sam pela Amazônia. Aguardemos a justificativa do STF para o marco temporal e o atraso na demarcação das terras indígenas.
Por ora, depois de assistir à propaganda eleitoral de Simone Tebet, fazendeira em área de conflito com indígenas, e ao Jornal Nacional, o que vemos é a mentira e o ódio produzidos no padrão Globo de “civilização”. Omite-se o que não interessa (muita coisa, aliás) e proclama-se em altos brados aquilo que pode render vantagens, tudo sob a bênção dos amigos das “agências de checagem”.
Fato: estão a todo o vapor na campanha da latifundiária Tebet. Lula que se cuide.