Victor Assis

Editor e colunista do Diário Causa Operária. Membro da Direção Nacional do PCO. Integra o Coletivo de Negros João Cândido e a coordenação dos comitês de luta no estado de Pernambuco.

Cynara Menezes

Eu podia estar matando, eu podia estar roubando, mas estou aqui, trabalhando… para o PSDB

Socialite Morena invade ônibus e enche o saco dos passageiros

morenalckmin

A viagem diária de casa para o trabalho de seu Silva é sempre repleta de ocorrências. É tanta coisa acontecendo, são tantas oportunidades que seus olhos têm de se distraírem e se divertirem que seu patrão estava considerando descontar de seu salário um imposto pelo lazer.

Na parte traseira do ônibus, onde seu Silva costuma ficar, espremido entre um estudante magricelo e uma doméstica em idade de se aposentar, ou entre um metalúrgico de mãos ásperas e um gari semibanguelo, a visão é privilegiada. Nosso herói é capaz de ver, com precisão, a cada parada, um coro de pessoas gritando “abre o meio, motô”, já que o motorista é proibido de abrir a segunda porta e só o faz quando a massa se insurge contra ele. Seu Silva também pode ver, de diversos ângulos, o ônibus sendo assaltado, levando à perda não só dos pertencentes seus e dos demais passageiros, como também das mixarias que o cobrador arrecadara até então e que seriam depois repostas de seu próprio bolso. Normalmente no meio da viagem, seu Silva abre seu pacote de pipoca para ver um cadeirante sendo carregado para dentro do ônibus, após tentativas em vão de fazer o elevador funcionar.

Foi num dia como qualquer outro que seu Silva encontrou a atração mais memorável de todas as suas viagens. Na terceira parada após sua casa, subiu no ônibus uma morena de certa idade.

“Boa tarde, passageiros, passageiras e passageires“.

Seu Silva não entendeu.

“Eu podia estar roubando, eu podia estar matando…”

Agora ele entendeu.

“Mas estou aqui trabalhando…”

“E daqui a pouco também estarei”, pensou seu Silva, já separando umas moedinhas para a pobre alma que discursava.

“… para o PSDB”.

Para o que?

“Eu não quero dinheiro, não, bênção. Eu quero contar minha história”.

Ótimo. Seu Silva adorava uma história. Ao menos, as que contava e ouvia no bar de seu Neno. As histórias que costumava ouvir no ônibus nem sempre eram tão agradáveis…

Infelizmente, não parecia que ia ser diferente. A estranha pedinte começou falando que se formou em jornalismo em 1987 e que, logo depois, foi trabalhar no Jornal da Bahia, um periódico que já havia deixado de ser um jornal de oposição ao carlismo e que na época estava se transformando numa imprensa sensacionalista e policialesca ligada ao MDB. A senhora disse que depois foi trabalhar na reacionária Folha de S.Paulo, sublinhando, orgulhosa, que “ninguém nunca mudou meu texto e jamais adicionaram nem uma frase sequer que eu não tenha apurado”.

“O que eu tenho a ver com tudo isso?”, pensou seu Silva.

A figura continuou sua história, acompanhada por rostos cada vez mais sonolentos.

“O ano de 1995 foi, talvez, o mais terrível de minha vida. Eu tive de morar na Espanha”.

Seu Silva nunca tinha ouvido falar nessa favela. Ele conhecia as favelas da Babilônia, do Iraque e das Malvinas, além de ele próprio morar na favela do Vietnã. No entanto, do jeito que a anciã falou, a Espanha deveria ser uma coisa verdadeiramente horrível.

Como poderia ser tão tenebrosa assim? Será que sua casa ficava na encosta de um morro que caía todo dia devido à erosão causada pelo esgoto não saneado? Será que aquela senhora bebia urina de rato, de tão miserável que era a tal Espanha? Fosse como fosse, ficaria a cargo da imaginação de nosso herói, que agora voltava sua atenção à estranha pedinte:

“Eu voltei a morar em Brasília em 1997, em uma situação muito difícil”, disse ela, levando um lenço aos olhos. “Eu tinha um filho para criar”.

A situação comoveu uma senhora sentada em um dos assentos que ficavam na parte dianteira do ônibus. Repousando uma mão sobre a sua saia jeans e a outra sobre um grosso livro de hinos evangélicos, ela se levantou e disse:

“Lamento, minha querida. Você só tinha um filho para criar? Quantos você perdeu então, na Espanha? Foi a polícia que os matou?”

A morena fez uma cara de espanto e desprezo ao mesmo tempo.

“Eu… eu não perdi nenhum filho”!

“Ah, então me desculpe. É que a senhora disse que ficou numa situação difícil porque ficou com um filho para criar.

“Justamente! A senhora sabe o que é criar um filho?!”

“Sei, sim, senhora. Eu tenho cinco”.

“Eu também”.

“Eu tenho seis”.

A estranha pedinte ficou boquiaberta. Jogou os cabelos para trás, fingindo estar tudo sob controle, e continuou.

“Como estava falando, quando voltei a Brasília, em 1997, eu tinha um filho para criar. Por isso, eu precisava fazer qualquer coisa — qualquer coisa — para conseguir dinheiro”.

“Ué, mas a senhora disse que seu filho tinha nascido em 1991. Se a senhora só tinha esse filho, então, em 1997, ele já tinha… já tinha”

“Seis anos”, completou seu Silva.

A dona da história abriu um sorriso amarelo.

“Bom, o fato é que eu precisava de dinheiro. E por isso, fui entrevistar Ciro Gomes para uma revista da Globo”.

O nome de Ciro Gomes despertou a atenção de alguns que já não estavam mais ouvindo a história.

“Acabou sendo um dos mais marcantes trabalhos da minha carreira. Ciro abriu a alma, talvez mais do que gostaria, e a matéria de uma revista feminina surpreendentemente repercutiu em todos os jornais”.

“Como assim, ‘abriu a alma’?”

“Lembro que ele falou o seguinte: ‘Eu acho que a monogamia é uma violência, é uma antinatureza. Você vê muito raramente na natureza a monogamia’. Eu acho que ele estava dando em cima de mim…”

A anciã corou e parou um pouco de falar. Quando retomou, explicou que, depois dessa entrevista, passou por vários órgãos, incluindo o Estado de S. Paulo e a sua querida Folha de S.Paulo.

“Em 2004, quando meu filho tinha treze anos e a maioria de seus coleguinhas já tinham um PlayStation 2,  entrei para a Veja. Sabem como é, né? Eu precisava criar meu filho…”

A estranha pedinte continuou a história. Disse que só saiu porque haviam inserido uma frase em uma reportagem dela sobre a gestão de Marta Suplicy (ex-PT). Todo o restante de seu “trabalho”, incluindo uma matéria rasgando elogios a Aécio Neves, foram motivo de orgulho para a senhora.

A viagem de seu Silva durava, aproximadamente, duas horas. Se fosse até o fim, a mulher iria falar por mais quarenta minutos! Seu Silva se desconectou um pouco do falatório e começou a pensar consigo mesmo.

Já fora demitido nove vezes. Sua família tinha oito membros, dos quais apenas ele e o filho mais velho trabalhavam. Já perdeu tudo em enchente, já foi despejado por inadimplência, levou calote do INSS e comeu o pão que o diabo amassou. Mas nunca, nunca passaria pela cabeça dele se humilhar do mesmo jeito que fazia aquela senhora. Ele, que nem concluiu o Ensino Médio, nunca deixou faltar comida na mesa de sua família. Por que ela, a fulana de tal que tinha ido fazer “doutorado” na Universidade Autônoma de Madri, teria de se submeter a essa sujeira toda? Uma reportagem elogiosa sobre Aécio Neves, inclusive, não deveria ser nada comparado a tudo o que ela participou em mais de vinte anos em jornais como a Folha de S.Paulo e o Estado de S. Paulo

“Agora, mesmo eu trabalhando há anos para órgãos da chamada imprensa progressista, como a revista Carta Capital, e mesmo tendo uma projeção nacional na internet, sendo capaz de ser totalmente independente no meu trabalho jornalístico, decidi apoiar publicamente Geraldo Alckmin, o picolé de chuchu fascista odiado por todo o povo paulista”.

Todos se mostraram ainda mais confusos.

“Sabem como é…”, foi explicando entre os dentes. “Eu estou com outro filho pequeno. Ele tem apenas 14 anos”.

O silêncio era total. Seu Silva desistiu de tentar entender ou até mesmo de jugar a criatura. “Cada um, cada um”. Se ela tinha seus motivos para vender a alma ao PSDB, problema dela. Mas a coisa ficou pior…

Entrando num quase transe, semelhante a Janaína Paschoal em seu famoso discurso sobre “matar a jararaca”, a morena começou a se tremer, babar e atacar o PCO, único partido a criticar a tentativa de contrabandear Alckmin para a candidatura de Lula e a denunciar o seu amigo Guilherme Boulos.

Aí já era demais! A cidadã, que vendeu a alma para o PSDB, estava acusando quem jamais — jamais! — teceu uma única palavra positiva para a direita. Quisesse ser criminosa sozinha, que fosse. Acusar os outros de cometerem os seus crimes, já era muita canalhice.

Seu Silva começou a protestar, sendo seguido pelos outros passageiros.

A anciã implorou para que parassem. Tirou o celular da bolsa e ligou para seu amigo, Jones Moreno.

“Moreno, você vê algum problema em receber dinheiro da Veja para defender o PSDB?”

“Morena, você vê algum problema em receber dinheiro do PSB para atacar o PT?”

Ambos responderam “não”.

“Estão vendo?!”

Não foi suficiente.

“Socialista Boulos, você vê algum problema em ter trabalhado na Folha e no Estadão e defender Alckmin, a Lava Jato e Aécio Neves?”

“Morena, você vê algum problema em trabalhar para Etchegoyen, Raul Jungmann e Daiello e defender a Lava Jato e atacar o PT?”

Novamente, os passageiros ouviram um “não” de cada lado do telefone.

A paciência chegara ao fim. Todos começaram a se aproximar da senhora, que tirou um spray de álcool líquido da bolsa e começou a espirrar nos passageiros.

“Esquerdomachos! Negacionistas! Cadê o isolamento social? Polícia, polícia, prendam todos!”

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