O ano de 2022, que promete ser um período de intensa luta política no Brasil, começou com um conflito internacional de grande magnitude. Já no mês de janeiro, as relações entre o governo russo e o governo ucraniano, que já vinham tensas desde o golpe de Estado de 2014 na Ucrânia, se tornaram ainda mais acirradas. Naquele momento, o principal motivo para as ameaças de ambos os lados vinha do fato de que o governo pró-imperialista da Ucrânia havia pedido publicamente o apoio da OTAN para “se defender” das tropas russas. Na realidade, a Rússia não tinha o objetivo de invadir a Ucrânia, mas apenas mobilizar suas tropas para suas fronteiras ocidentais com a finalidade de impedir uma invasão por parte dos países vizinhos comandada pelo imperialismo.
Esse conflito, por sua vez, faz parte de um problema político geral: a profunda crise do imperialismo. O imperialismo, que já estava muito fragilizado, havia sido exposto em uma série de eventos recentes — derrota no Cazaquistão, derrota na Nicarágua, derrota na Venezuela, derrota no Afeganistão, derrota na Síria etc. De um lado, isso vem obrigando países como os Estados Unidos a assumirem uma postura bastante agressiva com os países que não estão alinhados com sua política, principalmente a China e a Rússia. Por outro, isso tem motivado os países oprimidos a peitarem o imperialismo e buscarem a sua libertação.
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É esse o caso da tensão na fronteira oeste da Ucrânia. Tanto o presidente norte-americano Joe Biden, atravessando uma fase de baixíssima popularidade, precisava dar uma resposta “exemplar” aos seus inimigos políticos, mostrando que ainda tem força e, portanto, ainda deve ser temido, como a Rússia, que testemunhou o fantástico levante afegão contra os Estados Unidos, viu que ali estava a oportunidade de reverter o golpe de Estado dado há oito anos contra seu aliado na Ucrânia, o presidente Viktor Ianukovytch. De fato, como veríamos a seguir, as condições permitiam que a Rússia organizasse uma invasão defensiva na Ucrânia — isto é, não uma invasão, conforme alardeava o governo ucraniano, com o objetivo de arrasar o país, mas sim uma medida preventiva que impedisse que um país armado por inimigos poderosos viesse a invadir seu território.
Os momentos antes da guerra
No dia 11 de janeiro, o governo norte-americano já dava como certo que a Rússia “invadiria” a Ucrânia. Em declaração oficial da Casa Branca, os porta-vozes do governo Biden diziam que o conflito se daria a qualquer momento.
Contrariando o que dizia a imprensa imperialista, Putin anunciou, no dia 15 de janeiro, a retirada das tropas de sua fronteira com a Ucrânia. A medida foi comemorada pelo governo russo como uma grande vitória, uma vez que se deu em um suposto acordo que impediria o ingresso da Ucrânia na OTAN. Uma porta-voz do governo chegou a falar que “15 de fevereiro de 2022 ficará na história como o dia em que a propaganda de guerra ocidental falhou” e que “Ocidente foi derrotado na Ucrânia sem um único tiro”. O acordo teria sido conquistado através de uma série de articulações feitas entre Putin e os países europeus, especialmente a Alemanha, que estariam insatisfeitos com a forma como os Estados Unidos estavam tratando o conflito.
Seja qual fosse o acordo, contudo, os conflitos continuaram. O presidente ucraniano Vladimir Zelensky ficou profundamente desmoralizado com a possibilidade de não entrar na OTAN, o que, inclusive, era uma demonstração de fraqueza para os próprios ucranianos, o que poderia fazer com que perdesse o controle da situação no seu país. O fato é que pouco tempo depois aconteceu um mal-explicado bombardeio na região do Donbass, onde está a maior porção de russos no território ucraniano e duas repúblicas autoproclamadas contra o governo ucraniano.
A reação de Putin foi magistral. No dia 21 de fevereiro, fez um marcante discurso em que, pela primeira vez, reconheceu as repúblicas autoproclamadas do Donbass, solicitando que a Assembleia russa ratificasse tratados de amizade e assistência mútua com as repúblicas, e ainda culpou diretamente o governo ucraniano, fruto de um golpe de Estado, por atentar contra os povos da região.
“E daqueles que tomaram e detêm o poder em Kiev, exigimos o fim imediato das hostilidades. Caso contrário, toda a responsabilidade pela possível continuação do derramamento de sangue será inteiramente da consciência do regime que governa o território da Ucrânia”.
A partir de agora, qualquer hostilidade às repúblicas do Donbass, onde, segundo a própria ONU, mais de 12 mil pessoas foram assassinadas pelo regime ucraniano, seria considerada um ataque à Rússia.
Três dias depois do discurso, Putin fez um pronunciamento oficial anunciando a operação militar especial na Ucrânia:
“A Rússia não pode se sentir segura [com a ameaça ucraniana] e não temos outra escolha a usar os meios que estou prestes a anunciar. Eu declarei o início de uma operação militar especial”.
Objetivos da operação
Desde o primeiro discurso, Putin colocou abertamente os objetivos da operação: desmilitarizar e desnazificar a Ucrânia. Por si só, os objetivos já escancaram a diferença entre a operação russa e as guerras imperialistas contra países atrasados. Os motivos apresentados pelos Estados Unidos ao Afeganistão, por exemplo, eram abstratos, mentirosos e criminosos: combater o “terrorismo”, que seria, segundo o discurso de George Bush após os atentados de 11 de setembro, aqueles que “praticam uma forma radical de extremismo islâmico”. Na prática, como se viu, a guerra era contra qualquer um que não fosse um capacho dos Estados Unidos, no que inevitavelmente se transformou em uma guerra contra o povo afegão. Afinal, esse era o verdadeiro motivo: arruinar o país para enfraquecer a resistência do Oriente Médio à política devastadora do imperialismo.
Os motivos alegados por Putin são concretos e corretos. “Desmilitarizar” significa destruir o aparato militar da Ucrânia estabelecido publicamente pelo imperialismo. A Ucrânia conta com tropas treinadas e controladas pelo maior inimigo dos russos — o imperialismo norte-americano — e queria, com o ingresso na OTAN, receber um apoio logístico ainda maior. Liquidar o aparato militar da Ucrânia, neste sentido, é o mesmo que liquidar o aparato militar do imperialismo na fronteira com a Rússia. Se Putin não fizesse tal coisa, assistiria, de braços cruzados, a Ucrânia se fortalecendo a tal ponto que invadiria a Rússia.
A “desnazificação” segue o mesmo sentido. O regime ucraniano, profundamente hostil aos russos, é uma ditadura contra a sua própria população. É uma imposição do imperialismo aos ucranianos. Vale lembrar, inclusive, que o governo deposto pelo golpe de Estado em 2014 era aliado da Rússia.
Esse regime só se mantém de pé por causa as incontáveis milícias nazistas que operam na Ucrânia. É público e notório que a Ucrânia se tornou um laboratório do fascismo mundial, e isso não é à toa: o imperialismo estimulou que esses grupos tomassem conta do país pois era a única forma de impor, por meio do terror, um governo que fosse tão hostil à Rússia.
A “desnazificação” é uma necessidade para derrubar o governo e, portanto, retirar uma séria ameaça à Rússia.
O que a operação acabou revelando
Em seu primeiro mês, a operação russa apenas confirmou o que Putin dissera. Foram encontrados nada menos que 12 laboratórios de produção de armas biológicas, o que mostra claramente a intenção do governo ucraniano de atentar contra o governo russo. E que mostra também o caráter fascista do governo ucraniano, uma vez que esse tipo de arma é um crime contra a humanidade, e sua vinculação com o imperialismo, pois tal coisa só foi possível com apoio dos Estados Unidos, conforme confessado por uma subsecretária de Estado norte-americana.
O caráter fascista do regime ucraniano também foi escancarado na própria atuação do exército ucraniano e de suas milícias, que torturaram os soldados capturados russos, usaram a própria população civil de escudo humano e chegaram a disparar contra os próprios ucranianos para simular atentados falsos dos russos contra o povo.
Uma precisão impressionante
Diferentemente dos métodos imperialistas de guerra, que procuraram arrasar completamente o país, destruindo sua infraestrutura e matando seu povo de fome, a operação russa visa exclusivamente a destruição de postos militares. Isso tem sido feito com uma precisão impressionante por parte do exército russo, agindo de maneira muito meticulosa e calculada.
Foram, segundo o governo russo, mais de 400 mísseis lançados contra alvos militares ucranianos, resultando na liquidação de grande parte do aparato ucraniano. No dia 21 de março, o exército russo havia destruído, segundo o seu governo, 216 drones, 180 sistemas de mísseis antiaéreos, 1.506 tanques e outros veículos blindados, 152 lançadores de mísseis, 592 peças de artilharia e morteiros e1.284 veículos militares”.
Uma das guerras mais incruentas da história
A altíssima precisão vem sendo complementada com um cuidado enorme para poupar a vida dos civis ucranianos. Em algumas ocasiões, Putin chegou a listar os locais onde iria bombardear, para que a população evacuasse a cidade. As incursões contra os militares uranianos se dão de maneira objetiva, evitando o máximo os confrontos com civis. Várias cenas de ajuda humanitária do exército russo aos civis ucranianos também já foram registradas.
E não é para menos: a guerra não é contra o povo ucraniano. A guerra ´para reestabelecer o regime pró- Rússia que o próprio povo ucraniano havia escolhido e que foi derrubado por meio de um golpe de Estado. Neste sentido, a ação de Putin tem grande simpatia entre setores da população ucraniana. Recentemente, Putin fez um comício público que reuniu mais de 200 mil pessoas na Rússia. Na Ucrânia, Zelensky não fez nada parecido, o que por si comprova que não há nenhuma resistência de massas e organizada por parte dos ucranianos contra a operação militar russa.
Segundo a insuspeita ONU, inimiga da Rússia, teriam morrido 977 civis na Ucrânia ao longo de um mês. Para que se tenha uma ideia, no Iêmen, onde ocorre uma das mais bárbaras guerras da história, já morreram mais 250 mil pessoas em apenas sete anos, sendo mais da metade das mortes por causas indiretas da guerra, como a fome.
O levante anti-imperialista
Sem dúvida alguma, o evento que mais deu forças para que Putin decidisse enfrentar o imperialismo de maneira tão firme foi a expulsão das tropas norte-americanas doa Afeganistão. Lá, pessoas miseráveis, portando, no melhor dos casos, fuzis de assalto, colocaram para correr o exército mais poderoso do planeta. Os afegãos deram o recado para todo o mundo: “se eles podem, por que não podemos?”. Isto é, se criadores de cabra de chinelo, sem treinamento militar especializado, colocou os norte-americanos para correr, por que um país do porte do Brasil não poderia arrebentar suas correntes que o prendem ao imperialismo? Por que a China não poderia fazer o mesmo? E a Rússia? E a Venezuela? E o Irã? E a Nicarágua?
Como bem disse o presidente nacional do PCO, Rui Costa Pimenta, as derrotas recentes do imperialismo, em especial no Afeganistão, mostraram que “o xerife do mundo está na UTI”. É hora, portanto, de os oprimidos fazerem a festa.
Como de costume, quase todo mundo resolveu esperar para ver. No Brasil, à exceção do PCO, nenhuma organização saiu em defesa da ação militar russa. Afinal, a pressão do imperialismo era muito grande e havia muito ceticismo sobre a capacidade de Vladimir Putin vencer no conflito. Contudo, com o tempo, o apoio à Rússia só fez crescer.
O avanço sobre o território ucraniano é incontestável. Embora a operação seja um pouco lenta, justamente pelo cuidado com a vida dos civis, a capital da Ucrânia está praticamente cercada. Ao mesmo tempo, as sanções econômicas à Rússia não estão sendo capazes de sufocar o país. O próprio presidente ucraniano, por várias vezes, escancarou que a OTAN não estava enviando reforço suficiente para ajudá-lo. O imperialismo, mais uma vez, vai se mostrando extremamente débil.
E é por isso que a histeria do início do conflito, com muito barulho nas redes sociais contra a suposta “violência” de Putin, vem dando lugar a uma onda a favor da Rússia. Em uma das manifestações de apoio que houve na Itália, ativistas já apareciam com bandeiras da República de Donetsk, mostrando um apoio real à operação militar. Na votação da ONU, mais de 40 países se negaram a repudiar a ação da Rússia. Os BRICS, por sua vez, também se colocaram contra as sanções econômicas.
Essa tendência a um enfrentamento global dos oprimidos com o imperialismo acabou culminando no grande discurso de Putin no antigo estádio Lênin. Falando para mais de 200 mil pessoas, o presidente russo foi tachativo: 11% da população mundial (o imperialismo) quer mandar na vida de 89%. É uma declaração de guerra contra os donos do mundo.