Há dois dias, em sua primeira entrevista coletiva do ano, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva manteve na maior parte do tempo o tom combativo que marcou seus últimos pronunciamentos desde o final do ano passado.
Fica claro que, na medida em que vai assumindo sua condição de candidato, Lula vem adotando posições cada vez mais à esquerda.
Desde o final do ano passado, Lula já falou, entre outras coisas, em rever a famigerada reforma trabalhista aprovada após o golpe de Estado de 2016; condenou os ataques contra Cuba e o governo da Nicarágua por parte dos EUA e de todo o imperialismo e criticou duramente o governo Bolsonaro na sua política de deixar a população morrer na pandemia e pelos sucessivos aumento dos preços dos combustíveis, para satisfazer os especuladores internacionais, dentre outras coisas.
Contra a submissão ao imperialismo
Na entrevista desta semana, Lula, ao tratar da política de submissão do País ao mercado financeiro, assinalou: “Não posso querer ser presidente para resolver problemas do sistema financeiro, dos empresários, daqueles que ficaram mais ricos durante a pandemia”.
O ex-presidente se opôs também à política de capachos do imperialismo norte-americano dos governos golpistas destacando que “é preciso acabar com o poder dos Estados Unidos de não respeitar nenhuma decisão. A mesma ONU que construiu o Estado de Israel não tem coragem de construir o Estado Palestino.”
Ele voltou a defender, como fizeram recentemente dirigentes e ex-ministros dos governos petistas, uma nova política econômica para a indústria, destacando que “o Brasil precisa pensar em recuperar sua capacidade industrial. A indústria já representou 30% do PIB. Hoje representa de 10% a 11%. A indústria desapareceu porque quiseram que ela desaparecesse”.
Um Lula que a burguesia não quer….
É possível fazer inúmeras ressalvas e apontar a necessidade de ir além das formulações vagas e de curto alcance em quase todas as questões apontadas por Lula. Exemplo disso é a necessidade de revogação integral de todas as reformas contra os trabalhadores aprovadas pelo regime golpista. Além dessa medida imediata, é preciso lutar também pelo restabelecimento de todos os direitos conquistados pela classe trabalhadora com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e que foram gradualmente atacados ao longo de muitos anos.
Outra necessidade urgente, que vai além de generalidades como a “soberania” e a “independência”, é a nacionalização do petróleo e reestatização da Petrobrás para fazer valer os interesses do povo brasileiro contra os tubarões imperialistas, bem como o cancelamento de todas as privatizações fraudulentas (Vale, Energia etc.)
No entanto, seria totalmente indevido não qualificar a maioria das declarações do ex-presidente como progressistas. É preciso compreender o sentido dado a elas pelos importantes anseios do povo brasileiro, depois de quase seis anos de governos golpistas que devastaram a economia nacional e impuseram um regime de arbitrariedade política. São todas questões fundamentais. São todas “batidas nos cravos”.
As declarações de Lula evidenciam o enorme apoio popular que ele tem, principalmente entre os trabalhadores e demais setores explorados e, dentre esses, nos setores mais organizados e fundamentais da classe operária, capazes de levar adiante a luta que ponha fim ao governo Bolsonaro e a todo o regime golpista.
Essa sintonia explica também as enormes dificuldades que as várias alas da direita encontram para se unificar em torno de uma ou mais alternativas que possam enfrentar e derrotar Lula, como querem a burguesia golpista e o imperialismo.
Todos os partidos e candidatos da direita enfrentam crises e divisões no interior de suas hostes, expressando o agravamento da crise econômica e política, e da divisão da burguesia diante dela.
Enquanto Bolsonaro, Ciro Gomes e Moro, procuram – sem sucesso – debelar crise internas, os dois maiores partidos da burguesia golpista, desde a década de 90, o PSDB e MDB, debatem uma possível aliança e a retirada da candidatura da senadora Simone Tebet (MDB) para apoiar o governador João Doria, que obteve o apoio de menos de 2% dos filiados do seu partido para se tornar candidato. Juntas, as duas pré-candidaturas tucana e emedebista não somam 3% das intenções de voto nas pesquisas divulgadas pela própria burguesia.
A classe dominante tem dificuldades – que com certeza vai procurar resolver nos próximos meses – de se unificar em torno de um candidato. Tentarão fazê-lo, mesmo que não tenham um preferido. Querem apenas ter chances reais de enfrentar Lula e, para isso, farão até mesmo como fizeram em 2018, colocando-se ao lado de Bolsonaro.
… e um vice que a burguesia quer
Nesse sentido, é importante para a burguesia atacar a candidatura de Lula “por dentro”. O caminho para isso, por enquanto, é a defesa ardorosa da candidatura de Geraldo Alckmin como vice na chapa com Lula feita por setores da direita e sua imprensa. Como sempre, não deixam de surgir setores da esquerda, os mesmo que defenderam a política fracassada da frente ampla com a direita golpista, que apoiam essa política reacionária.
Refletindo essa pressão, Lula contemporizar, dizendo: “eu não terei nenhum problema se tiver que fazer uma chapa com o Alckmin pra ganhar as eleições”, ao mesmo tempo em que afirmou que espera que “Alckmin esteja junto, sendo vice ou não sendo vice“, em meio a uma intensa pressão de setores da esquerda pequeno-burguesa como Benedito Mariano, ex-secretário do governo Haddad em São Paulo e coordenador de Segurança Pública do IREE (instituto que emprega Boulos e é dirigido por apoiadores do psolista) que escreveu no ultrarreacionário jornal O Estado de S. Paulo, em defesa da chapa “Lula e Alckmin”, com o desgastado argumento de se unir com o ultraliberal e repressor tucano serviria à causa da suposta luta “contra o obscurantismo e o fascismo”.
Setores do PT reagem
Contra as investidas da direita, para tentar controlar a candidatura de Lula e impor um vice direitista e golpista, cresce a resistência no interior da esquerda, destacadamente, dentro do próprio Partido dos Trabalhadores.
Três ex-presidentes do PT, Rui Falcão, José Genoíno e José Dirceu, expressam a resistência não apenas pessoal, mas de amplas parcelas do partido contra a possibilidade de indicação do ex-presidente nacional do PSDB, como vice de Lula. A ex-presidenta Dilma Rousseff, chamou a tomar cuidado com o que seria o novo Temer de Lula.
Circulam nas redes sociais manifestos contrários à indicação que já contam com mais de 2 mil assinaturas, mesmo sem um ampla campanha. Alguns dirigentes do PT, passaram a defender que o assunto seja discutido em um encontro nacional extraordinário do partido.
Na mesma linha, dirigentes da CUT, como a presidente do maior Sindicato do País, a APEOESP, deputada Maria Isabel Noronha (“Bebel”), publicou nota dirigida aos professores expondo sua oposição à essa política de colocar na chapa de Lula um notório inimigo dos trabalhadores da Educação, repressão das lutas dos trabalhadores e dos estudantes e defensor e praticante da política neoliberal de cortes nos gastos públicos, privatizações etc. etc.
Essa oposição se expressa na base de todas as organizações populares, da cidade e do campo, em contraste com a política das direções conservadores que endossam a presença de um vice que representaria o que a burguesia golpista quer e não aquilo elo que lutam os trabalhadores e suas organizações.