─ Sputnik News ─ Entre essas, como sabemos, há muitos brasileiros. Contudo, ao contrário do que se pode imaginar em um primeiro momento, as restrições também têm afetado muitas pessoas em outros países, inclusive no Brasil.
Cidadãos russos, brasileiros ou outros também têm sofrido, em território nacional, com os estigmas devido a ligações diretas ou indiretas com a Rússia, com as dificuldades para realizar transações, com as preocupações comerciais, além de outras.
Em conversa com a Sputnik Brasil, as pessoas que têm laços estabelecidos com a Rússia narraram como tem sido suas rotinas e suas vidas após o desencadeamento da operação militar especial na Ucrânia.
Casado com uma russa e distante de sua família que, atualmente, reside e trabalha no país, o advogado Wagner Botelho conta que enfrenta alguns percalços para fazer transações financeiras internacionais.
“Por comodidade, eu fazia transferência para a Rússia por meio do aplicativo de um banco brasileiro. Desde que se iniciaram essas sanções com o swift [sistema que permite transações financeiras internacionais entre bancos], todas essas operações com as instituições financeiras brasileiras têm sido canceladas. Então a dificuldade que eu tenho tido é imensa porque minha mulher não pode retirar dinheiro por cartão de crédito, porque não funciona lá o cartão de crédito com as bandeiras brasileiras. É muito difícil. Estamos contando com a solidariedade de russos que moram no Brasil, por exemplo, que precisam de reais. Eu deposito dinheiro na conta deles e eles depositam em rublos na minha conta lá na Rússia. Existem também alguns mecanismos que eu estou tendo conhecimento agora de empresas chinesas que estão trabalhando com cartões que você consegue transferir o dinheiro para a Rússia”, detalhou Botelho.
Mas essa não é a única dificuldade pela qual ele passa. Sua mulher e seus dois filhos de 15 e seis anos não têm planos de se estabelecer no Brasil porque o mais velho segue estudando normalmente na Rússia e deve encerrar o ano letivo em agosto.
“Além disso, há uma onda de russofobia assustadora hoje no Brasil. Antes da operação, antes desta questão da Ucrânia, normalmente já existia uma russofobia. Em um colégio daqui [me disseram]: ‘ah, você é russo, então você é comunista, você é isso, você é aquilo’. Existia sempre um certo grau de desrespeito por parte das crianças e até de algumas famílias. Isso piorou absurdamente nos últimos meses. A russofobia está insuportável em todos os meios. Há, por exemplo, a mídia brasileira. Ela é uma mera repetidora da mídia estrangeira no que diz respeito à cobertura internacional. Então você tem canais estrangeiros que estão a serviço de seus países e que bombardeiam os brasileiros com russofobia por 24h”, lamenta ele.
Xenofobia em redes sociais
Professora de russo que vive no Brasil há oito anos, Valéria Fomina diz que nunca foi hostilizada pessoalmente por ser russa, mas que as ofensas se agravaram nas redes sociais após o começo do conflito.
“Dá para ver que eu sou diferente, mas muita gente acha que eu sou do Sul do Brasil. As pessoas acham que eu sou alemã. Enfim, muita pouca gente de fato consegue adivinhar na hora, olhando para mim, que sou russa. Mas, como tenho redes sociais com bastante seguidores, sempre participo ativamente e expresso minha opinião. Sempre falei sobre a Rússia e sobre cultura russa. E aí, obviamente, comecei a receber mensagens desagradáveis. Tem gente que ataca. Não só fala sobre a Rússia, ‘a Rússia é isso, a Rússia é aquilo, a Rússia é assassina, a Rússia é um país que está matando gente’. Mas, também, houve pessoas que vieram falar pessoalmente para mim: ‘você é russa, não queremos você aqui, volte para a Rússia’. Eu não gostaria que tudo isso estivesse acontecendo. Fico muito triste porque recebo essas mensagens todos os dias, praticamente.
Até hoje”, desabafa.Ela, que tem família estabelecida na Rússia, classifica a situação de conflito como complicada e lembra que possui vários amigos que moram na Ucrânia ou são da Ucrânia, cujas famílias também moram lá.
“O povo russo e o povo ucraniano são dois povos muito próximos. Temos muito em comum. Então está sendo muito complicado ver um conflito entre dois povos irmãos, por assim dizer. Uma das piores partes de tudo isso é que a gente não sabe onde tudo isso vai terminar, a gente não sabe se vai acabar já ou se vai demorar muitos meses. É triste ver que a situação chegou a esse ponto de precisar bombardear, de precisar usar armas. Eu, sinceramente, esperava que iria ser resolvido de alguma maneira até o último momento”, sintetiza.
A professora narra que não está passando por dificuldades em transações financeiras internacionais, mas que, caso quisesse transferir rublos para sua conta no Brasil, não conseguiria.
Ela acrescenta que tem acesso à sua conta russa pela internet e, em caso de emergências, conseguiria fazer um depósito para sua família que está dentro do país.Fomina sabe, contudo, que sua situação é uma exceção.
“Conheço pessoas no Brasil e no Rio de Janeiro que estudam aqui e recebem dinheiro dos pais lá da Rússia. Ou que, por exemplo, têm um apartamento lá na Rússia que alugam e recebem dinheiro por transferência para viver e ter uma renda aqui no Brasil. Agora, essas pessoas estão sofrendo bastante porque não conseguem mais fazer isso facilmente. Inclusive, tenho algumas amigas russas que trabalhavam para o público russo, tinham blogs e páginas nas redes sociais falando sobre algum tema e tendo público russo. Desde o começo do conflito, é quase impossível trabalhar para elas porque as redes sociais foram bloqueadas na Rússia. Outro ponto é que, mesmo se você ainda tem clientes na Rússia, essas pessoas não podem mais transferir dinheiro para a sua conta brasileira, americana, seja qual for. A situação é bem complicada”, pondera.