Engana-se quem pensa que Pelé fez a diferença somente dentro das quatro linhas do campo de futebol. No mundo do esporte, ele foi o autor de feitos inacreditáveis, mas aquele que conquistou o direito de ser chamado de rei não conhece limites e foi além.
No ano de 1962, o Brasil chegou ao segundo título mundial, de forma consecutiva, com uma vitória por 3 a 1, de virada, na decisão contra a Tchecoslováquia. Garrincha foi o principal nome dessa Copa, diante da lesão de Pelé que ocorreu no segundo jogo da competição. Nesse mesmo ano, além do futebol, houve outra conquista para o população brasileira, que foi a garantia do direito ao 13º salário, lei que foi sancionada pelo presidente João Goulart no dia 13 de julho de 1962.
O historiador Murilo Leal Pereira Neto afirma o seguinte: “O 13º salário é um desses casos de reivindicação surgida no chão da fábrica, legitimada nas relações costumeiras entre patrões e empregados em algumas firmas, transformada em lei às custas de greves, demissões, abaixo assinados, prisões e cuja memória é depois ofuscada pelo brilho da lei que supõe-se, como toda lei, deve ter sido iniciativa de algum presidente, deputado ou senador”.
A história de como esse direito foi garantido passa pelo histórico da alta inflação na época, assim como do embate entre esquerda e direita. No entanto, foi 18 dias depois da conquista do Mundial de 1962 que os trabalhadores iniciaram a greve geral que levaria à conquista do benefício, mesmo diante dos protestos do mercado financeiro e de empresários daquele período.
Os primeiros registros de greves no Brasil e as reivindicações pelo abono de Natal, que também deu origem à luta pelo 13º salário, começaram no ano de 1921 em duas empresas do setor têxtil em São Paulo: a indústria Mariângela e a Cia. Paulista de Aniagem. A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) só seria aprovada em 1943 no Brasil, mas sem o direito ao 13º. No entanto, neste mesmo ano, o abono de Natal foi garantido pelos funcionários da fabricante de pneus Pirelli, o que influenciou uma greve geral, um ano depois, em Santo André, pela ampliação desse direito.
No começo da década de 60, o país se encontrava numa crise econômica e com a inflação elevada. Em meio a isso, a consciência da classe operária, que já vinha tomando forma em anos anteriores, foi fazendo com que os trabalhadores observassem o cenário sob novas perspectivas. Em entrevista à BBC News Brasil, a professora da PUC-Rio Larissa Rosa Corrêa disse: “Ao mesmo tempo, a indústria nacional passava por um processo de expansão. Então, de um lado os trabalhadores estavam perdendo poder de compra, lutando pela melhoria do custo de vida e, do outro, observavam o lucro das empresas. Embora, no discurso patronal, os empregadores reclamassem sistematicamente da dificuldade de sobrevivência do empresariado brasileiro, sempre argumentando incapacidade financeira”.
Com isso, no dia 13 de dezembro de 1961, os trabalhadores, impulsionados pelos sindicatos dos metalúrgicos e têxteis de São Paulo, intensificaram as greves pelo direito ao abono de Natal, que foram reprimidas pela polícia, levando 1.300 pessoas para a prisão e deixando mais 50 sindicalistas detidos. Além disso, houve um cerco ao Sindicato dos Metalúrgicos.
Alfredo Nasser, ministro da justiça na época, considerou a greve ilegal. A Câmara do Deputados aprovou o projeto pelo abono de Natal na primeira votação, mas entrou em recesso logo depois, levando a decisão para o segundo turno, que aconteceu em abril de 1962. A proposta foi aprovada tanto na Câmara como no Senado, mas faltava a sanção do presidente, o que levou à greve geral de 5 de julho de 1962.
Com a renúncia do primeiro-ministro Tancredo Neves, Goulart indicou San Tiago Dantas, que era ligado à esquerda e ao movimento sindical, para o cargo. Porém, sua indicação foi vetada e, em resposta a isso, os trabalhadores chamaram a greve de 5 de julho, poucos dias após o segundo título mundial da seleção brasileira.
Sobre isso, no artigo O 13º veio de uma greve geral, o doutor em sociologia pela UFMG e pesquisador do Núcleo de Pesquisas da Escola Judicial do TRT-3ª Região Rubens Goyatá Campante fala: “A greve, deflagrada 18 dias após o Brasil conquistar o bicampeonato mundial de futebol — o que desmente análises rasteiras que vinculam os sucessos no futebol a uma ‘apatia sócio-política’ da população —, afetou sobretudo empresas estatais ou sob controle do governo, embora o setor privado não tenha passado incólume”. Nesse trecho, o pesquisador destaca o papel social do futebol e confirma que o título da Copa influenciou a mobilização do povo, que sairia vitoriosa com a aprovação da Lei que garantia o 13º salário no dia 13 de julho de 1962 pelo presidente João Goulart.
Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), 85,5 milhões de pessoas são beneficiadas com esse direito atualmente.