A vitória de Gabriel Boric no Chile, a julgar pela campanha e pelo perfil do candidato eleito, me parece ser um experimento no sentido de testar a viabilidade da política do Grande Reset tal como definida pelo Fórum Econômico Mundial, centrada em renda mínima, ‘decrescimento’, descarbonização, transhumanismo, sanitarismo, multiculturalismo etc.
O Chile é o país perfeito para isso pois é um país claramente hegemonizado por valores de classe média cosmopolita e que já de muito tempo aceitou um modelo de subdesenvolvimento gourmet, sem maiores expectativas políticas do que um redistributivismo economicamente possível num país primário-exportador, cuja população urbana é basicamente empregada em serviços de baixa complexidade mas com forte integração às modas internacionais (p. ex: sorveteria temática de série de Netflix). Diferentemente de outros países latino-americanos, cuja realidade social e política destoa dos padrões do “novo normal” e o inviabiliza na prática – ver, por exemplo, o fracasso do governo Alberto Fernández em implementá-lo na Argentina, despertando oposição até dentro do próprio partido – o Chile é um país que já está preparado para essa nova fase do capitalismo internacional.
Não seria a primeira vez que isso ocorre. O Chile é um país que, por várias razões de ordem cultural, demográfica e geográfica, há muito tempo se presta a ser laboratório de tendências internacionais iniciais. A “via chilena para o socialismo” do Allende foi uma experiência soviética para testar a viabilidade de um caminho não-leninista para o socialismo de estilo soviético fora do leste europeu, num momento em que a possibilidade de revoluções clássicas no Terceiro Mundo estava bastante reduzida. O pinochetismo, por sua vez, nascido da reação dos EUA e do Brasil à penetração soviética no Cone Sul e possibilitado pelo fiasco interno allendista, foi uma experiência dos EUA e dos militares brasileiros para testar as possíveis consequências de um liberalismo radical, num momento em que grande parte dos dirigentes norte-americanos e brasileiros ainda estavam profundamente arraigados pelo keynesianismo e pelo desenvolvimentismo do pós-guerra. Mais recentemente, a política de “concertação” pós-pinochetista foi um experimento dos grandes grupos financeiros que passaram a mandar no país com o Pinochet para a chamada Terceira Via, que buscava dar uma humanizada e um laivo assistencial ao neoliberalismo num momento (início dos anos 90) em que o thatcherismo puro e duro havia caído em desprestígio.
Em todos esses casos, o Chile foi usado como “modelo” de alcance internacional. Não seria surpreendente se, daqui a uns meses e anos, formos bombardeados a respeito do “sucesso chileno” com o “novo progressismo”, que inspiraria agendas e plataformas de candidaturas tanto à esquerda quanto à direita em todo o mundo.
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