Cognitariado? Gerontofascismo?

Charles Chaplin se revira no túmulo

Como um acadêmico da esquerda pequeno-burguesa enxerga o capitalismo

Uma entrevista traduzida pelo portal Outras Palavras expressa bem a falta total de entendimento do sistema capitalista por parte da intelectualidade acadêmica de esquerda. Franco Berardi, um filósofo e ativista italiano desde a década de 1970, procura entender o que é o neoliberalismo e o fascismo nos dias de hoje. E falha miseravelmente.

Segundo seu pensamento, tudo mudou no ano de 1977. Ora, por que nesse ano específico? Porque, destaca o entrevistado, foi quando morreu Charles Chaplin (!).

Sua morte é o desaparecimento da cortesia, da gentileza, do sentimento ingênuo da modernidade. O homem que viveu a industrialização com um sorriso desaparece. Com ele, metaforicamente, perece o aspecto humano do capitalismo”, diz. Sua morte representou uma “virada na história cultural do Ocidente”.

Até ali, o capitalismo era humano. O operário era feliz. O mundo era bom. “Tempos Modernos”, de Chaplin, como todos que assistiram perceberam, retratava um operário muito bem tratado pelo patrão, com um excelente salário, com um ritmo de trabalho tranquilo, com um estilo de vida saudável, com um patrão cortês, gentil e ingênuo, não?

Mas depois de 1977 algo ocorreu que destruiu esse mundo de sonhos e prazeres para todos. Como num passe de mágica, surgiu o neoliberalismo. Tudo mudou. Surgiu, inclusive, nas ideias alucinadas de Berardi, uma nova classe social, emergida da classe trabalhadora ─ o cognitariado. O trabalhador cognitivo.

“Ele tem problemas materiais, está envolvido com as condições de produção do seu trabalho. Ele é um sujeito técnico, precário, um tipo de trabalhador que não precisa mais da fábrica. Ele é flexível, pode trabalhar 24 horas por dia, sete dias por semana. Não estabelece uma relação territorial, o que abre ao capital a possibilidade de se libertar da lei, do caráter contratual que caracterizou a forma industrial”, afirma o descobridor.

Berardi pode pensar que é muito inteligente, como pensam todos os intelectuais pequeno-burgueses, porque acredita ter feito uma grande descoberta, inédita, que ninguém jamais teria imaginado. Talvez isso se deva precisamente ao seu completo desconhecimento da história ─ aparentemente, apesar de ter nascido em 1949 e de ter militado desde jovem, antes de 1977, por algum motivo era alheio ao mundo real já naquela época.

Quem ele chama de cognitariado nada mais é do que o trabalhador comum com seus direitos quase totalmente destruídos pelos capitalistas. Não é uma nova classe social. Sempre existiu. Ou alguém acredita que antes o capitalista não burlava a lei ─ isso quando havia alguma lei que protegia o trabalhador ─? No século XIX, o operário trabalhava 8 horas por dia e descansava aos finais de semana, aparentemente. São muitas as inovações apresentadas por Berardi.

Uma outra é o gerontofascismo. Assim como antes do neoliberalismo o trabalhador vivia como um rei, depois do neoliberalismo o fascismo deixou de ter as características que ele tinha nos anos 20 e 30.

“O fascismo do século XX nasceu em uma condição de expansão imperialista e econômica. Era um fascismo dos jovens, de uma pequena burguesia vital, agressiva, exuberante. O fascismo de hoje eu defino como gerontofascismo, porque a possibilidade de expansão acabou, o sentimento principal é de exaustão, de depressão senil. Aqueles que votam pela direita também são jovens, mas poucos; a maioria está na casa dos quarenta, cinquenta ou mais. O fascismo do século XX propôs a colonização da África, agora são os africanos que vêm para a Europa e não o contrário. Não se trata de euforia colonialista, trata-se de medo de invasão” ─ eis seu raciocínio.

Devemos dar um desconto ao nosso grande intelectual. Afinal, ele não entende nada de história. Claro que não vai entender nada de fascismo, nem de imperialismo. E claro, portanto, que não enxerga o mundo de um ponto de vista materialista. O fascismo é um fenômeno da luta de classes. É uma reação da burguesia à crise do capitalismo em sua fase imperialista. Ainda estamos nessa fase imperialista e a “expansão” que fala Berardi continua. Porque não era uma expansão progressista, como foi a do capitalismo industrial, mas sim uma expansão decadente e ela persiste. E persiste porque o capitalismo financeiro precisa se expandir, mas entra em desespero, em choque com outros setores capitalistas e imperialistas, como ocorreu há 100 anos. Continua sendo o mesmo fascismo, da mesma burguesia, que mobiliza a mesma pequena burguesia. Antes mobilizava jovens e hoje continua mobilizando jovens. Isso é muito evidente em todo o mundo. Jovens da burguesia e da pequena burguesia, principalmente. É uma expressão da luta de classes, não da luta de gerações. O fascismo é uma arma da burguesia e se 100 anos atrás ele invadiu a África foi porque a burguesia estava unida nesse objetivo e necessitava fazê-lo. Hoje, o imperialismo não precisa impor uma invasão exatamente igual àquela porque já coloniza a África, dominando seus regimes e sua economia ─ quantas ditaduras não foram impostas pela burguesia internacional? Por isso mesmo ─ e pelas guerras fomentadas pela burguesia imperialista ─ é que tantos imigrantes fogem da África e “invadem” a Europa. Isto é, pela ação em grande medida fascista da burguesia imperialista.

Berardi não entende que o regime é o mesmo e que as formas essenciais da luta de classes continuam as mesmas. Os capitalistas são mais inovadores do que as teorias do filósofo italiano, e eles sabem que trata-se de uma continuidade em sua dominação, com base na experiência dos últimos cem anos, de fascismo, de imperialismo e de neoliberalismo. O que vemos hoje é resultado natural da decomposição do sistema capitalista e se não for compreendido corretamente a luta por sua superação terá entraves desnecessários e perigosos.

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