Pensar o bandeirantismo é pensar a sua natureza geopolítica, entendendo a geopolítica como a aplicação do poder, uma relação social, aos espaços geográficos, de modo a historicizá-los. O bandeirantismo, enquanto processo formador da territorialidade e da sociedade brasileiras, constitui uma geopolítica brasileira, que não é temporalmente circunscrita ao famoso “Ciclo das bandeiras” nos séculos XVI, XVII e XVIII, pois significa um processo contínuo de continentalização da brasilidade e de expansão das suas fronteiras demográficas, econômicas, culturais e, em certas ocasiões, também políticas. O bandeirantismo é a forma especificamente brasileira da integração nacional, do Brasil se voltando para dentro de si próprio.
Os bandeirantes atuaram, desde o início, como uma força descolonizadora, disruptiva do controle litorâneo, primário-exportador e não-povoador do colonialismo. Ao virarem as costas para os comandos metropolitanos exercidos através das cidades litorâneas e adentrarem o continente contra os desígnios peninsulares, os bandeirantes “clássicos”, por assim dizer, em sua maioria mamelucos e indígenas que falavam a língua geral derivada do Tupi e não o português, estenderam a fronteira brasileira ao oeste e ao norte, povoaram e abrasileiraram o continente com base no minifúndio policultor, instituíram circuitos comerciais e demográficos interioranos alheios às imposições coloniais atlânticas, multiplicando e espalhando os mestiços, sendo os atuais sertanejos do interior nordestino, do centro oeste e de SP descendentes diretos dos bandeirantes, estabeleceram instituições políticas representativas autônomas no interior, como em Cuiabá, e defenderam o Brasil contra os invasores holandeses e ingleses.
O bandeirantismo é, assim, a prática de uma verdadeira desobediência anticolonial que, virando o Brasil para dentro de si, afirmava a existência do povo brasileiro como um povo novo em termos étnicos, culturais, geográficos e materiais, distinto da metrópole lusitana. Com os bandeirantes, o Brasil, esse novo mundo nos trópicos, descobriu-se capaz de fazer a História por conta própria, construindo de forma autônoma sua territorialidade e seus sistemas de vida.
O bandeirantismo é, portanto, o Brasil em movimento para dentro do continente e de si próprio. É a própria lógica da soberania e da autonomia nacionais do Brasil para os brasileiros. A geopolítica continental bandeirante é a chave para a construção nacional do Brasil e para o desenvolvimento econômico e social brasileiro, no sentido do aproveitamento, por brasileiros e para brasileiros, da imensidão geográfica e da amplitude e variedade dos recursos naturais nela presentes.
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