Há pouco mais de uma semana, foi celebrado o “dia do índio brasileiro”. Na ocasião, aproveitando a oportunidade de palanque, diversas figuras da esquerda pequeno-burguesa brasileira entraram na onda da comemoração, produzindo textos, vídeos e discursos acerca da situação do índio no Brasil.
Agora, está mais do que comprovado que as palavras desses setores são completamente vazias. Não passam de expressões demagógicas que buscam ganhos pessoais, na maioria das vezes atrelado às eleições.
Uma menina indígena de 12 anos da tribo Yanomami foi, nesta segunda-feira (25), sequestrada, estuprada e assassinada em Roraima. A denúncia foi feita pelo presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana (Condisi-YY), Júnior Hekurari Yanomami, em suas redes sociais. Segundo ele, outra criança de apenas 3 anos também foi levada pelos garimpeiros invasores para um barco, onde foi violentada e morta ao cair no rio, sem receber socorro algum.
Como de costume, as autoridades nada fizeram além de emitir uma nota dizendo que investigações serão feitas. Mas o que vale uma nota burocrática diante dessa brutalidade doentia? O que as políticas públicas, as instituições responsáveis, ONGs e campanhas demagógicas fazem além de propaganda enganosa? É, antes de tudo, um episódio que se torna cada vez mais corriqueiro no Brasil.
Ao que parece, os emissores destes lamentos vazios parecem ter parado no tempo de José de Alencar, e conservam em seus imaginários a imagem da “virgem dos lábios de mel”. Não apenas como uma imagem literária, muito tendenciosamente romantizada das mulheres indígenas brasileiras, mas também como fonte de desejos sexuais doentios e violentos por parte dos ignorantes e animalizados garimpeiros. E o pior: é um estereótipo que, mesmo que digam o contrário, encontra sua principal base nos meios da esquerda pequeno-burguesa.
Estes jagunços, evidentemente, têm patrões gananciosos que, assim como as autoridades e políticas públicas brasileiras para os indígenas, fazem vista grossa aos fatos e denúncias que estão levando esses povos a uma situação tão miserável e impotente quanto a de pessoas presas em campos de concentração. Simplesmente, são considerados menos humanos que os “humanos” donos da máquina capitalista de gerar lucros baseados em mortes, uma concepção sustentada por instrumentos legais e institucionais.
A constituição de 1988 prevê que se concedam licenças para o garimpo de ouro e outros minerais na terra dos indígenas. Desde então, o vai e vem burocrático e ineficiente, assim como a falta de fiscalização proposital, atuam como grandes aliados da exploração desenfreada das terras indígenas.
Em 2012, já se contabilizavam, segundo o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), mais de 650 processos pedidos desde a década de 70 até o ano de 2012 apenas na TI Yanomami, em áreas dos Estados de Amazonas e Roraima, para explorar diferentes substâncias, não apenas ouro. Segundo o MP/RR, em 2012, havia 1.200 pedidos de lavras para a exploração de minérios apenas no estado de Roraima. Dez anos depois, a barbaridade continua forte e soberana na sua sede de ouro e morte.
No final, é preciso perguntar: que democracia é esta em que brasileiros são praticamente condenados à morte por falta das mínimas garantias à sua sobrevivência, sua saúde, suas famílias e tradições? Na atual administração federal golpista, o ritmo da matança está mais potente do que nunca, seja em Roraima, no Amazonas, na Bahia ou no Centro-Oeste.
Um fator que é comum à situação de abandono dessas populações: a água. Mesmo às margens do rio Amazonas, a água já não é potável e nem adequada para quaisquer faixas da cadeia alimentar, pois está contaminada por mercúrio, agrotóxicos e outras substâncias que as mineradoras, os madeireiros e os pecuaristas despejam nos rios e nascentes, matando tudo que é vivo. No Mato Grosso do Sul, por exemplo, além dos agrotóxicos em abundância, a falta de condições mínimas para se obter água, saneamento básico e luz é uma constante nas retomadas e aldeias.
As mulheres indígenas sofrem constantes ameaças às suas vidas por serem privadas de direitos básicos como os citados acima. Desta forma, ficam à mercê da violência e da morte. Assim como ocorreu com a criança violentada e assassinada, o descaso do Estado com a população indígena feminina as condena a uma situação verdadeiramente sub-humana.
Pedir justiça com cartazes e protocolos junto ao judiciário não são ações políticas capazes de diminuir o grande abismo que separa a realidade das indígenas brasileiras, sejam crianças ou adultas, da realidade material e cultural do século XXI. As indígenas que sobrevivem no Brasil de hoje são tão cidadãs como as atrizes globais e rainhas da bateria de escolas de samba. Mas isso é só no papel, na constituição que os mineradores e seus lobbies não respeitam e, com isso, ajudam a assassinar muitas crianças e jovens indígenas de nosso País, até que deixem de existir.
A única resposta à altura do gigante que é a luta no campo é a organização dos indígenas em comitês de autodefesa. A única resposta ao regime genocida da burguesia é por meio do armamento destas populações, centralizados justamente por suas próprias organizações.