Toda arte tem seus mestres. A cultura popular brasileira tradicionalmente respeita aqueles que vieram antes e deixaram uma obra para as gerações posteriores.
Na capoeira, o mestre é aquele lutador experiente, que já passou por todos os degraus de evolução na luta e que todos respeitam. Ele tem autoridade por aquilo que ele fez na capoeira, não uma autoridade qualquer, mas uma autoridade real, prática. São mestres também aqueles cuja história se confunde com a própria criação da capoeira e que realizaram obras importantes para o desenvolvimento e reconhecimento dessa arte 100% brasileira. Mestre Bimba e Mestre Pastinha, por exemplo.
No samba, os bambas do passado também são os mestres. Se um bamba da velha guarda chega na roda de samba, ele é respeitado e tem preferência sobre os demais. O sambista sabe que os mestres são os guardiões das tradições do samba e da cultura popular.
Claro que outras culturas também têm seus mestres, mas a cultura tradicional brasileira tem uma relação bastante peculiar com aqueles que vieram antes, uma relação que chega a ser espiritual. É como se os mestres fossem dotados de um espírito que guia as novas gerações, que transmite o conhecimento que adquiriram, por sua vez, por outros mestres. Nesse sentido, espiritual tem dois significados que se relacionam, embora parecem contraditórios: o místico e o material.
Explico: o significado místico dessa importância dos mestres é baseado em algo concreto. Sua sabedoria não é nenhuma luz divina, mas algo extraído do mundo real, do conhecimento de fato que esses mestres adquiriram para transmitirem aos outros.
Dei toda essa volta para dizer que no futebol a coisa funciona exatamente assim. Vejo muitos esquerdistas de classe média, preconceituosos, repetindo o velho senso comum de que o futebol é “alienação”. Já explicamos o absurdo dessa ideia, já explicamos que o futebol é uma arte e faz parte da cultura popular e por isso mesmo não pode ser alienação. Muitos desses pequeno-burgueses, com essa ideia sobre o futebol, não têm a mesma ideia do samba. Alguns chegam a venerar o samba, ainda que a maioria não tenha nenhuma relação real com o mundo do samba. Daí, segundo essa lógica, o samba é progressista e o futebol é alienação.
Como arte criada pelo povo brasileiro, o futebol é um dos pilares da cultura popular brasileira, junto com a capoeira, o samba e a música sertaneja do interior. Elas são brasileiras não apenas porque foram criadas na Brasil mas porque são a expressão de nossa formação como povo, uma mistura de raças. São as artes desse povo mestiço, rico e criativo que é o brasileiro. Renegar o futebol é rejeitar a própria cultura do povo.
Voltemos aos mestres. No futebol, os mestres também são reconhecidos como os portadores do conhecimento. Um jogador de futebol, que muita gente considera alienado, tem um respeito muito grande pelos mestres. Encontrar um jogador da velha guarda é motivo de emoção. Assistir a um lance antigo do futebol nos enche os olhos d’água.
Os mestres do futebol, assim como os mestres do samba e da capoeira, também trazem consigo esse espírito capaz de guiar as novas gerações.
E aqui, quero falar de Pelé, o Rei Pelé, o Rei negro brasileiro do século XX. Pelé é um mestre de nossa cultura e sua obra para essa arte popular chamada futebol é a coisa mais grandiosa que a humanidade já assistiu feita por um atleta.
A foto de todos os jovens jogadores brasileiros segurando a faixa em homenagem a Pelé no final do jogo contra a Coreia do Sul é o respeito e a admiração desses jovens pelo seu mestre maior.
Pelé, como grande mestre do futebol, também se inspirou nos seus mestres, Leônidas da Silva era um deles. Seu pai, seu Dondinho, que também era jogador, também foi um mestre para Pelé.
Os mestres devem ser reverenciados, eles abriram o caminho, eles têm a sabedoria adquirida para transmitir aos outros.