O professor Wagner Miquéias F. Damasceno escreveu na coluna Tendências e Debates, na golpista Folha de S. Paulo, artigo chamado “Joaquim Nabuco, Gilberto Freyre e o mito da democracia racial”. Na coluna, o autor apresenta a tese de sua livro “Racismo, Escravidão e Capitalismo no Brasil: Uma Abordagem Marxista”.
Segundo ele, no livro mostra que “Freyre foi decisivo para a ‘mitificação’ de Nabuco”. No centro do debate, está o problema da chamada democracia racial no Brasil.
Segundo o autor, Freyre seria um racista entre outras coisas porque “diferentemente dos ideólogos do século 19 que defendiam ideologias abertamente racistas, Freyre argumentou que a sociedade brasileira fundara-se a partir da contribuição do branco, do negro e do indígena. Porém, sempre deixou claro que coube ao branco português o protagonismo e a autoria dessa sociedade racialmente democrática.”
Vejam que, para o autor, Freyre era racista mesmo tendo se colocado em oposição ao que ele chama de ideologias abertamente racistas do século XIX. Aqui, estamos diante de um julgamento anacrônico. Pouco importa a posição de Freyre na época, importam são as considerações morais que o autor, quase um século depois, tem a respeito das ideias do escritor pernambucano.
Segundo o próprio título do livro do autor, sua pretensão é fazer uma “abordagem marxista”. Devemos dizer que a ideia apresentada no artigo passa muito longe de qualquer coisa que se possa chamar marxismo.
O marxismo não é um método moral de interpretação da história. O autor do artigo tenta analisar a história com as réguas morais de hoje, mais especificamente, com a moral que ele tem hoje sobre o problema em questão. Assim, o autor chama Freyre de racista e nem fica com vergonha.
Mas até mesmo os fatos apresentados são errados. A obra de Freyre tem erros importantes ao analisar o País, talvez o principal dele seja sua ferramento culturalista de análise que, portanto, perde de vista os fundamentos materiais da história do Brasil. Mas se há um mérito na obra de Freyre é justamente aquilo que o autor afirma como racista. Ao contrariar as teses racistas da época, Freyre mostrou que o brasileiro não era um povo inferior. Pelo contrário, a formação da sociedade brasileira tinha virtudes não encontradas em outras nações. Essa é uma discussão concreta. Se há equívocos na teoria de Freyre – e há muitos – seu esforço político para compreender o Brasil deve ser reconhecido. Mas para o moralista atual, isso é “racismo”.
A tese da democracia racial que não foi desenvolvida por Freyre não é correta. Mas não da maneira como o autor do artigo acusa. As relações sociais do negro no Brasil são diferentes das dos EUA, por exemplo. Transpor uma análise do problema do negro norte-americano, onde a segregação é aberta e explícita, para o Brasil é um erro crasso, é anticientífico.
A acusação de racismo porque Freyre considerava a contribuição dos portugueses como predominente é anti-marxista. Marx explicou que a cultura da classe dominante é a cultura dominante. Ou seja, qual seria o erro de Gilberto Freyre nesse caso. Basta conhecer o Brasil para saber que a cultura dos portugueses é a preodominante sim, inclusive sobre as manifestações culturais dos negros. As religiões de matriz africana, por exemplo, tem uma influência importante do catolicismo. Isso apenas para ficar em um exemplo.
Dizer isso, no entanto, não é esconder a gigantesca importância das culturas negras e indígenas e justiça seja feita, Freyre não faz isso. Também nisso, ele é um defensor dessas culturas tão importantes na constituição do povo brasileiro. Mas o autor do artigo se baseia nas coisas que ele acha “boas”, não nos fatos.
“Para o sociólogo, a escravidão aqui foi diferente porque o português não tinha ‘preconceitos inflexíveis”‘e foi ‘o colonizador europeu que melhor confraternizou com as raças chamadas inferiores. O menos cruel nas relações com os escravos’.
A crítica a Freyre nesse caso apenas seria correta se mostrarmos que sua tese esconde as mazelas da escravidão. Mas o fato é que a colonização dos portugueses era feita sobre bases diferentes da que fizeram, por exemplo, os ingleses. Pelas circunstâncias inclusive econômicas dos portugueses, eles foram obrigados a estabelecer uma colonização que permitia uma interação maiores com os colonizados. O autor ignora novamente os fatos para atacar moralmente Gilberto Freyre, que nem está aqui para se defender.
O ataque contra Joaquim Nabuco também desconsidera o problema político em si para fazer uma caracterização moral do personagem histórico. Qual o interesse em transformar um personagem abolicionista num racista? Pode-se discutir as posições de Nabuco sobre a luta abolicionista, mas acusá-lo de racista parece servir apenas para avacalhar a história do Brasil.
Essa é, aliás, a profissão dos acadêmicos que se metem a falar sobre a história do Brasil. Avacalhar tudo e todos, sempre com espaço garantido na imprensa e nas editoras capitalistas.