Assim como a tradição de entregar a camisa 10 para o craque do time, chamar os gols mais bonitos de “gol de placa” também tem a ver com o Rei Pelé. O cenário não poderia ser melhor, simplesmente o maior templo do futebol, o estádio do Maracanã no Rio de Janeiro, sob o testemunho de quase 40 mil pagantes e sabe-se lá quantos não pagantes. A disputa entre Santos e Fluminense pelo Torneio Rio-São Paulo, que reunia o fino do futebol brasileiro na época, terminou com uma vitória por 3 x 1 para o time da Vila Belmiro. Pelé abriu o placar logo aos 3 minutos de jogo, mas o principal evento da noite foi o gol que marcou aos 41 minutos do primeiro tempo.
Pelé pegou a bola na entrada da área santista e partiu em direção ao outro extremo do campo, passando por nada menos do que sete adversários. Quando finalmente balançou as redes protegidas pelo goleiro Castilho, ambas as torcidas aplaudiram juntas em reverência ao futebol arte do camisa 10 do Santos, fato registrado na narração original do gol. É importante pontuar que não se tratava de uma equipe qualquer do outro lado, o Fluminense contava com Jair Marinho, Pinheiro, Clóvis e Altair no setor defensivo, além de Paulinho Ladrão no meio campo. Jogador esse que inspirou a consagrada advertência de “ladrão!” pois era mestre na arte de roubar bolas dos adversários, mas que nesta ocasião não conseguiu desarmar o Rei. Telê Santana também estava em campo com a camisa tricolor e assistiu de perto o gol histórico de Pelé.
O jornalista Joelmir Beting acompanhava o jogo ao lado de Nelson Rodrigues, que enquanto o estádio inteiro explodia em euforia, se lamentava diante do iminente esquecimento do lance: “Essa obra vai ficar sem memória”. Beting, que estava lá tanto para cobrir o Santos quanto para registrar as reações do dramaturgo, bolou dias depois o plano de registrar o feito com uma placa de bronze com os dizeres “Neste campo no dia 5-3-1961 Pelé marcou o tento mais bonito da história do Maracanã”. O próprio jornalista arcou com os custos da placa, esperando por um reembolso que nunca veio por parte do jornal O Esporte, e voltou ao Maracanã no domingo seguinte para uma cerimônia improvisada, que marcaria o início de uma tradição no futebol.
Assim como o primeiro gol de Pelé no jogo, o gol de Pepe ampliando para o “peixe” e o gol de honra do Fluminense, marcado por Jaburu, ficaram apagados pela jogada magistral no final do primeiro tempo. Finalmente, não é para qualquer um inspirar espontaneamente tantas coisas que viriam a se estabelecer entre os amantes do esporte. Aos que procuram eleger novos Pelés a cada temporada que passa no futebol europeu, fica o desafio de encontrar marcas tão profundas deixadas por esses aspirantes ao trono. Graças a Nelson Rodrigues, Joelmir Beting e tantos outros apaixonados pelo esporte, a magia de Pelé conseguiu superar a falta de registros em vídeo. Se o que existe de acervo das jogadas do Rei já impressiona, os relatos daquelas que escaparam das câmeras complementam a história do maior de todos os tempos. Sem margem para discussão.