A tragédia em Petrópolis após as intensas chuvas no dia 15 de fevereiro levantaram uma questão que há muito tempo deveria ter sido resolvida: o imposto que os descendentes da antiga família real recebem até hoje da cidade.
O chamado laudêmio consiste em uma taxa de 2,5% sobre todas as transações imobiliárias em determinadas regiões de Petrópolis. Ainda hoje, mais de um século após o fim da monarquia e o estabelecimento da República no Brasil, os herdeiros da extinta monarquia ainda recebem esse imposto.
O debate se acentuou com a carta de um dos descendentes, Bertrand de Orleans e Bragança, intitulando-se “príncipe” e oferecendo suas orações ao povo de Petrópolis. Seguiram-se declarações de outros herdeiros, o que gerou o inevitável debate sobre a taxa e por que em lugar de declarações demagógicas e vazias, os tais herdeiros não revertiam a taxa que recebem para ajudar o município e as famílias atingidas. Alguns ignoraram os questionamentos, enquanto outros tiraram o corpo fora, alegando não receber o tal imposto.
O laudêmio é uma sobrevivência da Idade Média, quando se instituiu o conceito dos dois domínios, do senhorio direto e o domínio útil do particular. Assim, aquele que utilizava de fato a terra era obrigado a pagar uma taxa eternamente ao dono direto. Isso ainda acontece no Brasil em diversas regiões do país, com taxas as mais variadas, concedidas à Marinha, à Igreja Católica e aos descendentes da família real.
Em Petrópolis, o imposto conhecido como “taxa do príncipe” incide sobre as transações imobiliárias e quem se negar a pagá-lo não tem direito à escritura definitiva do imóvel.
É absurdo que tais relações de propriedade continuem vigorando e que pessoas e instituições privilegiadas na época do Império continuem se beneficiando desses impostos mesmo após o fim da monarquia. Estima-se que mais de 8 bilhões de reais sejam desviados a eles.
Mesmo assim, pouco se fala do assunto. Ouve-se, por exemplo, muitas críticas ao fundo partidário ou ao fundo eleitoral. Mas estes, concorde-se ou não com a sua existência, beneficiam organizações políticas, fundamentais em um regime democrático. É por meio dos partidos que a população elege os que deveriam representá-los no Congresso ou no Executivo. Em tese, ele permitiria uma maior organização partidária e possibilitaria que a discussão política alcançasse parcelas maiores da população. O uso que se faz desse dinheiro na prática pode ser questionado, mas sua existência não se opõe à República ou à democracia. No entanto, esses fundos são alvo permanente de contestação.
Já essas taxas medievais, como laudêmio e o foro, vão diretamente a instituições particulares e indivíduos e servem apenas a seu próprio enriquecimento. Nem sequer é público o valor exato que eles recebem anualmente em razão de tais impostos. É revoltante que os herdeiros de uma monarquia derrubada e extinta continuem com tais privilégios, arrogando a si próprios os títulos de “príncipes”, “princesas” e “altezas”, como se os brasileiros fossem seus súditos. O povo já se libertou desse peso para o país e não pretende retroceder.