─ Maurício Korenchendler, Viomundo ─ O presente texto tem como escopo enunciar a realidade das tensões interiores dentro de uma suposta esquerda judaica frente à crítica contra as práticas políticas de segregação perpetradas por Israel contra os palestinos.
O uso oportunista do antissemitismo contra as esquerdas
Na militância de esquerda, encontramos exemplos de utilização oportunista de questões importantíssimas, como a luta contra o machismo, racismo, homofobia que fazem parte de uma estrutura desenvolvida ao longo dos séculos.
Superar tais mazelas não é tão simples quanto creem os mais radicais defensores da linguagem como criadora da realidade.
Assim como o capitalismo, por meio de sua ideologia liberal hegemônica, condiciona nossas relações sociais, as ideias machistas, homofóbicas e racistas também fazem parte desse condicionamento.
Na disputa política, portanto, precisamos identificar o campo que se encontra disposto a superar tais desvios e o que trabalha para a perpetuação da estrutura opressora e de dominação.
Nesse sentido, a ação transformadora, dentro de determinado limite do campo da esquerda, deve ser pautada de forma pedagógica e não punitiva ou meramente acusatória.
O viés punitivista e o viés inquisidor são características estruturais utilizadas para criminalizar e cercear a classe trabalhadora.
O Brasil é um país altamente conservador que comporta todos os tipos de preconceitos e a acusação contra tudo e todos faz com que caiamos em um paradoxo da luta contra a dominação.
Isso porque, mesmo no campo da esquerda estamos sujeitos à influência da reprodução da estrutura em que estamos inseridos.
Daí a importância de se estabelecer um limite cristalino sobre que campo está disposto a um constante processo de autocrítica (e não de autofagia) e qual nega veementemente essa possibilidade, permanecendo em vãs defesas retóricas.
É claro que a direita se nega a debater as questões estruturais, limitando-se a pautá-las como questões solucionáveis apenas pelo indivíduo.
O uso oportunista dentro do campo da esquerda é a imposição de chagas eternas, perpétuas, que não resolvem a questão, aumentando as fileiras inimigas, sem propor uma permanente reflexão sobre aspectos tão importantes e urgentes da vida social, econômica e política.
Dentro das opressões estruturais, uma em especial tem sido bastante utilizada de forma oportunista: o antissemitismo.
Quem subscreve o presente artigo é um judeu que observa a utilização oportunista do antissemitismo para censurar qualquer crítica mais contundente da esquerda contra as ações do governo israelense.
Enquanto judeu brasileiro e de esquerda teço criticas contra as práticas imperialistas de Israel que não podem ser excluídas por certas conveniências.
A acusação de antissemitismo contra qualquer crítica às políticas de ocupação e agressão praticadas pelo Estado de Israel visa desviar-se do conteúdo, focando exclusivamente na forma.
É por essa razão que, por exemplo, qualquer nota de repúdio às ações israelenses é refutada por judeus que se dizem de esquerda como sendo antissemita.
Desta forma, se silencia sobre as mortes palestinas e se acusa, com intuito de censurar, encerrando o debate, de antissemitismo qualquer rechaço as práticas criminosas de Israel.
Essa tática, além de censurar, tem como base de sustentação a equiparação formal desenvolvida por intelectuais, financiados pela CIA, de comunismo e nazismo como dois extremos que se equivalem.
Sob essa lógica cria-se a teratológica afirmação de que existe antissemitismo de esquerda e de direita. Nada mais equivocado.
O que existe é antissemitismo atrelado à estrutura, isto é, antissemitismo estrutural. E o que diferencia a influência estrutural do antissemitismo é a forma como a esquerda e direita lidaram e lidam historicamente com isso.
E o nazismo, como ideologia da direita, é o melhor exemplo de como ela absorveu o tema.
Na realidade a postura acusatória de antissemitismo está a serviço das elites, uma vez que avaliza o projeto de fundamentalistas judeus, não à toa hoje bem próximos dos fundamentalistas evangélicos, permitindo a fuga do debate sobre a expansão de ocupações de terras palestinas por Israel e da própria laicidade dos Estados.
Noam Chomsky, com base em artigo escrito pelo então embaixador israelense na ONU, Abba Eban, e publicado em jornal de ala liberal da Comunidade Judaica, indicou as táticas dessa política de esvaziamento do debate sobre as condições e políticas reais israelenses [1].
Segundo Eban, os defensores de Israel deveriam adotar duas posturas contra os críticos de sua política de ocupação, expansão e massacre: acusar os críticos não judeus de antissionistas, equivalendo-os a antissemitas, e taxar de loucos com distúrbios psiquiátricos os judeus que criticassem a política israelense.
Essa prática se aperfeiçoou perversamente já que quem subscreve o presente texto já foi acusado até de traidor, apenas por rechaçar a morte de palestinos pelo exército israelense.
Nesse sentido, os debates importantes e profundos são desviados, foca-se na forma de um argumento e não em seu conteúdo, como se a negação de uma realidade pela linguagem fosse suficiente para acabar com as opressões.
Outro intelectual judeu que aprofunda o debate estabelecendo equiparações sobre entre os Estados raciais da Alemanha da década de 30 e o Estado de Israel é Norman Finkelstein [2], cuja postura crítica ao Estado de Israel lhe rende inúmeros ataques.
No início do livro “A Nova Segregação: racismo e encarceramento em massa”, Michelle Alexander reconhece que a essência da segregação racial nos Estados Unidos permanece com novas formas.
E essa lógica pode ser utilizada de forma ampliada, inclusive, no debate sobre a questão Israel/Palestina.
Domenico Losurdo trouxe reflexões sobre as práticas atualizadas de genocídio e segregação do final do século XX (que permanecem no século XXI), como, por exemplo, os embargos econômicos que impõem a todo o povo de um país uma situação de sub-humanidade e negação de dignidade e autonomia.
E este debate importantíssimo é colocado em segundo ou terceiro plano, inclusive, no meio intelectual que possui hoje os vezos de foco na forma e desvio do conteúdo.
Fica evidente que a tática de distorção do foco sobre temas importantes, como a política imperialista de Israel contra o povo palestino, constitui um dos elementos do projeto político dominante.
A realidade deve sempre ser enfrentada para, então, ser transformada.
Como disse Lenin, em um de seus famosos discursos, o antissemitismo faz parte da estrutura dominante que tem por intuito dividir e confundir a classe trabalhadora [3] na luta contra seus verdadeiros inimigos: os capitalistas sejam eles judeus, cristãos ou pagãos.
Referências
[1] https://www.youtube.com/watch?v=gElufWkt_pI





