Nesse mês se completam 50 anos do Clube da Esquina, uma das mais sofisticadas expressões artísticas do Brasil brasileiro. Não há nada igual no mundo, pois, além da brasileiríssima genialidade lírico-melancólica-sensual de Milton Nascimento e Lô Borges, o álbum, assim como toda a produção do Clube da Esquina, refletia um Brasil híbrido, que se modernizava, urbanizava e industrializava rapidamente, porém ainda tinha literalmente os pés no barro e a alma no campo. O tom bucólico dado por uma instrumentação hipermoderna de guitarras elétricas e teclados espelhava, na música, a própria forma de ser de um Brasil em que moderníssimas indústrias se instalavam à beira de estradas de terra e empregavam uma mão de obra de origem e mentalidade rurais.
Muito significativo ainda é o fato do mineiríssimo álbum ter sido composto à beira-mar, em Niterói (RJ), no bairro de Piratininga, numa involuntária aliança entre terra e mar, entre o campo e a praia, bastante característica da formação brasileira e que o próprio bairro de Piratininga, até pouco tempo atrás, expressava bastante na sua configuração balneária e semi-rural – em 1972, então, praticamente rural.
Clube da Esquina expressa a utopia de um Brasil profundo que é continental e litorâneo ao mesmo tempo, bandeirante rústico desbravador e poeta delicado sonhador, com tecnologia de ponta e o pé sujo de lama, integrado ao que há de mais avançado no mundo porém sem renunciar às formas tradicionais de vida, onde impera a democracia racial pela ingenuidade das crianças (vide a capa). Clube da Esquina, de certa forma, é a versão cantada do Martim Cererê de Cassiano Ricardo, do Brasil de meninos, poetas e heróis, do Brasil que é este poema menino que acontece na vida da gente.
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