O resultado das eleições da constituinte que irá escrever a nova constituição chilena vem sendo comemorada por amplos setores da esquerda, não só no país, mas em toda a América Latina. Isso porque, apesar de ser extremamente antidemocrática, pois é necessário 2/3 dos votos para se aprovar qualquer ponto da nova constituição, a direita, sozinha, não acabou alcançando o 1/3 necessário para servir de barreira às demandas da população.
As eleições foram organizadas em listas, com diferentes partidos e organizações, além de indivíduos independentes, formando parte das distintas listas. Das que conseguiram colocar representantes, a lista que mais conseguiu assentos foi a lista da direita “Vamos por Chile”, com 37. Em seguida vieram as listas “Apruebo Dignidad”, da qual faz parte o Partido Comunista do Chile, com 28 cadeiras; a lista “La Lista del Pueblo”, formada por independentes, com 26 cadeiras; “Lista del Apruebo”, na qual se encontram o Partido Socialista (PS) e o Partido Democrata Cristão (PDC); “Independientes no Neutrales”, também formado por independentes e que ficou com 11 cadeiras.
Outras listas, todas formadas por independentes, conseguiram colocar 1 representante na assembleia e, além disso, outras 17 cadeiras foram destinadas para os povos indígenas de diversas etnias.
Sendo assim, foram formados 4 grandes blocos dentro da assembleia constituinte. O maior deles, o bloco dos candidatos independentes, formado pelas 48 vagas ganhas pelas listas de independentes, mais as 17 vagas dos indígenas, ficando com 65 cadeiras. Logo atrás vêm a lista da direita com 37 vagas, a lista que está sendo chamada de “extrema esquerda” com 28 cadeiras e, por fim, a lista da dita “centro esquerda”.
Fica claro, olhando os números, que a direita sofreu um grande golpe popular nas eleições, apesar de todos os pontos antidemocráticos presentes. No entanto, é necessário ter em conta que não foi a simples escolha do voto que deu esse resultado positivo para a esquerda, mas sim, as grandes mobilizações que vêm acontecendo no país desde 2019.
O resultado, portanto, é produto da luta política realizada nas ruas pelo povo chileno, que não abaixou a guarda após a aprovação de uma assembleia constituinte, levada adiante pela própria burguesia do país para tentar colocar panos quentes na mobilização.
Entretanto, apesar do maior número na assembleia, nada garante que a nova constituição será verdadeiramente progressista e positiva para a maioria da população chilena, sobretudo para os trabalhadores.
Isso porque apesar de a direita não ter conquistado o poder de veto sozinha, é necessário somente mais 14 votos para que projetos que os chilenos anseiam, como a nacionalização da previdência e do cobre, não sejam aprovados para a nova constituição.
Esses 14 votos podem vir da imensa maioria de candidatos independentes que estarão na assembleia. Isso porque os 65 candidatos, justamente por seu caráter independente, ou seja, alheio ao programa de um partido político e sem deixar claro a qual classe social representam, podem muito bem pender para o lado da burguesia.
A burguesia também busca apresentar o fato de que, por conta de equiparação de gênero (50% dos congressistas são mulheres) e de haver 17 cadeiras reservadas para a população indígena, faz da constituinte um ambiente mais progressista. No entanto, nada nos garante que as mulheres presentes na assembleia serão algo menos que figuras como Sara Winter, Joice Hasselmann, Carla Zambelli ou Damares. Da mesma forma, as “cotas” para candidatos indígenas não garantem que os congressistas serão realmente progressistas ou diferentes de figuras como a do golpista equatoriano Yaku Pérez. A burguesia tem uma margem de manobra muito grande e sabe fazer demagogia.
Além disso, segundo o jornal El País, em matéria do dia 17 de maio, a maioria dos parlamentares eleitos pelas listas de esquerda apenas se encontravam ali por conveniência eleitoral, sem realmente militar ou participar dos partidos ali contidos. Sendo assim, segundo o jornal, apenas 50 deputados realmente pertencem a algum partido político dentro da constituinte, sendo o restante independentes.
O resultado eleitoral com a vitória dos independentes, somado à grande abstenção nas urnas (57% dos eleitores não votaram), demonstra que há um grande desgaste com o regime político e que não há crença na maneira como a constituinte será levada adiante. Ainda assim, o resultado pendeu para a esquerda e demonstrou que a burguesia teme as mobilizações que vêm ocorrendo no país. É preciso que elas continuem e se intensifiquem, com um programa claro, que reflita as necessidades da população, para que as mobilizações de rua pressionem ainda mais pela ruptura do regime político apodrecido e formem uma verdadeira assembleia constituinte, controlada totalmente pelas organizações operárias e populares, sem nenhuma margem de manobra para os capitalistas.