Depois de resistir à palavra de ordem de “Fora Bolsonaro” por dois anos, agora representantes de partidos esquerda e organizações populares saem às ruas aos domingos, cada um em seu automóvel, repetindo o que aprenderam das campanhas políticas da burguesia. Não faltam nem as bandeiras verde-amarelas. As frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo anunciaram no último fim de semana que as carreatas pedindo o impeachment de Bolsonaro ocorreram em 17 capitais.
A campanha está muito bem circunscrita. Críticas à atuação do governo no combate à pandemia e as falhas da disponibilização de vacinas para a população. A campanha vem pronta, na verdade. Tem sido feita sistematicamente nas páginas de O Estado de S. Paulo, nos noticiários da rede Globo etc. A esquerda pequeno-burguesa, desorientada e confusa, não consegue nem mesmo acrescentar um tom avermelhado a ela. Adotaram a campanha completamente, na forma e no conteúdo.
Já a burguesia, essa sim sabe bem o que quer e como fazer para alcançar seus objetivos. A burguesia não fala de um presidente usando termos como “medíocre”, “intolerante”, “ignorante” gratuitamente. A discussão do impeachment de Bolsonaro não tomou as páginas do jornais como um clamor popular. Bolsonaro não está sendo atacado com duras palavras regularmente porque os verdadeiros donos do poder no Brasil decidiram que conseguem viver sem ele. Eles ainda não conseguem, eis o “x” da questão.
Está claro quem está no comando. Na última semana, chicletes, leite condensado, pizzas, doces e batatas fritas foram mais uma amostra da típica campanha anticorrupção da burguesia. E deram vazão à tradicional farofada da esquerda. Falando dos gastos do governo, “memes”, charges e comentários mantiveram esquerdistas entretidos por alguns dias. Os boatos e as idas e vindas na imprensa servem para manter a campanha em movimento.
Os setores tradicionais da burguesia, que dominam o Estado e o regime político, os organizadores do golpe de 2016, não têm como substituir Bolsonaro. Prefeririam, mas não têm. Estão, até certo ponto, conformados com a possibilidade de ter que sustentá-lo no poder não só até 2022, mas até mesmo por um novo mandato inteiro. A campanha pelo impeachment é um recurso para manter a pressão sobre o governo, mantê-lo “na linha”, e preparar suas alternativas.
A esquerda pequeno-burguesa, no entanto, acredita em contos de fadas. Sem confiança em suas próprias forças, sem clareza do que está acontecendo, de quais as forças em disputa, ela se levanta e se move à sombra da grande burguesia, sem saber para onde vai. Há, no entanto, no meio da esquerda, os que sabem muito bem para onde essa campanha conduz. São os partidários da política de frente ampla que já deu mostra do seu potencial desmoralizante na eleição da Câmara.
As carreatas são, em um certo sentido, uma manifestação da política de frente ampla nas ruas. Uma frente ampla sobre quatro rodas. São um reforço para a campanha que burguesia faz, com seus próprios objetivos, com seus próprios métodos. E a esquerda, que não sabe direito o que quer, nem o que faz, entrou no “fora Bolsonaro” verde e amarelo. Que fique claro, é um “panelaço” com outros meios. Não é mobilização popular, não é um chamado à luta de massas. É fazer coro com a imprensa burguesa.
Sem manifestações de rua, sem independência em relação à burguesia, a esquerda não vai combater Bolsonaro com muito mais do que o discurso, os métodos e as cores da direita. Sem lutar pela saída, também, de todos os golpistas, o “fora Bolsonaro” verde e amarelo é apenas campanha disfarçada em favor de João Doria ou de um outro escroque. Quem combate Bolsonaro, não pode apoiar a saída burguesa, a saída Doria.