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Paulo Amaro Ferreira

Identitários ou Incendiários?

Teriam os identitários incendiado o Museu Nacional?

Ao invés de adotar uma política de luta contra a direita no século XXI, os identitários preferem incendiar estátuas de personagens que já morreram há séculos

No dia 2 de setembro de 2018, no ano do seu bicentenário, o Museu Nacional foi tomado pelas chamas, num episódio que marcou a maior tragédia da museologia brasileira. O Museu Nacional, que havia sido residência oficial dos imperadores Dom Pedro I e Dom Pedro II, possuía uma riqueza enorme em seu acervo, contando com mais de vinte milhões de itens catalogados. Ou seja, uma tragédia incalculável para a memória e para a cultura nacional.

Mas por que estamos relembrando esse episódio fatídico (um dos tantos ocorridos desde o golpe de 2016) da nossa história recente? Ora, trazemos à tona novamente esse assunto pelo simples fato de que, as mesmas chamas que destruíram boa parte da nossa memória histórica em 2018, pairam outra vez sobre o Brasil. E para a surpresa de quase ninguém, quem está ameaçando, quem deseja apagar a história do Brasil em pleno 2021, não tem sido a direita (ao menos não declaradamente, até por que a direita não é tão burra assim), mas sim setores que se declaram de esquerda, os chamados identitários, que na falta de coragem para combater a direita do nosso tempo, decidiu declarar guerra aos mortos, incendiando as estátuas de alguns personagens que passaram à história do nosso país desde a chegada dos europeus, há mais de quinhentos anos.

Antes de mais nada, é preciso relembrar aqui uma verdade (incômoda para os identitários), que é a de que o identitarismo não foi uma política criada pela esquerda. Pelo contrário, ela foi uma política criada pela direita, pela CIA e pelos órgãos de inteligência e repressão dos Estados Unidos, para combater os movimentos de luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, ainda no final da década de 1950, com mais intensidade na década de 1960, com destaque para o movimento dos Panteras Negras. Não cabe aqui realizar uma análise desse processo, mas é importante frisar que o identitarismo não só foi criado pela direita, como tem sido utilizado sempre, desde então, para desorientar e se possível liquidar a luta popular contra o imperialismo nos países oprimidos no mundo todo. Em alguns lugares os identitários obtiveram menor sucesso, e justamente onde eles falharam é onde a luta popular obteve grandes avanços. Podemos citar, aqui no nosso continente, por exemplo, o caso da Revolução Cubana, que nunca flertou com o identitarismo, e mais recentemente o caso venezuelano, onde tampouco houve espaço para as sabotagens dos identitários. E vejam, não por acaso, esses são os dois países mais atacados pela esquerda identitária no Brasil, que vive acusando Cuba e Venezuela de serem ditaduras.

No Brasil, o identitarismo foi introduzido no interior da esquerda ainda no início da década de 1980, tendo como um dos seus principais propagadores Abdias do Nascimento, que exilado nos Estados Unidos durante a ditadura militar, retorna ao Brasil trazendo a ideologia identitária moldada pelos gringos. Segundo Abdias do Nascimento, “um férreo e rigídio monopólio do poder permanece, no Brasil, nas mãos da camada branca minoritária, desde os tempos colonias (…) O fator raça permanece, irredutivelmente, como fundamental contradição dentro da sociedade brasileira”. (trecho extraído do livro “Abdias do Nascimento: quilombola ou capitão do mato”, de Mário Maestri).

Como podemos notar, esse é o modo como os identitários enxergam a realidade até hoje, o que não passa de puro chorume ideológico fabricado nos Estados Unidos e exportado aos países oprimidos por meio de setores capachos do imperialismo. Segundo essa ideologia, desaparecem as classes sociais, desaparecendo também os antagonismos de classe, para dar lugar a uma confusa divisão racial da sociedade. E é seguindo essa ideologia que os identitários atuam no Brasil, adotando uma postura de cisão dentro do movimento operário e popular, na medida em que formulam como o principal opressor da sociedade não o burguês, e principalmente não o imperialismo, mas sim o homem branco, de forma genérica. Se for branco e hétero então, aí a pessoa é considerada um Tiamat ou o Leviatã, seres que precisam ser aniquilados pelas forças redentoras da sociedade.

Praticamente todo o movimento negro no Brasil sucumbiu ao identitarismo, restando poucos focos organizados de resistência. Muitas lideranças desses movimentos acabaram ingressando em cargos nos governos federais, estaduais e municipais nos últimos 20 ou 30 anos, transformando os movimentos de luta em meros espectadores das políticas de inclusão de caráter completamente insuficientes e insignificantes perante a realidade da maioria da população negra do país. No fim das contas, o identitarismo tem servido, na melhor das hipóteses, para empregar uma ínfima minoria da população negra em cargos parlamentares, enquanto a maioria segue sendo perseguida e aniquilada pela repressão dos governos nas favelas e periferias brasileiras.

Mas os identitários brasileiros, em 2021, alçaram vôos maiores, superando todos os seus antecessores. Se antes os identitários declaravam ser o branco o seu inimigo principal, em 2021 eles têm declarado guerra não ao branco de hoje, mas aos brancos mortos há centenas de anos. Foi assim que, no dia 24 de julho, os identitários atearam fogo na estátua do bandeirante Borba Gato, em São Paulo. A justificativa para a ação é de que os bandeirantes teriam sido grandes opressores na história do nosso país, tese essa baseada em uma grande falsificação da história, visto que os bandeirantes, nem de longe, constituíram parte das classes dominantes no período colonial brasileiro. Aliás, muito pelo contrário, os bandeirantes vivam completamente à margem do desenvolvimento econômico da colônia, cujo centro econômico estava concentrado no nordeste, onde se localizavam os principais engenhos de açúcar do país. Porém, fato curioso, até agora não vimos os identitários proporem incendiar todos os centros históricos das cidades nordestinas construídas sob o peso da chibata no lombo dos escravos negros.

Um mês depois do incêndio da estátua de Borba Gato, foi a vez dos identitários incendiarem as estátuas de Pedro Álvares Cabral e Pero Vaz de Caminha, na cidade do Rio de Janeiro. Como todos sabemos, ambos personagens terrivelmente opressores, que quando em vida cometeram os gravíssimos crimes de pilotar um navio e de escrever uma carta.

A bem da verdade, os identitários odeiam tudo que tem a ver com a cultura nacional. Ao incendiar as estátuas, que no fim das contas são obras de arte e fazem parte do patrimônio cultural do país, os identitários passam a mensagem de que nada da história do Brasil merece crédito, e que o bom mesmo seria que os gringos viessem aqui e tomassem conta do país.

Somente um louco, um desvairado ou um completo ignorante poderia negar a contribuição tanto dos portugueses, a partir de 1500, como dos bandeirantes, no século XVII, para a formação da cultura nacional e do próprio território brasileiro. Portanto, o ataque às estátuas, para além de não ser uma política de luta contra a direita, constitui de fato em uma ação anti-pedagógica e anti-popular, na medida em que busca enterrar toda a nossa história, jogando-a no lixo, como se nada que houvesse no Brasil valesse a pena ser defendido contra o imperialismo.

Assim, após esses episódios, reveladores do quão longe chegou o viralatismo identitário no Brasil, nós poderíamos, sem medo de exagerar, supor que esses mesmos grupos que estão ateando fogo nas estátuas, poderiam ter incendiado também o Museu Nacional, apenas para “abrir um debate”. Portanto, perguntamos: teriam os identitários incendiado também o Museu Nacional?

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