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110 anos de Assis Valente

“Quero ver o Tio Sam tocar pandeiro para o mundo sambar”

A nossa batucada

O Brasil pouco mudou nos últimos cem anos. Desde a adoção do modelo econômico capitalista de exploração e a alternância das oligarquias no poder, a dependência e desigualdade ditada pela dominação norte–americana a partir da década de 1930, registra um cenário de opressão e morte nas relações de trabalho, na degradação da sociedade, na repressão nas artes, que nos deixam registros revelando a tragédia da nossa história.

Muitas vozes foram caladas.

José de Assis Valente, compositor brasileiro (1911-1958) nos deixou sucessos imortais como “Brasil Pandeiro” e uma biografia, enriquecendo com sua obra, uma das maiores expressões culturais do nosso povo, o samba. Também foi um pioneiro na criação de músicas típicas das festas juninas com “Cai, Cai, Balão” e natalinas, com “Boas Festas”, de 1933.

Sua trágica história de vida, retirado do convívio dos pais e forçado a trabalhar em troca de sua educação desde criança, passando pelas mãos de mais de uma família que o explorava em serviços domésticos, mostra a cruel realidade da época e a herança da escravidão, que formalmente abolida em 1888, na realidade mantinha cativos todos aqueles que economicamente até hoje foram excluídos, pois jamais existiu qualquer medida econômica para inseri-los economicamente na sociedade.

Assis Valente, por suas habilidades e com a mudança do casal que o criava para a capital baiana, conseguiu trabalho no Hospital Santa Isabel e mostrando-se habilidoso, foi matriculado pelos criadores no Liceu de Artes e Ofícios da Bahia, onde aprimorou-se no desenho e em escultura. Convidado por um padre a trabalhar num hospital católico, numa festa popular, declamou versos anticlericais de Guerra Junqueiro e foi demitido. Juntou-se ao Circo Brasileiro, onde declamava versos de grandes poetas e de improviso, espaço onde se manifestavam interesses individuais e despertavam consciência mútua, às vésperas da grande recessão e quebra da bolsa de Nova York. Mudou-se para o Rio de Janeiro e trabalhou como protético, em 1927.

A partir de 1930 compôs seus primeiros sambas que não lhe trouxeram nem o merecido reconhecimento e tão pouco retorno financeiro. Desesperado com as dívidas e depois de duas tentativas de suicídio, vai ao escritório de direitos autorais na esperança de conseguir dinheiro e só consegue um calmante. Senta-se num banco de rua, ingerindo formicida e deixa um bilhete com seu último verso: “Vou parar de escrever, pois estou chorando de saudade de todos e de tudo”.

Apesar de seu trabalho profícuo, vendido a baixo preço para que outros figurassem como autores, cai no esquecimento após sua morte, sendo redescoberto em 1960 e não seria coincidência o período em que o Brasil atravessava naquele momento que antecedeu ao golpe militar de 1964, sendo regravado pelos grandes intérpretes da MPB da atualidade, como Chico Buarque, Elis Regina, Novos Baianos…

O conteúdo poético e reflexivo de suas composições tornam sua obra mais que atual, nos mostram uma triste realidade que só poderá ser superada com a ruptura total do sistema capitalista, onde neste momento, nos encontramos na iminência de outro golpe militar.

A história se repete, mas as formas como buscamos soluções para os conflitos que nos são apresentados, se repetidos, trarão igual resultado. Precisamos enterrar o esqueleto fétido do capitalismo, que se mostrou incapaz de resolver os problemas econômicos mundiais e está levando a humanidade ao caos e ao extermínio dos explorados, gerando uma riqueza inútil frente às necessidades prementes que enfrentamos diante de uma epidemia avassaladora. Apenas a luta pelo socialismo será capaz de deter esta era de exploração e desigualdade. “Brasil, esquentai vossos pandeiros!”

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