Pode parecer piada, mas é a mais pura verdade. O grupo Resistência, liderado pelo professor aposentado Valério Arcary, queimou a largada na corrida interna do PSOL atrás da coroa de rainha do identitarismo imperialista. Em artigo publicado no portal Esquerda Online, repositório virtual dos escritos do grupo de Arcary, lê-se aquilo que nem o Washington Post teve a coragem de estampar: “Solidariedade ao povo afegão, abaixo o Talibã!”.
O Talibã, como se sabe, é um grupo islâmico radical que está em guerra há décadas contra exércitos dos mais variados países. Fundado a partir do movimento de islâmicos afegãos, paquistaneses e sauditas que pegaram em armas contra a ocupação soviética do Afeganistão, o Talibã está em guerra desde 1979 ou, se levado em consideração somente o ano de sua fundação formal, desde 1994! Considerando, no entanto, que “abaixo” é uma palavra de ordem destinada a governos, o “abaixo governo talibã” só poderia, portanto, se referir ao governo talibã de 1996, que já foi extinto graças à intervenção norte-americana no país, ou a um governo que teve início há pouco mais de uma semana, após a tomada de Cabul pelo grupo islâmico.
Os pupilos de Valério Arcary, portanto, se voltam contra um governo que não tem nem um mês de idade! Um governo que nem se formou ainda. Curiosamente, nem Valério Arcary nem o PSOL se mostraram tão céleres no seu próprio país — quando Bolsonaro venceu as eleições de 2018, nenhum deles foi capaz de levantar a palavra de ordem de Fora Bolsonaro…
O problema de levantar o “Abaixo Talibã”, que, neste momento, tem o mesmo significado de “Fora Talibã” é que é uma palavra de ordem claramente pró-imperialista. O “Fora Talibã” em 2001 deu lugar a um governo fantoche do imperialismo, um governo tão capacho e tão lesa-pátria, que abriu as portas para que o exército norte-americano reprimisse a própria população! Para que matasse suas crianças, estuprasse suas mulheres, destruísse sua infraestrutura e sabe-se lá mais o que. E tudo isso — absolutamente tudo — com o objetivo de roubar as riquezas naturais do Afeganistão e de ocupar militarmente a região para roubar as riquezas dos países vizinhos.
E, não por acaso, o Fora Talibã hoje tem o mesmo conteúdo. Durante todo esse período em que os norte-americanos estiveram no país, o Talibã sempre foi, indiscutivelmente, a principal força organizada de resistência. Quem explodiu blindados norte-americanos, fez suas tropas recuarem e organizou o povo para tomar de volta seu território? Queira o PSOL ou não, foi o Talibã. O que quer dizer que se o povo afegão hoje está se vendo livre das tropas imperialistas, é porque existe um governo do Talibã, um governo dos flagelados que põem terror nos norte-americanos.
“Abaixo Talibã” para pôr o que no lugar? Para deixar o povo afegão sem a sua ferramenta mais poderosa que construiu até hoje para enfrentar o imperialismo? É o Resistência/PSOL, incapaz de organizar a resistência no Brasil, que irá organizar o povo afegão para lutar contra o imperialismo? É claro que não. Atacar o Talibã, da forma como faz o grupinho de Valério Arcary, levará inevitavelmente a recondução do imperialismo no controle do país.
E o que faz o Resistência/PSOL chegar a essa conclusão absurda é uma ideologia ridícula e completamente pró-imperialista, que é a seguinte: a única coisa que importa, no caso do Afeganistão, é combater o Talibã. Ora, mas se a guerra é unicamente entre os Estados Unidos e o Talibã, isso quer dizer que o que importa é defender os Estados Unidos. Os defensores de tal ideologia alegam todo tipo de barbaridade, principalmente a de que o “antitalibanismo” seria a verdadeira defesa da mulher. Pensem o que quiser, não é defesa da mulher, é a defesa dos interesses do imperialismo na região.
E tanto é assim que na sua argumentação, o Resistência/PSOL evoca como testemunha de defesa uma lacaia do imperialismo:
“É muito provável que a maioria de nós saibamos quem é Malala Yousafzai. Malala foi a menina paquistanesa que sofreu um atentado à sua vida por defender o direito de meninas e mulheres de estudarem em uma província controlada pelo Talibã”.
O que a autora do artigo “esqueceu” de dizer é que Malala Yousafzai não levou um tiro por “defender a mulher”. Ela sofreu um atentado porque era uma colaboradora do imperialismo dentro do Afeganistão. Escrevia para um blog da BBC atacando o Talibã enquanto o país estava em guerra. Depois de sobreviver, virou um brinquedinho de uma lista agentes do imperialismo que inclui o ex-presidente norte-americano Barack Obama.
O Resistência/PSOL é bastante claro em sua política: para “defender” a mulher, vale tudo, até lamber os pés do imperialismo. O problema é que essa “defesa” leva a morte de dezenas de milhares de mulheres na guerra, fortalece o maior inimigo das mulheres, que é o imperialismo e não melhora em nada a situação da mulher no Oriente Médio.
Não poderíamos esperar nada diferente, afinal. Valério Arcary é tão míope, tão míope, que não viu o golpe de Estado no Brasil. Chegou a dizer que o imperialismo não queria o golpe. Agora, diz a mesma coisa: o imperialismo não quer a guerra no Afeganistão, não quer roubar o povo do Afeganistão, não quer nada.
O caso do Resistência, no entanto, não é único. Na verdade, é só uma amostra. Só o aspecto mais superficial do iceberg golpista do PSOL. Que o diga, por exemplo, Chico Alencar, deputado e dirigente do partido, que, valendo-se da mesma demagogia que Valério Arcary, clamou para que a vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, intervisse no país.




