O conflito entre o Congresso e o ministro das Relações Exteriores do governo Bolsonaro, Ernesto Araújo se agravou rapidamente nos últimos dias. O presidente da Câmara, Artur Lira (PP), fez duras críticas ao chanceler, que foram reforçadas pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM). Isto levou a constatação de que o chamado “centrão”, ou seja, a direita tradicional, quer a cabeça do ministro da ala ideológica de extrema direita do governo. Este movimento da burguesia pela demissão de Araújo, tem como objetivo enfraquecer a ala mais ideológica, de extrema direita, do governo, faz parte da política de “colocar Bolsonaro na linha” e desgastá-lo até 2022.
Os jornais burgueses deram destaque para o conflito, chegaram a mostrar inclusive o suposto gesto nazista que o assessor especial do ministério de Ernesto Araújo, Filipe Martins, teria feito durante reunião com Rodrigo Pacheco, como uma medida que fortaleceu o pedido de demissão do ministro. Em troca, Bolsonaro ofereceu exonerar o assessor, mas segundo o próprio presidente do Senado, isso não será suficiente.
No entanto, a questão central do conflito não é essa, mas sim o fato de setores da burguesia buscarem um bode expiatório para a situação desastrosa dos mais de 300 mil mortos por coronavírus, dezenas de milhões de desempregados, num país em que a campanha de vacinação não anda. Obviamente que a principal responsável por isso é a própria burguesia, mas ela não vai permitir que apareça desta forma, daí procurar jogar a responsabilidade em algum aliado de Bolsonaro para enfraquecer o governo.
O objetivo é manter Bolsonaro na linha e desgastá-lo até 2022, para que se abram as chances da burguesia ir para o 2º turno com um candidato da direita tradicional. Prova disso é o que expressa matéria do jornal o O Globo:
“Bolsonaro vem tentando se equilibrar para não ser visto como o responsável pelo alto número de mortes no país, mas, ao mesmo tempo, preocupa-se em não dar uma guinada de 180 graus, que poderia afetar sua base sem, por outro lado, atrair novos eleitores.”
Ou o que diz o Estadão:
“…há uma avaliação generalizada de que Araújo é responsável pelo fracasso das negociações internacionais para a compra de vacinas contra a Covid-19. Bolsonaro discorda e não quer agir sob pressão.”
Ainda segundo o jornal:
“Após o encontro com Bolsonaro, Pacheco afirmou que pediu ao presidente mudanças para fazer o Ministério das Relações Exteriores funcionar. ‘A permanência ou a saída do ministro, de qualquer que seja ele, cabe ao presidente. O que nos cabe (…) é cobrar e fiscalizar as ações do ministério… consideramos que a política externa do Brasil ainda está falha, precisa ser corrigida. É preciso melhorar a relação com os demais países, inclusive com a China, porque é o maior parceiro comercial do Brasil.”
O outro ponto de pressão são os militares, que também estão pressionando Bolsonaro a demitir o chanceler. É parte da queda de braço entre Bolsonaro (extrema-direita) e os governadores “científicos” (direita tradicional) pelo controle da máquina estatal. Está relacionado com a pressão que Arthur Lira fez contra Bolsonaro, ao declarar que o Congresso poderia apresentar um remédio amargo e “fatal” caso a situação não se resolvesse.
O discurso e as críticas da burguesia vão no sentido de responsabilizar o setor ideológico do governo Bolsonaro pelo resultado catastrófico da pandemia no País, como se o outro setor do bloco golpista, a direita tradicional, fosse fazer algo de muito diferente de Bolsonaro sobre a questão da pandemia.
Nem precisa especular, basta olhar para a política dos governadores ditos “científicos”, que apesar de suas críticas a Bolsonaro, com o uso sistemático da acusação do “negacionismo”. Se Bolsonaro é negacionista porque negou que a pandemia fosse grave, os ditos “científicos”, tanto quanto Bolsonaro, negaram-se a comprar testes, negaram-se a ampliar a estrutura pública de saúde, negaram-se a contratar profissionais de saúde necessários e negaram-se a viabilizar a vacina. Logo, eles seriam tão negacionistas em relação a gravidade da pandemia, quanto o próprio Bolsonaro. Portanto, a utilização destes termos não passa de propaganda política para que a direita golpista, que colocou Bolsonaro no poder, tente se diferenciar dele para aparecer como oposição.
Ou seja, a burguesia, representada pelos militares e pelo chamado centrão (direita tradicional) quer a cabeça do ministro das relações exteriores “olavista”, porque é uma forma de enfraquecer o governo golpista de Bolsonaro, que enfrentaria conflitos internos com sua própria base ideológica, o que já se verificou no fato dele ter dado uma guinada na sua política em relação a pandemia (usou máscara, falou em compra de vacinas, montou um comitê com governadores e o Congresso, etc).
Se a burguesia conseguir que Bolsonaro se torne cada vez mais um governo da direita tradicional e do centrão, diminuindo a influência da extrema direita bolsonarista, vai conseguir que Bolsonaro perca apoio de parte da sua base ideológica mais fiel, sem que consiga conquistar novos eleitores.