Ao menos três projetos de lei (PLs) que tratam de questões fundiárias tramitam atualmente no Congresso Nacional. Dois deles, PLs nº 2.633/2020 e 510/2021 que compõem o pacote que ficou conhecido pelo nome de “PL da grilagem”, já foram aprovados na Câmara dos Deputados e agora tramitam no Senado. A bancada ruralista dessa casa tenta impor alterações, que apesar do linguajar aparentemente justo, na prática, irão legalizar a grilagem já efetuada nos últimos anos e incentivar novas, na opinião de especialistas.
A grilagem é um tipo de roubo de terras públicas e ocorre com grande intensidade na Amazônia. Nesse tipo de ação os invasores desmatam a área para tentar ludibriar os órgãos fundiários, pois dessa forma uma ocupação recente pode se passar por antiga e portanto regularizável. Assim, para cumprir requisitos legais, o desmatamento e o roubo de terras dos povos do campo acabam de certa forma sendo incentivados.
Outro aspecto importante do problema é que esses PLs atribuem boa parte dos seus argumentos tidos como positivos, a necessidade de atuação dos órgãos de fiscalização ambientais e fundiários. Ocorre que na prática, em especial no governo Bolsonaro, as políticas e órgãos que atuam nessa área estão sendo desmontados há alguns anos, tornando letra morta artigos que são considerados pelos latifundiários como garantias contra a devastação da Amazônia.
A bancada ruralista do Senado atua nos bastidores para que os PLs sejam aprovados antes do recesso parlamentar juntamente com outro PL, o de número 2.159/2021, que na prática torna inócuo o licenciamento ambiental.
Caso as alterações propostas sejam aprovadas no Senado, os PLs obrigatoriamente retornarão à Câmara dos Deputados, casa dominada pelo “Centrão”, que faz oposição somente de fachada a Bolsonaro e que na prática apoia as medidas do atual governo federal.
As questões da Amazônia precisam ser discutidas pela população com maior profundidade, a atuação do Congresso Nacional, totalmente dominado pela direita, facilita o atendimento das reivindicações da bancada ruralista e a posse de terras por estrangeiros, sem produzir qualquer ganho real para os trabalhadores sem terra e para a classe proletária brasileira.
Principais retrocessos no relatório do “PL da Grilagem”
– Transfere de 2008 para 2016 ou 2017 o marco temporal para a regularização de terras na modalidade de compra direta;
– Anistia a quem invadiu terras públicas após 2011, alterando para 2017 o marco temporal de venda sem licitação e permitindo venda com licitação de áreas ocupadas a qualquer tempo;
– Aumento do risco de titulação de áreas sob conflito, pois dispensa vistoria prévia na titulação de imóveis com até 15 módulos fiscais
– Revoga a limitação de apenas uma área a ser regularizada por beneficiário, desde que a área total não ultrapasse 2,5 mil hectares;
– Permite novas regularizações em benefício de quem já foi beneficiado anteriormente por programa de reforma agrária ou regularização fundiária;
– Redução do prazo das garantias socioambientais que devem ser cumpridas após a titulação, pois a contagem do prazo de dez anos das obrigações passa a ser feita da data de cadastro do pedido de titulação, ao invés da emissão do título;
– Criação de benefícios a ocupantes de médios imóveis em terras públicas, por criar situações de isenção de custas ou emolumentos para registro de títulos;
– Ampliação da possibilidade de extinção de projetos de assentamento para aplicação das regras de privatização de terras públicas, com risco de afetar assentamentos criados para populações agroextrativistas;
– Convalida vendas ilegais que estados e DF fizeram de terras da União, dentro e fora da faixa de fronteira, a qualquer tempo, até o limite de 2,5 mil hectares;
– Permite a entrega de títulos definitivos para áreas com desmatamento ilegal e sem que os passivos ambientais tenham sido recuperados.