Cada vez mais, com o passar dos dias, os peixes retardados que vivem no aquário da classe média vão acreditando que o setor dominante da sociedade é a mulher negra trans lésbica não-binária gorda. Afinal de contas, nas assembleias estudantis, a liderança de praticamente todas as agremiações é uma pessoa desse fenótipo — e ai de quem ousar criticá-la, pois corre o risco de ir para a cadeira elétrica! O objeto de suas pesquisas deve ser, obrigatoriamente, relacionado a isto: “a ancestralidade africana de não sei o que lá”, “os desafios contemporâneos de não sei quem”, “os privilégios de bla bla bla” e por aí vai. Até para vender miçangas, é preciso dominar o “afroempreendedorismo” — do contrário, rua.
O único problema é que, saindo desse aquário, a realidade é diametralmente oposta. O mundo não é dominado nem pela mulher, nem pelo negro, nem pelos transexuais, nem pelas lésbicas — só, talvez, pelos gordos. O mundo é o que sempre foi no capitalismo: um abismo entre um grupinho que concentra a riqueza de toda a humanidade e uma maioria absoluta que só tem a miséria para dividir com os seus.
A demagogia que a esquerda faz nas universidades é uma vergonha. Joga areia nos olhos daqueles que deveriam mobilizar, organizar para a luta. Bate um bombo e diz: “você, mulher negra, a partir de hoje está liberta de todos os seus grilhões porque excluiu a palavra ‘denegrir’ do vocabulário”. O fato, no entanto, é que aquela mulher negra vai “se libertar” não por isso, mas porque não é uma mulher negra de verdade, e sim membro de uma aristocracia, uma privilegiada. Uma mulher que vai ser “doutora fulana de tal” — se se comportar bem — e passar a vida como um parasita incrustado no Estado. Mas 99,999% das mulheres negras não serão professoras universitárias. Serão faxineiras, trabalharão numa empresa safada de telemarketing ou num salão de beleza caindo aos pedaços, que tenha “Mega Hair” no letreiro apenas para levantar a autoestima de quem trabalhe lá. Muitas delas, inclusive, não serão absolutamente nada: serão meros apêndices da vida miserável de seus maridos esfarrapados.
Que resposta a esquerda pequeno-burguesa terá a dar para essas mulheres negras? Acaso não são merecedoras de sua atenção, porque são binárias? Ou porque são “homofóbicas” e “misóginas” por não utilizarem a linguagem neutra em seu dia-a-dia? Uma desculpa, sempre há. O motivo, no entanto, é sempre o mesmo: a esquerda pequeno-burguesa é incapaz de ter um programa para o conjunto da população porque a esmagadora maioria da população não vive em seu aquário, vive em um mundo real. Um mundo que requer, portanto, um programa concreto, de luta, para enfrentar os inimigos do povo pobre e trabalhador.
O que a esquerda pequeno-burguesa e cada vez mais identitária talvez ignore é que o maior inimigo de seu programa é justamente a classe operária — e, por tabela, todos os oprimidos. O chavão da mulher negra trans lésbica não-binária gorda não é um passaporte para a unidade dos oprimidos contra a burguesia, é uma carteirada do carreirismo, do individualismo e de todas as manias mais escrotas da pequena burguesia contra um movimento de luta. Quem tanto fala na tal “mulher negra” não tem um programa para a mulher negra — que seria um programa voltado para a unidade com a classe operária —, mas sim para si próprio. A mulher negra que diz “calem a boca para a mulher negra falar” só o faz quando os seus interesses estão em jogo; basta que uma mulher negra que defenda outros interesses abra a boca, que rapidamente se verá até onde vai a tal “sororidade”.