Na última semana, os números da pandemia ultrapassaram todas as expectativas negativas. No dia 26, foram registradas 3.650 mortes e o País acumula quase 310 mil óbitos na pandemia. Já é ponto pacífico que o país esteja próximo de meio milhão de brasileiros mortos, na imprensa burguesa já se fala que os números podem ser maiores que os oficiais. Esta situação é resultado direto da política adotada pela burguesia de conjunto para tratar da pandemia.
Embora este seja o quadro, formou-se já há algum tempo uma opinião majoritária dentro da esquerda de que a pandemia seria de responsabilidade exclusiva do governo Bolsonaro, que de fato tem responsabilidade sobre os acontecimentos mas que de forma nenhuma é o único responsável pela crise.
Os governos estaduais – até mesmo os de esquerda que também são governos burgueses, com um pouco mais de inclinações reformistas – liderados por governos de direita, como o governo Doria em São Paulo, transformaram a questão da pandemia em uma disputa eleitoral com o governo Bolsonaro.
Onde estavam os golpistas até agora?
O bloco principal da burguesia aceitou o governo Bolsonaro a contragosto porque não tinha outra alternativa, então buscou direcionar a política econômica do governo impondo um ministro da economia que devia liderar uma economia de guerra contra os trabalhadores. Com Paulo Guedes, um homem de confiança da burguesia dentro do governo, os setores fundamentais da classe dominante procuraram controlar o governo Bolsonaro ao mesmo tempo em que se dedicaram a criar uma alternativa política para as eleições de 2022.
Dentro desta estratégia política a burguesia enfrentou a pandemia como um grande jogo de cena. Fizeram tão somente o que era o menos custoso, o que exigia menos empenho dos governos, o que exigia menos organização e o que exigia o menor gasto possível de dinheiro para os governos adotando a política de isolamento social.
A política exclusiva de isolamento social sempre se apoiou em uma farsa, pois nunca foi possível manter a maior parte da população em isolamento. O isolamento tomado como única medida é insustentável e serve apenas para evitar que em determinadas condições a pandemia escape totalmente do controle e o sistema de saúde se transforme num caos. O emprego do isolamento social serviu, no entanto, apenas para mostrar para a população que os governos estaduais estavam fazendo alguma coisa contra a pandemia quando, na realidade, não fizeram mais do que mandar as pessoas ficarem em casa sem dar a menor condição de que milhões de famílias trabalhadores pudessem cumprir essa ordem.
O grande erro da esquerda
A esquerda nacional, no que podemos considerar um dos maiores equívocos da sua história, resolveu apoiar esses governadores, fazer campanha junto a sua base social de esquerda apresentando-os como uma verdadeira alternativa democrática ao governo Bolsonaro. Foram apresentados por muitas lideranças de esquerda como uma direita “civilizada”, isto é, que não abandonou seus pendores democráticos e com a qual é possível dialogar e até construir juntos.
Isto produziu a ilusão, a fantasia de que estes governos estariam lutando contra as propagação do vírus e da pandemia quando eles não fizeram absolutamente nada fora do chamado isolamento social. Os governos travaram essa guerra eleitoral acreditando que em algum momento descobririam a vacina e seria simples oferecer a vacina e acabar com a crise, mas as coisas se mostraram bem mais complexas do que isso.
Não há vacina porque o imperialismo não quer
Toda a burguesia brasileira não se deu conta de que para a economia mundial, para os capitalistas mundialmente falando, os grandes capitalistas, os imperialistas, a vacinação de uma população como o povo brasileiro não é uma prioridade. Na medida em que a vacina apareceu trataram de canalizar essas vacinas para os países ricos.
Se somarmos os Estados Unidos, os países da Europa e o Japão, temos o pano de fundo da mortandade no Brasil. Não há vacina porque os brasileiros no mundo são cidadãos de segunda classe. Os empresários estão autorizados a comprar vacina e se vacinar enquanto o povo tem que esperar. Pelo ritmo da vacinação aqui, pelo cálculo da própria imprensa golpista, demoraria mais de um ano para vacinar toda a população na melhor das hipóteses.
Há uma situação de grande crise que está sendo administrada pela contabilidade crescente de cadáveres dentro do pais, o lockdown neste sentido não vai e não está efetivamente contendo a propagação do vírus. São Paulo está sob lockdown a taxa de pessoas infectadas e mortas é a maior de toda a pandemia.
O vírus e o capitalismo
A burguesia decreta o lockdown e espera que a coisa melhore, mas não há nenhum sistema organizado para combater o vírus de forma nenhuma. É isso que explica a quantidade enorme de mortos do país. A propagação do vírus se dá mais nas grandes concentrações urbanas, o que implica uma economia desenvolvida, que o Brasil possui por ser um país relativamente industrializado, o mais industrializado entre os países pobres, entre os países não imperialistas.
Todos os casos os focos do vírus eram em áreas desenvolvidas. Isso não é discutido nem pela imprensa nem por nenhum partido político que não querem tocar nessa ferida, mas o fato é que num país como o Brasil se não paralisa a indústria e o transporte público que leva as pessoas para trabalhar, não paralisa as grandes empresas, o vírus vai se espalhar com uma ferocidade inacreditável que é o que está acontecendo, é isso que explica a situação.
Esse é um vírus da sociedade industrial, não é um vírus necessariamente da sociedade pobre. Por isso que a quantidade de mortos no continente africano, embora seja grande, não há na maioria nestes países uma grande defesa contra o vírus, é menor que nos outros continentes, e é o continente mais pobre. Quando se compara os países do continente africano o país que tem a maior incidência do vírus é África do Sul que é justamente o mais industrializado da África.
O problema da industrialização não foi colocado em destaque, embora tenha aparecido desde o começo do vírus. Os capitalistas se negaram a paralisar as empresas. E nessa situação a esquerda brasileira fracassou completamente em detectar e analisar o problema e aderiu acriticamente à mise en scène dos governos de direita contra o vírus que não nada além disso: uma cenografia.
São todos culpados
A política da burguesia de jogar a culpa toda sobre o Bolsonaro, é uma manobra política contra Bolsonaro, mas não visa derrubar o Bolsonaro, é apenas disputa eleitoral, e levou boa parte da esquerda a ficar a reboque da burguesia.
Setores do próprio PT se aventuraram a propor uma chapa PT-PSDB. Este é o único resultado concreto dessa política: embaralhar as cartas para que a população de modo geral, e a sua parcela militante e politicamente ativa, não consigam compreender mais nada. Felizmente a experiência do golpe é recente e muitos são refratários a transformar as pessoas que são os verdadeiros causadores desta situação em heróis populares. Por isso a política de frente ampla não progrediu.
Essa avaliação é importante porque mostra que a oposição entre vários setores da esquerda e a burguesia é uma oposição exclusivamente eleitoral. Toda vez que a situação se torna grave eles se agarram com a burguesia, se unificam com a burguesia. O que é um péssimo sinal porque indica que no momento em que a situação ficar crítica do ponto de vista da mobilização popular, eles também vão se agarrar com a burguesia e não com a mobilização popular.
Não à frente ampla! Lula presidente!
A única coisa razoável a se fazer é um amplo movimento nacional em torno da reivindicação da vacina que deveria forçar o poder publico a pressionar os países imperialistas, as empresas, ou tomar uma medida mais enérgica como quebrar a patente e passar a produzir a vacina antes que morra mais 300 mil brasileiros. Isto colocarias as claras todo o problema: que não há uma grande mobilização em torno da vacina porque a burguesia sabe que ela depende do imperialismo para conseguir a vacina, então não estimula nenhum tipo de oposição e faz jogo de cena.
O problema da reivindicação da vacina é central neste momento, para isto é preciso uma mobilização popular. As direção sindicais, dos movimentos populares, os partidos de esquerda deveriam chamar o povo às ruas. Mas a própria epidemia fornece o álibi, o crime da cumplicidade com as mortes que é a de que sair as ruas é errado porque ajuda a propagar o vírus. Trata-se de uma mentira, pois a propagação do vírus nas manifestações de milhares de pessoas não é nada poderosa comparada à aglomeração de milhões de pessoas no transporte publico diariamente. Isto não passa de um pretexto para evitar lutar contra o massacre sistemático do povo brasileiro. É, da parte da esquerda pequeno-burguesa partidária da frente ampla, simplesmente medo e expectativa de que a burguesia resolva o problema. Sem esse movimento político popular, de massas, nas ruas, o numero de mortes pode facilmente mais que dobrar no país, e isso de forma alguma pode ser considerada uma política correta.