O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocupou, na manhã desta terça-feira (30), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), na capital paulista, contra o despejo de 450 famílias e 150 crianças que vivem no Acampamento Marielle Vive, de Valinhos, em São Paulo.
O ato é seguido por duas outras manifestações que ocorrem ao longo do dia, uma na frente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), na praça da Sé, e outra na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). O movimento também pede que seja feito o cadastro das famílias sem terra.
No TJSP, o MST fez um ato de rechaço à decisão que determina o despejo das famílias. “Queremos um natal sem despejo, não podemos tolerar que a Justiça de São Paulo coloque na rua, famílias que estão produzindo o alimento que chega na mesa dos paulistas. As 450 famílias do Marielle Vive produzem e distribuem alimentos”, explicou Simone Maria, da direção do MST no estado.
Kelvin Nicolas, da coordenação do assentamento Marielle Vive, criticou a decisão. “Mais de 150 crianças, que estudam nas escolas locais, há mães grávidas que fazem seu pré-natal em hospitais locais. Onde o Tribunal de São Paulo sugere que essas pessoas sejam colocadas?”, perguntou.
No dia 23 de novembro, o TJSP autorizou o despejo no acampamento do MST, atendendo a uma ação judicial de reintegração de posse da Fazenda Eldorado Empreendimentos Imobiliários, que possui os registros cartorários da propriedade.
A decisão, entretanto, contraria a Lei 14.216, de outubro deste ano, que suspende a “desocupação ou remoção forçada coletiva em imóvel privado ou público, exclusivamente urbano, e a concessão de liminar em ação de despejo” até 31 de dezembro, devido à pandemia de covid-19.
Em nota os representantes das famílias acampadas, afirmam que a ordem judicial de reintegração é algo “gravíssimo e inconsequente frente à vigência da Covid-19”. “Em 2018, quando houve a ocupação da área, a fazenda era uma área abandonada e improdutiva, com o único fim da especulação imobiliária, no afã do lucro dos seus investidores”, diz o MST.
“O movimento denuncia a decisão judicial que possibilita o despejo das mais de 450 famílias e 150 crianças, que moram há quase quatro anos no Acampamento Marielle Vive, e solicita que o Incra realize a intermediação no conflito junto à Prefeitura de Valinhos e a juíza local, exigindo também que sejam garantidos os direitos e a segurança das famílias em contexto de pandemia e a construção do Projeto Descentralizado de Assentamento Sustentável (PDAS) no Marielle Vive”, defende o MST.
Segundo o MST, as famílias estão no local há três anos e sete meses. Quando foi ocupada, em 2018, a área estava abandonada e sem nenhuma produção. “Com os sem-terra, a fazenda se transformou em um grande acampamento produtivo, que doa alimentos saudáveis e comercializa cestas de produtos agroecológicos e artesanato, gerando renda, construindo dignidade e possibilidades de vida.”
No mesmo ano da ocupação, a empresa imobiliária dona da propriedade reivindicou a posse. Em setembro do ano passado, no entanto, o desembargador José Tarciso Beraldo, do TJSP, suspendeu a reintegração devido à excepcionalidade da pandemia, decisão, porém, revertida na semana passada.
As manifestações ocorrem no mesmo dia em que há 57 anos foi sancionado o Estatuto da Terra no Brasil, por meio da Lei n° 4.504/1964, que trata da regulamentação da Reforma Agrária no Brasil.
Para Gerson Oliveira, da direção estadual do MST de São Paulo, não há motivos para comemorar a data. “Não podemos esperar que o capital imobiliário use as terras para especulação impedindo a Reforma Agrária para a produção de alimentos saudáveis, especialmente nesse momento de grave crise sanitária, econômica, social e ambiental que recolocou ao Brasil no mapa da fome.”
O Brasil de Fato entrou em contato com o Incra e assim que o órgão se posicionar sobre o assunto a matéria será atualizada.