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Afonso Teixeira

Tradutor, formado em Letras pela USP e doutorado em Linguística com tese em tradução. Tem formação como músico, biólogo e cientista político.

Identitarismo

Lugar de fala é a casa da sogra

O “lugar de fala” é apenas e tão-somente uma forma de censura, como o é toda ação identitária

lugar de fala

O pensamento de filósofos e sociólogos que trataram da análise do discurso, como Michel Foucault e Pierre Bourdieu, teve maior relevância nas últimas décadas no meio da classe média universitária. O fim do comunismo soviético e a ascensão do neoliberalismo deslocou a esquerda de classe média para temas ligados à análise do discurso.

O movimento negro passou a importar-se mais com a maneira como as pessoas falam do que como elas agem. E, na mesma linha, seguiu o movimento feminista.

De uns anos para cá, a pauta identitária tornou-se prioridade na esquerda. Não cabe, aqui, tratar desse problema de maneira geral, pois o que está em questão é o sentido do “lugar de fala”.

A publicação do livro de Djamila Ribeiro, O que é lugar de fala (2017), teve uma certa repercussão na esquerda, que passou a utilizar indiscriminadamente o termo, o que levou a própria autora a manifestar-se. Lugar de fala refere-se à posição do interlocutor numa determinada questão geralmente sociológica. O ponto de vista do oprimido teria uma importância diferente daquele do que não é oprimido. Por exemplo, numa questão racial, a perspectiva do negro seria diferente daquela do branco.

Isso não significa que a palavra do branco não tenha importância, segundo a autora e segundo os adeptos dessa teoria. Por exemplo, um antropólogo tem uma posicionamento bastante importante sobre a questão do índio, embora ele próprio não seja índio.

Feita essa ressalva, o que queremos demonstrar aqui é que o “lugar de fala” é apenas e tão-somente uma forma de censura, como o é toda ação identitária.

O “lugar de fala” é um conceito adotado maiormente pelo feminismo negro. Mas também faz parte da luta de outros grupos identitários, como os homossexuais, por exemplo. O termo vem sendo usado de maneira indiscriminada para calar a boca de toda e qualquer pessoa que se manifeste ou se posicione em relação a questões pertinentes àqueles grupos.

Mas, não importa se o termo seja usado de maneira indiscriminada ou de maneira precisa; o fato é que ele trata de “posições”, pontos de vista individuais ou de grupos discriminados. Não elimina a discriminação, mas simplesmente a amplia.

Se um branco se posiciona acerca da escravidão, sua palavra terá menos valor numa discussão que a de um negro, por exemplo. Ocorre que o negro vivo, o negro na sua concretude, nunca foi escravo. Nunca esteve no porão de um navio negreiro. O negro vivo, aquele que é discriminado, sofre as consequências não só da escravidão, mas da sua libertação.

O negro deixou as plantações, quando a Lei Áurea foi outorgada, e não tinha para onde ir nem onde trabalhar. O verdadeiro opressor do negro não é o branco, mas o sistema capitalista. A escravidão não incomoda mais o negro, pois o que existe de escravidão é residual e afeta tanto negros quanto brancos.

De fato, o branco não sofre o mesmo que o negro. Mas quem é o verdadeiro inimigo do negro? É a polícia. Policiais negros, mulatos e brancos. Esses não enxergam os negros como escravos, mas como vagabundos, como criminosos, como suspeitos. E a polícia não é outra coisa que o exército de repressão da burguesia.

Diante desse quadro, deve o negro preocupar-se com o “lugar de fala” ou com a polícia? Se, numa discussão, um negro, para defender ideias pequeno-burguesas, escora-se no “lugar de fala”, é possível que cale o branco. Mas, tente o negro fazer a mesma coisa com a polícia durante uma abordagem policial!

O grande problema do “lugar de fala” não é a posição de quem fala, mas a de quem não fala. E o negro, com “lugar de fala” ou sem “lugar de fala” é o último a falar e o primeiro a apanhar.

E se o “lugar de fala” não diz respeito apenas ao negro, pouco importa. Procura ser uma arma para que grupos sociais oprimidos possam se posicionar, mas busca, na prática, calar a argumentação e, em vez de atacar o argumento, ataca o argumentador.

Existe o lugar de fala do negro, da mulher oprimida, da mulher negra, da lésbica, do homem homossexual, do travesti, etc. Mas e o lugar de fala da classe operária, existe? E o lugar de fala do oprimido do campo?

Terão esses trabalhadores respeitados os seus pontos de vista? Pouco importa. O fato é que o “lugar de fala” é uma teoriazinha besta inventada por intelectuais de classe média que nunca sofreram na vida.

Basta dizer que aquela que propagou essa teoria, Djamila Ribeiro, é hoje, garota propaganda da Prada, empresa italiana de calçados que custam em média sete mil reais.

A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a posição deste Diário.

 

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