Não há um único jornal no País que não tenha estampado em suas páginas, com grande destaque, o jantar entre o ex-presidente Lula e o golpista Geraldo Alckmin (ex, embora eternamente PSDB). Promovido pelo grupo Prerrogativas, o evento reuniu centenas de pessoas, entre jornalistas e políticos profissionais de partidos como o PSB, o PCdoB e Solidariedade.
O evento foi, obviamente, um aceno do PT à direita. Tendo chegado a convidar Simone Tebet (MDB) e o presidente do Senado, Ronaldo Pacheco (DEM), um setor da direção petista procura apresentar a candidatura de Lula como a candidatura de um “estadista”, de uma figura que estaria “acima da direita e da esquerda”. Ou, como tanto pregaram os governadores direitistas Flávio Dino (PSB-MA) e Rui Costa (PT-BA), uma candidatura de “unidade nacional”.
Pura ilusão. Lula e a direita golpista são, neste momento, água e óleo. Por mais que o ex-presidente quisesse — fato é que ninguém sabe ao certo o que Lula quer —, uma aliança com a burguesia é inviável. Afinal, a burguesia não quer Lula. A burguesia brasileira, ainda mais setores tão pró-imperialistas como Geraldo Alckmin, quer para o País o mesmo que Guillermo Lasso quer para o Equador, o mesmo que os Estados Unidos fizeram com o Afeganistão e o mesmo que Iván Duque tem feito na Colômbia: impor uma duríssima política de terra arrasada em favor dos bancos.
Essa política não é viável com uma candidatura encabeçada por Lula. Apoiado por amplas massas, que foram formadas enquanto movimento na luta contra a ditadura militar, Lula não tem condições políticas de apoiar um pacote de privatizações tão monstruoso quanto querem os banqueiros, nem de matar milhares de fome como fez o governo de Fernando Henrique Cardoso. Independentemente do que Lula pense, a classe operária interpretaria um eventual governo Lula como um governo seu, e se sentiria ainda mais confiante para enfrentar os seus algozes.
Mas se a burguesia não quer Lula, por que enviou seus funcionários ao jantar? Por que mandou os seus jornalistas tanto escreverem sobre o evento? Ora, porque, embora a burguesia não queira um novo governo Lula, ela quer participar de sua candidatura.
Se a burguesia não participar da candidatura de Lula, ela a deixará nas mãos do povo. E isso, muito ao contrário do que possa parecer, não enfraquece Lula, mas o fortalece. Basta, por exemplo, analisar o que aconteceu no último período em relação aos atos Fora Bolsonaro: quanto mais o movimento dependia das forças do próprio povo, mais ele se desenvolvia; quanto mais o movimento era influenciado pela burguesia, mais se enfraquecia.
Não há dúvida alguma que a burguesia dispõe de recursos muito importantes e poderosos. A Rede Globo de Televisão, por exemplo, é assistida diariamente por milhões de pessoas. Se a Globo estivesse disposta a apoiar a candidatura de Lula, o ex-presidente poderia, portanto, falar com seus eleitores com muito mais facilidade. O problema é que o “apoio” da burguesia nunca vem neste sentido.
A burguesia não quer se aproximar da candidatura de Lula para investir nela. Quando a burguesia quer realmente apoiar algum candidato, faz como fez com Jair Bolsonaro em 2018: cassou os direitos políticos de seu maior adversário, cassou milhões de títulos de eleitores pobres, colocou na cadeia quem fizesse campanha de rua, deixou a extrema-direita bater em quem quiser e fechou os olhos para toda a campanha podre de calúnias contra o PT. Alguém realmente acha que, agora, a burguesia vai fazer isso contra Bolsonaro para eleger Lula?
O interesse da burguesia na candidatura, evidentemente, é controlá-la. É, assim como fez com os atos Fora Bolsonaro, garantir que os interesses dos setores mais direitistas e atrasados da candidatura de Lula prevaleçam sobre os setores mais proletários e combativos. A burguesia disporá de seus recursos não para alavancar a candidatura de Lula, mas sim para afundar o operário que realmente expresse a tendência de luta do lulismo e trazer à tona os carreiristas que nada têm a ver com o movimento de massas. Não há como entender de outra forma: a “participação” da burguesia na candidatura de Lula é uma infiltração dos inimigos dessa candidatura.
Ao mesmo tempo que a burguesia buscará influenciar nos rumos e nas decisões da campanha por Lula Presidente, as ilusões que um setor da direção petista guarda com a direita traz um outro efeito profundamente nocivo. Na medida em que traz para o palanque os mesmos políticos que mandaram a polícia bater no povo e que são os responsáveis pela miséria de tantos, a candidatura de Lula vai se desmoralizando. Isto é, vai fazendo com que aqueles que hoje têm tanta disposição de lutar por Lula Presidente por considerarem que ele vai reverter a política do golpe de Estado enfiem a viola no saco e encontrem outra coisa para fazer, pois lutar por “Alckmin vice” não empolga ninguém.
A aliança com golpistas como Alckmin é o tipo de política em que a esquerda só tem a perder. Perde porque a candidatura se torna mais fraca, perde porque um eventual governo seria um governo refém de um novo golpe, ao mesmíssimo estilo do golpe de 2016.