No último dia 1º, o ex-presidente Lula participou do 5º encontro do Grupo de Puebla, um fórum político e acadêmico fundado em 2019 por ex-presidentes, parlamentares e outros políticos ditos “progressistas” de 15 países da América Latina e da Península Ibérica. Além dele, outros ex-presidentes estiveram presentes à plenária virtual, dentre eles Rafael Correa do Equador, Fernando Lugo do Paraguai, Leonel Fernández da República Dominicana e o ex-presidente do governo espanhol, Fernando José Luis Rodríguez Zapatero (PSOE). O presidente argentino Alberto Fernández (Partido Justicialista – peronista) foi o anfitrião do evento e membros fundadores do Grupo, do México, Chile, Bolívia e Peru, entre outros, também participarem.
Lula criticou o texto-base do “Manifesto Progressista”, proposto pelo ex-presidente (1994–1998) da Colômbia, Ernesto Samper, do Partido Liberal Colombiano. Destacou que o documento não incluía nenhuma menção à situação de Cuba e da Venezuela, ambos países que enfrentam o boicote do imperialismo norte-americano e propôs uma linha de ação para os líderes “progressistas” do Grupo de Puebla: enfrentamento com o imperialismo norte-americano, desenvolvimento regional e uma mobilização política que ultrapasse os limites de uma reunião fechada.
Sem chamar o imperialismo por seu nome, Lula afirmou que “nós [os países da América Latina] não precisamos ter alinhamento direto [com os Estados Unidos]. Nós podemos ter uma política de independência e podemos ter um grupo econômico forte se os nossos governantes tiverem noção de que a gente pode ser forte se a gente estiver unido”.
A “experiência de boas relações com os norte-americanos durante os oito anos de governo” foi, segundo ele, determinante para as conclusões que apresenta agora. “Me convenci que os americanos não almejam, não desejam e não vão permitir nunca que a América Latina vire protagonista internacional”, afirmou.
A esse respeito, Lula lamentou que a região tenha se desviado do “caminho progressista” do início dos anos 2000, lembrando que a esquerda governava vários países à época. “Era um momento em que os países caminhavam para um progressismo que parecia que ia transformar a América Latina numa parte do mundo mais fortalecida. Quase conseguimos isso”, disse. “Não conheço outro momento em que a América Latina esteve tão coesa e avançando nas políticas sociais”, disse. A isso, o ex-presidente associou a série de golpes de Estado que mudaram o panorama político na América Latina, a começar pelo golpe contra Dilma Rousseff, mencionando o que aconteceu no Equador, na Bolívia, na Argentina, Uruguai etc.
O “progressismo” ao qual se referiu o ex-presidente durante sua intervenção é, na realidade, um apelido para o nacionalismo burguês dos países atrasados. Trata-se, simplificadamente, da defesa do capitalismo “mais humano”, mais “justo” e “solidário”, com políticas de distribuição de renda e assistência aos necessitados.
Esse nacionalismo é a defesa dos setores da burguesia dos países atrasados mais ligados aos negócios locais, mais débeis em relação aos grandes monopólios imperialistas que ditam os rumos da economia desses países e que se confunde com a defesa dos interesses da classe operária, duplamente oprimida por essa burguesia nacional e pelo imperialismo. Diante da opressão do subcontinente pelo imperialismo, a burguesia busca um caminho para seu desenvolvimento como classe dominante. São uma classe dominante e, ao mesmo tempo, dominada. Para enfrentar o imperialismo, no entanto, a burguesia latino-americana precisa, pelo menos, diminuir o atrito entre os seus interesses e os da classe operária e, no melhor dos casos, conseguir o apoio da classe explorada e dos demais oprimidos.
Eis que Lula está dividido entre duas políticas. Ele se coloca à esquerda dos demais líderes (e ex-líderes) políticos da esquerda burguesa e pequeno-burguesa da América Latina. Para o Grupo de Puebla avançar, é preciso, segundo ele, “fazer com que nossas decisões ganhem corpo junto ao movimento sindical, popular etc.”
Mas, para levar adiante essa mobilização política e o enfrentamento com os EUA, Lula estava falando para o auditório errado. Os ex-presidentes derrubados por golpes de Estado não se apoiam em nenhum movimento de massas, não têm raízes na classe operária. A reunião permite ao observador atento notar o porquê desta distinção e a grande contradição que cerca o ex-presidente brasileiro. Podemos expressá-la de duas maneiras:
1) Por ter uma ligação histórica com a classe operária industrial brasileira e se apoiar no conjunto dos explorados e oprimidos de nosso país, Lula defende uma política de enfrentamento com o imperialismo, de defesa dos interesses nacionais e de independência política e econômica para o Brasil e a América Latina cujos limites foram alcançados nas últimas duas décadas quando o imperialismo desencadeou a onda de golpes de Estado em escala continental.
2) Por limitar a sua política à defesa dos interesses nacionais nos marcos do regime capitalista, sem levar o enfrentamento com o imperialismo às últimas consequências – isto é, sem romper com os representantes do imperialismo, a burguesia “nacional” de nosso País – Lula não consegue defender de modo consequente os interesses históricos da classe operária, a sua libertação não apenas do jugo imperialista, não apenas da exploração e opressão da burguesia “nacional”, mas da dominação e exploração do capital como um todo.
De um lado está a política da burguesia dos países atrasados, que quer explorar a classe operária em paz, livre da dominação estrangeira. De outro, a classe operária, que precisa se livrar da opressão da burguesia nacional e internacional. No meio delas, está Lula, com um pé em cada canoa.
É preciso unificar os trabalhadores e explorados de todo o continente na luta contra o imperialismo norte-americano (em primeiro lugar) e mundial, pela unidade socialista da América Latina, isto é, por governos dos trabalhadores da cidade e do campo em todos os países, sem patrões, sem banqueiros, apoiados nas organizações e na mobilização dos explorados.