Na política, não se pode admitir como desculpa desaviso, não há espaço para a curiosidade e tampouco para a ingenuidade. Mas a história recente demonstra que um setor da esquerda não absorveu a experiência dos acontecimentos. Ao invés de denunciar o caráter políticos das instituições do estado burguês, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) tem sido o maior defensor da autonomia do Ministério Público e do Judiciário. Ao votar contra a PEC 5, o partido manteve a posição que teve diante da PEC 37, quando também votou contra sua aprovação. Mesmo diante da utilização da justiça como instrumento de perseguição política, como ocorreu nos processos do Mensalão e da Lava-jato, o PSOL foi contra qualquer tipo de controle à burocracia não eleita do MP.
A PEC 37 tinha como objetivo principal diminuir o poder do Ministério Público, uma vez que não está previsto na constituição autoridade para que a instituição conduza investigações criminais, as quais se pretendia atribuir exclusivamente às polícias federal e civil. Ainda que as mudanças propostas não implicassem na resolução do problema, buscou-se através da PEC 37 combater as arbitrariedades e as falsificações produzidas pelos procuradores durante as investigações da Ação Penal 470, que ficou conhecida como “Mensalão”. A luta contra a PEC 37 reuniu setores que vão desde MBL (extrema-direita), passando pelo PSDB (direita tradicional) até a esquerda com PSOL, assim a mesma foi derrotada na Câmara dos Deputados em 2013. Mais adiante os mesmos setores se unificariam em defesa da operação Lava-jato.
É importante ressaltar que o PSOL fez uma defesa de características mitológicas das instituições do estado burguês. O maior expoente da luta contra a PEC 37 e em defesa da autonomia do Ministério Público foi Randolfe Rodrigues, mas até mesmo petistas como Alessandro Molon fizeram parte da cruzada contra a corrupção na época. Fato curioso é que esses dois políticos se filiaram ao partido golpista Rede no ano de 2015, às vésperas do golpe de estado contra presidenta Dilma Rousseff. Diante da repercussão do Mensalão e da campanha da burguesia, que encontrou ressonância principalmente dentro do PSOL, mesmo setores nacionalistas como PT foram colocados na defensiva e pressionados a votar contra a PEC 37.
A farsa do Mensalão
É preciso ter claro, antes de qualquer coisa, que a burguesia nunca quis um governo do PT, porém a situação de miséria, desemprego e fome no país, uma verdadeira panela de pressão pronta para explodir, obrigou-a fazer esta concessão. O presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) foi responsável por uma série de privatizações, a mais importante foi a Vale do Rio Doce, que foi entregue junto a maior reserva de minério de ferro do planeta, além da destruição de aproximadamente um terço da indústria nacional. Nos governos FHC (1995-2002), o Brasil se tornou segundo país com maior desemprego no mundo e possuía 50 milhões de indigentes, a crise resultou em mobilizações importantes como das categorias de trabalhadores dos Correios e da Petrobrás. Foi esta conjuntura que permitiu Lula ser eleito presidente pela primeira vez em 2002.
A farsa do Mensalão foi preparada a partir de 2004, sem qualquer prova, a revista Veja, que historicamente persegue o Partido dos Trabalhadores, publicou uma denúncia sobre a compra de apoio de deputados do PTB pelo PT, depois a mesma reproduzida em toda imprensa golpista. Em 2005, o vídeo de uma armação que preparada contra o chefe do Departamento de Contratação dos Correios, a qual teria sido organizada por um empresário (fornecedor dos Correios), um advogado de Curitiba e um ex-agente da Abin que tinha envolvimento com bicheiros, foi divulgado como a corrupção em Brasília pela Veja novamente, supostamente um esquema controlado por Roberto Jefferson (PTB).
Depois de denunciar que o PT compraria votos para impedir abertura de Comissão Parlamentar de Inquérito com R$ 400 milhões, a Folha S.Paulo divulgou entrevista onde Jefferson denuncia o pagamento de mensalidades a parlamentares pelo PT, sua versão, que inicialmente trazia Delúbio Soares (então tesoureiro do partido) como responsável pela propina, foi alterada primeiro colocando José Dirceu (então ministro da Casa Civil) nesta posição e depois o ex-presidente Lula. O esquema de distribuição de dinheiro tinha como operador Marcos Valério, que repassava os valores por meio de suas agências de publicidade, as quais recebiam recursos de empresas como do banqueiro Daniel Dantas.
Assim como na operação Lava-jato, o processo do Mensalão foi conduzido de maneira totalmente arbitrária, com depoimento ilegais e sem provas, além de “vazamentos” para imprensa golpista manipular a opinião pública. Ambas farsas jurídicas blindaram o PSDB e foram utilizadas como instrumento de perseguição política contra lideranças do PT. A versão final totalmente falsificada, que trazia o Banco do Brasil como origem de R$ 74 milhões desviados, foi utilizada para condenar lideranças importantes como José Dirceu e o ex-presidente do PT, José Genuíno.
A ministra Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, utilizou o mesmo argumento que o procurador da Lava-jato, Deltan Dallagnol, para condenar José Dirceu, sem provas cabais, evocou a convicção. O relator e então presidente do STF, Joaquim Barbosa, que se apoiou na tese do “domínio do fato” subvertendo assim a lógica jurídica, se aposentaria de forma precoce e mais tarde seu nome seria relacionado no escândalo internacional conhecido como Panamá Papers.
Lava Jato e a soberania nacional
Apesar da grande propaganda negativa do Mensalão, as políticas de combate à miséria implementadas pelo ex-presidente Lula permitiram ser reeleito em 2006, e os resultados econômicos do segundo governo permitiram eleger sua sucessora, a presidenta Dilma Rousseff pela primeira vez em 2010. A enorme campanha da imprensa montada a partir da operação Lava-jato, que surge nas vésperas das eleições de 2014, não foi suficiente para impedir a reeleição da presidenta Dilma. A Lava-jato deixaria mais evidente o caráter político que das instituições que compõe a justiça, Ministério Público e Judiciário, bem como, a subserviência das mesmas aos interesses do imperialismo. É nessa conjuntura que se desenvolveu o golpe de estado de 2016, um impeachment fraudulento contra o governo de Dilma Rousseff.
A Lava-jato foi uma operação farsesca comandada pelos Estados Unidos como já sabido e depois comprovado através de reportagem do The Intercept. O procurador-chefe da Lava-jato, Deltan Dallagnol, se reuniu com procuradores do Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ, sigla em inglês) e com agentes do Departamento Federal de Investigação dos Estados Unidos (FBI, sigla em inglês) na sede do Ministério Público Federal em Curitiba. O governo federal não foi comunicado sobre os encontros com autoridades estrangeiras no país e, à revelia do poder executivo, não houve mediação da Polícia Federal conforme previsto em lei. Dallagnol extrapolou todos limites da lei ao impôs sigilo, não somente às reuniões ilegais, mas também ao conteúdo tratado com autoridades norte-americanas.
É importante salientar que os encontros ilegais não se limitaram às autoridades dos dois países, para contribuir com a justiça dos Estados Unidos participaram advogados de delatores que haviam assinado acordo em troca de prisão domiciliar. A denúncia deixava claro a existência de um acordo para arrancar uma multa bilionária da Petrobrás e repassar para os acionistas norte-americanos, parte desse recurso seria devolvido ao MPF para criação de entidades e redes de combate à corrupção, assim os procuradores fora da lei seriam responsáveis pela gestão de parte do valor retirado da Petrobrás.
Mas não era somente os procuradores que estavam submetidos aos interesses norte-americanos, os juízes que atuaram na operação Lava-jato também estiveram envolvidos na farsa. Em reportagem do jornal francês, Le Monde, foi denunciado que o ex-juiz Sergio Moro esteve vinculado com departamento de estado dos Estados Unidos desde 2007. Em 2012, Moro integrava o gabinete da ministra do STF, Rosa Weber, que pela convicção condenou José Dirceu no Mensalão. O juiz Sergio Moro, que não teve qualquer pudor nas aparições comprometedoras junto a políticos do PSDB, depois de prender Lula nas vésperas das eleições, ganhou cargo de ministro no governo ilegítimo de Jair Bolsonaro.
Assim como o Mensalão, a Lava-jato foi utilizada para perseguir principalmente Lula que foi condenado sem provas por Sérgio Moro. Evidentemente que Moro não agiu isoladamente e nem poderia, a confirmação da farsa veio dos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Mas o golpe final contra a soberania popular veio da mais alta instância do judiciário, o STF impediu Lula de concorrer e assim de se tornar presidente do Brasil pela terceira vez.
PSOL ajudou a derrotar a PEC 5
Nem mesmo diante da PEC 37 poderia se admitir equívoco, menos ainda covardia dos parlamentares do campo da esquerda. Mas continuar defender a mesma posição diante dos acontecimentos é inaceitável. Não se pode repetir os mesmos erros diante de desenvolvimento acabado da situação política. É de supor que os acontecimentos importantes resultem em experiência aos partidos políticos. Definitivamente não é o caso do PSOL que votou em bloco pela derrota da PEC 5, ou seja, pela autonomia do Ministério Público.
Os ataques à soberania nacional foram inúmeros nos últimos anos, desde a entrega da maior reserva de petróleo descoberta nas últimas quatro décadas, o Pré-sal, ao fim da democracia burguesa no Brasil, primeiro com golpe de estado contra Dilma Rousseff e depois com o impedimento da candidatura do ex-presidente Lula durante às eleições de 2018. Cabe destacar que as instituições públicas do país estiveram comprometidas com os interesses do imperialismo até o último fio de cabelo.
O PSOL parece não ter acompanhado a espionagem dos Estados Unidos ao governo Dilma e países do BRICS, bem como à gigante estatal Petrobrás. Também não deve ter acompanhado a pressão das imperialistas Shell, Chevron e Exxon contra o monopólio da exploração do Pré-sal pela Petrobrás, que depois foi alterado através de projeto de José Serra (PSDB). Não compreenderam os objetivos criminosos da Lava-jato em pilhar a Petrobrás, tampouco a relação entre o impeachment fraudulento contra presidenta Dilma e a prisão ilegal de Lula, maior liderança popular do país, que liderava nas pesquisas de intenção de voto.
A atuação do Ministério Público foi totalmente fora da lei, o chefe da operação, Deltan Dallagnol, acusou Lula de chefiar organização criminosa, não com provas, mas, a exemplo do fascismo e da inquisição, com a convicção. Mas não foi somente o MP que recebeu apoio do PSOL, o qual se estendeu ao ex-juiz tucano, Sérgio Moro, e Polícia Federal que promoveram uma perseguição aberta contra o ex-presidente, que sofreu condução coercitiva ilegal, além de confisco de celulares e computadores de seus familiares, bem como de suas contas bancárias.
O PSOL tem uma verdadeira tara pelas instituições do estado burguês, é o campeão processos junto às mesmas, o que é bastante estranho se tratando de um partido que se autoproclama radical. Nem mesmo diante de inúmeras denúncias que relacionam golpistas como Michel Temer, PSDB, parlamentares da direita, procuradores e ministros do STF com o imperialismo, o radical da esquerda se opôs ao controle das instituições. O vazamento das conversas de Deltan Dallagnol com agentes da Globo, pelo hacker Walter Delgatti Neto, desnudaram a operação golpista, ainda assim o PSOL preferiu manter, não a autonomia do MP, mas o controle do imperialismo sobre a instituição.
O controle popular das instituições públicas
É notório o controle do imperialismo, principalmente dos Estados Unidos, sobre o Judiciário, Ministério Público, Polícia Federal, Parlamento, Forças Armadas. As instituições buscam obter ainda mais poder como se verificou na tentativa do MP em aprovar as “10 medidas contra corrupção”, assim como o Judiciário cada vez mais usurpa o legislativo, os atos do ministro do STF, Alexandre de Moraes, são demonstrações cristalinas. Mas parece que nada disso é de conhecimento do PSOL.
A PEC 5 implicava maior participação de parlamentares na Comissão Nacional do Ministério Público (CNMP), ou seja, teriam cinco indicações pelo Congresso. Ao CNMP é atribuído a fiscalização administrativa, financeira e disciplinar do MP. Atualmente é composto pelo Procurador-Geral da República, que o preside, quatro membros do MP da União, três membros do MP dos Estados, um juiz indicado pelo SPF e outro pelo STJ, dois advogados indicados pela OAB e dois indicados pelo Congresso.
Evidentemente que a proposta não colocaria fim aos abusos cometidos pelos integrantes do Ministério Público, se tratava de uma medida bastante limitada. Mas nem mesmo uma mudança tão pequena foi aceita pelo imperialismo, os setores que o representa (incluso PSOL) trataram de derrotar a PEC 5. No mesmo sentido, vale destacar que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é ainda pior, uma vez que integram somente magistrados, advogados e procuradores.
Essas instituições são dominadas por uma espécie de aristocracia, uma burocracia que reproduz em suas gerações futuras seus privilégios. É uma excrecência, não somente o fato dessas instituições de poderes do estado se auto regularem, mas como sua própria existência. Se é verdade que todo poder emana do povo, não poderiam esses postos serem preenchidos através de concurso público. Assim é preciso colocar fim as castas que se formaram em todas as instituições do estado burguês e colocar as mesmas sob o controle do povo. É preciso que todas autoridades do estado sejam eleitas pelo voto popular.