Os protestos com subsequente invasão ao Capitólio ocorridos no começo deste mês em Washington, DC, durante a recontagem dos votos das eleições norte-americanas, têm servido de pretexto para que haja uma pressão por parte da burguesia para o endurecimento da legislação contra o chamado “terrorismo doméstico”. Seria uma espécie de reedição do que ocorreu no período logo após o atentado contra as Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001. Na época, o governo Bush filho criou a chamada “Lei Patriótica” (Patriot Act), que continha diversas medidas, mas era fundamentalmente uma lei para aumentar a liberdade e o poder do gigantesco aparato repressivo dos EUA. Seu efeito foi legalizar em grande escala a espionagem contra cidadãos norte-americanos e estrangeiros, além de facilitar a prisão de pessoas e aumentar as penas de quem fosse acusado de “terrorismo”.
Agora, sob a justificativa da perseguição à extrema-direita, a burguesia quer aprofundar ainda mais o estado policialesco que já existe nos Estados Unidos, o que obviamente influenciaria a legislação de todos os outros países do mundo. Uma parte da esquerda pequeno-burguesa aplaude essas medidas. Aplaudiu a repressão aos manifestantes no Capitólio, aplaudiu a censura a Trump e seus seguidores nas redes sociais, mas irá aplaudir o endurecimento da legislação contra o terrorismo? Aqui no Brasil, já há um ensaio de como poderia ser uma legislação do tipo, Em dezembro do ano passado, o senador do PSL, Major Olímpio, propôs um PL que irá fazer algumas correções à Lei Anti Terror brasileira, adicionando ações como depredação de transportes públicos, instituições financeiras e obstrução de vias públicas como “atos de terrorismo”, os quais poderiam levar a até 30 anos de prisão.
Os Estados unidos, no entanto, já possuem um aparato repressivo muito maior do que o brasileiro, que tem praticamente liberdade total para perseguir e fazer o que quiser com cidadãos de seu e dos outros países do mundo. No entanto, a burguesia clama para que haja um endurecimento. Um exemplo é a matéria do sítio Washington Monthly, financiado por Bill Gates e pelos Irmãos Rockefeller. Em uma matéria intitulada “É hora de uma lei contra o terrorismo doméstico” (It’s time for a Domestic Terrorism Law – tradução nossa), o articulista se queixa, primeiramente, do problema “burocrático” envolvendo a luta contra o chamado “terrorismo doméstico”, ele afirma que não houve a “ampla vontade política” nos EUA para “manter e financiar agências governamentais dedicadas a essa tarefa”. Ou seja, é necessário mais agências de espionagem e repressão no país. Isso considerando todas as centenas já existentes neste que é um dos países mais aparelhados para a repressão no mundo.
Um outro trecho da matéria mostra que a perseguição não deve ser feita simplesmente contra os elementos da extrema-direita, mas com todos. “O fato de nosso governo priorizar ou não as ameaças de terrorismo doméstico não deve depender de se a ideologia do terrorista é de esquerda, de direita ou comprovadamente insana como a loucura Qanon”, diz a matéria. Sobre a questão legal, diz que o Congresso deveria “aprovar uma lei estabelecendo um programa de contraterrorismo doméstico permanente e suficientemente financiado, seja como parte de um projeto de lei maior contra o terrorismo doméstico ou enquanto outras mudanças legais são debatidas”. Ou seja, deve-se aprovar alguma coisa a toque de caixa, independente do impacto ou discussão política que essas leis possam gerar na sociedade.
A matéria do site financiado por parte dos setores mais ricos do imperialismo procura fazer toda uma demagogia contra a extrema-direita, mas também sempre lembrando que o “terrorismo” também pode partir da esquerda e de grupos muçulmanos e estrangeiros. Ou seja, a repressão, a espionagem e a perseguição deve acontecer igualmente com todos os setores. No entanto, uma matéria da página The Daily Beast, que procura sempre denunciar essas investidas do imperialismo, intitulada “A última coisa que precisamos é outra guerra contra o terror” (The Last Thing We Need Is Another War on Terror), explica por que não é necessária nenhuma mudança na legislação norte-americana caso eles quisessem de fato suprimir a extrema-direita. Ali está explicado como a extrema-direita é parte importante do próprio aparato de repressão norte-americano e que sua existência se dá com a total permissividade deste aparato. Ou seja, por mais que se aprove leis para perseguir a extrema-direita num primeiro momento, o verdadeiro alto do imperialismo será sempre a esquerda e os movimentos populares, contra os quais essas leis serão usadas de forma muito mais ditatorial.
Além disso, ela cita uma série de absurdos possibilitados pela Lei Patriótica de Bush, como a espionagem, pelo Pentágono, de ativistas anti-guerra; a vigilância por drones de manifestantes do Black Lives Matter pelo Departamento de Segurança ou o mapeamento de comunidades muçulmanas americanas inteiras pelo FBI sem suspeita de irregularidades. Isso sem falar no fato de que a Lei legalizou a tortura em prisões norte-americanas, caso a finalidade fosse a luta contra o “terror”. E muitas outras arbitrariedades perpretradas sob a falsa justificativa da luta contra o terrorismo.
A guerra ao terror que os EUA passaram a realizar após o 11 de setembro e que resultou em muita repressão, guerras, assassinatos, espionagem e cassação de direitos democráticos da população mundial, foi algo monstruoso. No entanto, é preciso chamar a atenção para o fato de que, caso outra ofensiva como essa fosse realizada no momento atual, ela provavelmente teria um caráter infinitamente mais agressivo do que a anterior. Basta considerarmos o fato de que nos encontramos em uma situação de crise muito mais profunda do que vinte anos atrás, isso sem falar no fato de que as leis ditatoriais já existem, então seria necessário aprofundá-las ainda mais para realizar essa nova “luta” contra o terror. A esquerda não deve, sob nenhuma circunstância, apoiar essa nova “guerra ao terror”, já que ela será sua vítima preferencial. É preciso se colocar totalmente contra qualquer tentativa de criar novas leis de perseguição, espionagem e repressão à população. Também é fundamental compreender que, apesar de toda a demagogia, Joe Biden não é um elemento que representa uma faceta “democrática” do imperialismo, muito pelo contrário. Biden é o governante do setor mais vampiresco e parasitário do imperialismo e sua ofensiva representa uma luta contra todos os oprimidos do planeta.



