Na semana em que a Revolução de 1930 completa 91 anos, urge uma reflexão sobre o significado histórico e a atualidade do mais importante evento político brasileiro desde a Independência.
Não é inteiramente correta a usual interpretação de que o movimento que culminou na ascensão de Getúlio Vargas ao governo marcou a transição de um Brasil rural e agrário-exportador para um Brasil urbano e industrial.
Com efeito, a industrialização e a urbanização já ocorriam anteriormente, não em oposição à agricultura cafeeira, mas como o desdobramento do seu desenvolvimento e da sua articulação ao comércio internacional. Durante a Primeira República, o café foi o carro-chefe da modernização capitalista centrada em São Paulo.
A generalização do trabalho assalariado antes mesmo da Abolição, o impulso empreendedor advindo da imigração europeia, a construção de uma rede de infraestruturas, sobretudo ferrovias, para interiorizar as lavouras e a criação de um sistema bancário para mediar as transações monetárias foram fatores de alavancagem da indústria e de formação de uma burguesia industrial bem como de uma classe trabalhadora. Se elas eram incipientes em comparação com os seus equivalentes nos países capitalistas centrais, não eram desprezíveis em um país que, poucas décadas antes, ainda conhecia o cativeiro.
A Revolução de 1930, ao demover as oligarquias civis paulistas do comando político do processo industrializante e substituí-las por uma coalizão civil-militar reformista oriunda das classes médias e inspirada em ideais positivistas, imprimiu à marcha da industrialização um sentido ao mesmo tempo social e estratégico.
Entre as primeiras medidas tomadas pelo governo revolucionário, já em novembro de 1930, estiveram a criação do Ministério da Educação e Saúde e do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Ao longo da década de 1930, foram implementadas diversas medidas de proteção ao trabalho urbano, reunidas, em 1943, na CLT, bem como se começou a estruturar uma rede pública de ensino básico e de saúde.
Desse modo, o Estado assumia, pela primeira vez, a tarefa de organizar as relações materiais do País de modo que a acumulação capitalista não se desse em prejuízo e em desfavor dos trabalhadores e dos despossuídos. Diferentemente da Inglaterra, onde a Revolução Industrial se deu em bases de extremo aviltamento das massas populares, no Brasil pós-1930, o aprofundamento do industrialismo coincidiu com a criação das primeiras formas de Estado de bem estar social.
Ao mesmo tempo, em função da ascendência militar sobre os comandos industriais, a industrialização associou-se, cada vez mais, a estratégias de segurança e de integração nacionais, bem como de projeção geopolítica na América do Sul em detrimento da Argentina, que, na época, ainda ocupava o posto de liderança continental. .
A criação das indústrias de base (mineração, siderurgia e petróleo), operada a partir da nacionalização dos recursos naturais, efetivada na Constituição de 1937, e a Marcha para o Oeste, programa governamental do primeiro Vargas para expandir a ocupação demográfica e econômica do país rumo ao interior, foram dois dos principais instrumentos de vinculação da indústria ao planejamento estratégico militar.
Por meio dessas políticas, visava-se não apenas aprofundar e interiorizar a industrialização, fortalecendo o poderio econômico brasileiro, mas, mais ainda, e juntamente a isso, avigorar a defesa nacional e reequipar as forças militares, assim como aumentar o controle brasileiro na Bacia do Prata e aproximar o Brasil do Pacífico. Promover-se-ia, assim, a liderança brasileira na integração territorial continental, a fim deposicionar o Brasil como primeira potência regional, superando a Argentina para, posteriormente, incorporá-la como aliada, fortalecendo, por essa parceria, a liderança brasileira e desencorajando possíveis enfrentamentos a ela.
A Doutrina de Segurança Nacional, definida pelo binômio desenvolvimento/segurança, principal referencial de atuação política e geopolítica do regime militar (1964-1985), teve suas origens, portanto, no processo político iniciado pela Revolução de 1930, e foi inicialmente racionalizada pelo General Góes Monteiro, chefe do Estado-Maior do Exército durante a maior parte do Estado Novo e condestável do regime.
O caráter social e estratégico da industrialização brasileira, liderada por uma tecnocracia civil-militar proveniente da classe média, permaneceu, assumindo diferentes formas e colorações políticas, até a década de 1990, tendo sido aprofundado em momentos específicos, como o segundo governo Vargas, o governo de Juscelino Kubitschek e o próprio regime militar, tendo sido conservado, ainda que de maneira instável, no governo Sarney.
Quando o recém-eleito FHC anuncia, em seu discurso de despedida do Senado, o fim da Era Vargas, o que ele declamava era a supressão dessa dupla característica do processo de modernização capitalista brasileira, que, a partir de então, definir-se-ia pelo controle irrestrito do sistema financeiro transnacional, operacionalizado por seus agentes internos políticos e tecnocráticos.
Uma história de décadas, contudo, não se apagaria em pouco tempo. Cerca de um decênio após, no governo Lula, recuperou-se parcialmente a orientação social e estratégica das políticas de desenvolvimento industrial, ainda que num contexto de possibilidades mais restritas pelo desmantelamento de parte significativa das indústrias de base na década anterior.
A formação de consórcios entre estatais e empresas nacionais para a construção de grandes blocos industriais e de infraestrutura nas regiões Nordeste e Norte, prosseguindo importantes projetos do regime militar como a Refinaria de Abreu e Lima e a Usina de Belo Monte, assim como a política de campeãs nacionais e de exportação de capitais para países do entorno estratégico brasileiro (América do Sul, Caribe e África ocidental), paralelamente à reequipagem militar do Brasil e ao maior protagonismo do país em operações militares no exterior, como no Haiti, onde as empresas brasileiras de construção civil encontraram terreno propício a sua atuação, significaram, pois, um retorno aos princípios estabelecidos pela Revolução de 1930.
Não admira, portanto, que os maiores interessados no fim da Era Vargas e do legado da Revolução de 1930, dentro e fora do Brasil, tenham patrocinado a Operação Lava-Jato para destruir a engenharia nacional (levando a Odebrecht à falência), demolir os projetos de reestruturação militar (prendendo o Almirante Othon) e impedindo Lula, que havia realizado essas políticas, de participar da eleição de 2018.
Não se tratou apenas de uma simples maquinação eleitoreira, mas de uma intervenção, apoiada pelos EUA, o principal concorrente do Brasil na América e no Atlântico, para efetivar o projeto de FHC de sepultar a Era Vargas e, consequentemente, o legado da Revolução de 1930.
Entretanto, tal legado não é exclusivo de um período e de um contexto, mas diz respeito à estruturação da própria Independência nacional e às condições para realizar o Brasil grande. A Revolução de 1930, a segunda fase da Independência de 1822, não é passageira, pois, enquanto houver Brasil, e sempre haverá, sua plataforma, idêntica a de José Bonifácio nos idos dos anos 1820, continuará sendo a base para a firmação da soberania e da cidadania brasileiras.
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