Se o mundo hoje tem o privilégio de conhecer a obra de Cartola, Adoniran Barbosa, Nelson Sargento, Nelson Cavaquinho, entre outros colossais nomes do samba e da musica popular brasileira, muito se deve à obstinação de um homem em apresentá-los ao público. João Carlos Botezelli, mais conhecido como Pelão, foi produtor musical nos anos de chumbo da década de setenta e, contrariando as tendências da indústria fonográfica de empobrecimento da cultura brasileira e a censura, gravou lendas já em idade avançada que nem sequer sonhavam em ter seu trabalho reconhecido. Entre os grandes feitos estão a gravação do primeiro disco de Cartola, aos 65 anos, e o primeiro disco de Adoniran Barbosa, aos 64.
Em uma biografia inédita,”Revolução pela música”, a história de Pelão é contada pelo jornalista Celso de Campos Jr., que buscou não retratar a vida do produtor em formato tradicional, mas sim retratar a relação deste com os artistas os quais produziu, uma espécie de “coleção de causos”. Aos 78 anos, Pelão recebe o reconhecimento pelo grandioso trabalho prestado à cultura brasileira. De certa forma, algo comparado ao próprio trabalho que realizava ao lutar pela divulgação de grandes artistas brasileiros esquecidos nos morros e periferias dos grandes centros urbanos do Rio de Janeiro e São Paulo na década de setenta, quando nem o mercado fonográfico e nem a ditadura se interessavam pela cultura popular.
Pelão nasceu em São José do Rio Preto e ficou conhecido pelos artistas como um homem sério e decidido, que com muita sensibilidade cuidava de todos os detalhes para que a obra destes fosse retratada e publicada da forma que realmente era, relevando pequenas falhas, ouvindo e respeitando o desejo dos autores, e oferecendo ao fim exemplares acessíveis à população. Fato esse que não impediu que os discos que produziu atingissem os mais altos patamares em vendas e crítica.
Mesmo não se tratando de artistas dedicados a musicas de protesto contra a ditadura militar de 64, o produtor teve que se desdobrar para passar pelo crivo dos ignorantes e mal intencionados censores, que rejeitaram algumas letras por erros de português propositais (segundo estes: falta de gosto), ou mesmo por “dar a ideia de protesto à ordem judicial”, como na letra da musica “Despejo na favela” de Adoniran Barbosa. Além dessa questão, a gravação de artistas já idosos, de voz rouca e cansada, não tinham evidentemente o apelo comercial que buscavam as gravadoras que atuavam no Brasil dos anos 70, extremamente influenciadas pela cultura norte americana. Sendo assim, o serviço prestado por Pelão ao Brasil e ao mundo é considerado quase um ato de heroísmo, visto que o mesmo nunca se dispôs a enriquecer as custas dos artistas, modificar a obra original desses ou mesmo ganhar grande fama, o que de fato nunca ocorreu fora do meio artístico.
Por tudo isso, o Diário Causa Operária saúda a iniciativa de retratar em uma biografia a história desse que foi um grande produtor musical, que nadou contra a maré do que o imperialismo reservava para nossa cultura e possibilitou que fossem registrados tantos sambas antológicos que compõe o riquíssimo repertório da musica brasileira popular.