Uma forma de esclarecer uma questão é citar exemplos práticos, que ilustram o debate. É o que resolvi fazer nesta coluna, para o Diário Causa Operária.
Se algum leitor colocou no google a data acima deve ter visto uma série de acontecimentos, mas, o mais especial é a final da Copa do Mundo de 1994, na qual o Brasil foi campeão sobre a Itália, sagrando-se tetracampeão mundial.
O dia foi uma loucura total, o clima, para alguém novo, como era o meu caso, era totalmente desconhecido. Era como se as pessoas estivessem vivendo o momento do Réveillon durante o dia todo. Rojões, festa e muita animação aguardavam aquela final, que foi disputada à tarde, nos Estados Unidos, mas no fim da tarde e começo da noite no Brasil (16:30)
Os mais jovens estavam atordoados com tanta festa, especialmente alguém como eu, que nunca havia visto o Brasil vencer a Copa, mas adorava futebol, e era criança quando sofremos nos anos 1980, com as copas de 82 e 86, onde, alguns dizem, tínhamos a melhor seleção de todos os tempos, mas não levamos. Fora 1990, quando os argentinos nos tiraram a Copa. Ou seja, a expectativa era gigantesca em 1994, e tínhamos Romário, que, se tudo desse errado, poderia salvar o Brasil.
Enfim. Lembro apenas do meu pai, na hora das penalidades, já que ficamos no 0 x 0 durante o tempo regular e na prorrogação. Quando começam as penalidades, ele se retira da sala e (descobri mais tarde) foi fumar um cigarro com os demais vizinhos que não suportavam a disputa por pênaltis. Os corações poderiam parar a qualquer momento. Até hoje, por conta disso, eu mesmo não vejo penalidades. Aliás, vejo, mas não vejo. Alguém vai bater, eu desligo a TV, e ligo em seguida, para ver o que deu. Bem.
Assisti sozinho aqueles tirambaços nervosos. Itália começa:
Baresi erra, manda pra longe. Meia festa, mas não dura muito.
Márcio Santos erra, quase não chuta, e a bola vai para as mãos de Pagliuca.
Albertini acerta. Agora a pressão estava conosco.
Romário. Sempre frio, mandou a bola no canto direito superior de Gianluca Pagliuca. A bola pega na trave antes de entrar, e, no Brasil, todos caem no chão de alguma maneira, de puro nervosismo.
Evani, bruto de tudo, bate forte, no meio. Acerta. Mais uma vez, pressão na nossa conta.
Branco, canhoto, manda no canto esquerdo de Pagliuca. Pênalti bem batido.
Massaro bate mal, Taffarel pega. Mais uma vez, meia festa. À essa altura já estava todo mundo louco. No banco, todos vibram, Ronaldão, Gilmar “Cara de Cachorro”, Zetti, Ricardo Rocha e outras lendas do futebol dos anos 1990, como Raí.
Dunga, capitão, bate bem e o goleiro nem sai na foto. Vibra, e o povo vibra com ele.
O próximo italiano é Roberto Baggio, que só é lembrado até hoje por conta desse fato. Ele prepara o chute e manda a bola para o espaço sideral. Seu erro resultou na vitória brasileira.
Lá pelas tantas, Dunga levanta a taça sobre a cabeça, gesto imortalizado pelo xerife Bellini, em 1958, em nossa primeira taça mundial.
Eu, de casa, em frente à Toshiba 12 canais (que sempre só funcionava 4), consigo ouvir uma verdadeira comoção se formando na rua. Saí para ver.
Estavam todos se abraçando, os copos de cerveja caíam, quebravam, ainda cheios. Fogos, gritos, sorrisos, lágrimas, uma loucura total. Vizinhos que havia anos que não se encontravam, também estavam na rua, se abraçando. Eu olhava aquela festa toda, feliz, mas ainda por entender a razão de tanta felicidade. Seguia a festa e abraçava meus amigos do futebol de rua.
O Brasil era campeão, apesar de tudo, o povo conseguiu ser feliz mais uma vez, a gente tinha conseguido pisar nas maiores potências imperialistas, até mesmo os donos da casa, os EUA, que perderam para o Brasil em um gol muito chorado. Itália, EUA, Holanda (e o gol de costas do Romário…), Suécia, todos no bolso.
Já no PCO, eu entendi tudo isso, toda essa alegria, e entendi a razão dos povos oprimidos torcerem para o Brasil nas copas. É a chance de ver os imperialistas serem derrotados. Eles, acostumados a massacrarem países e povos no mundo todo, no futebol, não, eles não conseguem se impor, por isso a festa.