Depois que Caetano Veloso declarou em entrevista na Rede Globo, que não era mais “ liberaloide” devido a leitura do stalinista Domenico Losurdo, por indicação do youtuber Jones Manoel, também defensor de Stalin, houve a proliferação de uma série de postagens de ataques contra Trotskistas, reproduzindo calúnias e uma quantidade industrial de baixarias políticas.
Impulsionados por essa momentânea fama global, toda sorte de viúvas da repressão stalinista evocaram o retorno do Gulag e mesmo do uso de machadinha contra os opositores. Essa sórdida campanha nas redes sociais no bom estilo bolsonarista pelos pretensos defensores do stalinismo indicou que uso do método de calar o oponente com ameaças tem como objetivo político imediato defender a frente ampla, ou seja aliança entre a esquerda e a direita golpista.
Curiosamente, um minúsculo grupo, que indevidamente se apresenta como Trotskista, resolveu reproduzir essa política policialesca e se juntar aos “ neostalinistas” para exaltar a sua maneira o legado de Stalin, o “maior de todos os guias”, na verdade o “coveiro da Revolução Russa”, segundo Leon Trotsky.
Assim, no site da Liga Bolchevique Internacionalista ( LBI) encontramos o artigo em Defesa do trotskismo: por que os que reverberam sobre os “crimes do stalinismo” se negaram a defender a URSS da contrarrevolução capitalista e apoiaram as “revoluções coloridas” no leste europeu?. Na verdade, o referido texto seria mais adequadamente intitulado “Em defesa do stalinismo”, pois, seus autores usam e abusam do método stalinista de falsificação da história para de uma maneira caricatural e grotesca apresentar Trotsky como o maior defensor da burocracia stalinista.
A operação política de exaltação do stalinismo, é parte dessa campanha geral da burguesia, a LBI simplesmente procurar surfar nessa onda para defender uma série de falsificações em relação ao Trotskismo. Mesmo não cumprindo um papel relevante, as confusões e falsificações deste agrupamento filo stalinista precisa ser denunciado e combatido.
Neste sentido, é necessário restabelecer a verdade sobre as falsificações políticas promovidas pela LBi em relação a duas questões relevantes: a) qual política de Trotsky em relação a burocracia soviética; b) as posições do PCO ( e dos impostores da LBI) sobre a restauração capitalista que levou ao fim da URSS
Impostores apresentam a defesa do domínio político da burocracia stalinista como sendo “ trotskismo”
No texto da LBI é apresentada logo no seu início uma falsa profissão de fé “trotskista”, falando que “como Trotskistas não temos qualquer “simpatia” pela figura pessoal de Stálin e do papel político e histórico que jogou na liquidação da vanguarda bolchevique”.
Na sua defesa extremada de Stalin, LBI justifica que burocracia stalinista apesar da traição e tudo mais, pelo seu caráter dual (defender seus privilégios e ao mesmo tempo o Estado Operário) cumpriu um papel até mesmo “progressista”, pois colocava “um limite no imperialismo”. Assim, a “profissão de fé” trotskista de que não era possível “simpatia” por Stalin é substituída por uma visão completamente apologética do stalinismo, onde a luta fundamental de Trotsky é deliberadamente apagada.
O aspecto contra-revolucionário do termidor soviético implementado pela burocracia stalinista é deliberadamente escamoteado. Além disso, a partir de uma leitura enviesada da polêmica no interior do partido trotskista norte americano SWP, Trotsky é apresentado não como adversário da burocracia stalinista mas como seu fiador.
Um ponto chave na polêmica sobre o caráter da URSS no SWP, é que ao contrário da ala pequeno burguesa de Shachtman, Burhnam, Abern, Trotsky caracterizava a URSS como um Estado Operário degenerado, que mesmo sob a dominação da burocracia deveria ser defendida de maneira incondicional. O que motivou o debate foi o enfrentamento entre a Finlândia e a URSS nas vésperas da segunda guerra, Trotsky afirmou que na luta de classes não poderia haver neutralidade e o estado operário deveria ser defendido.
Entretanto, Trotsky não renunciou a luta contra a burocracia, e salientava que era preciso a construção de um partido revolucionário em oposição a burocracia stalinista na URSS, e fomentava a construção da IV Internacional devido o domínio da burocracia sobre a III Internacional.
“A primeira condição para o sucesso na arena internacional é a libertação da vanguarda proletária mundial da influência desmoralizante do Bonapartismo Soviético, isto é, a burocracia venal do chamado Comintern. A luta pela salvação da URSS como Estado socialista coincide totalmente com a luta pela Quarta Internacional.”( TROTSKY,L. O estado operário, termidor e bonapartismo)
A defesa de uma capitulação à dominação da burocracia soviética em nome da “ guerra fria” foi a posição levada adiante pelo plabismo em 1952, e depois pelo posadismo nos anos 1960 ( que defendeu inclusive o entrismo nos Partidos Comunistas), e continuada por Ernesto Mandel no apoio a ala “ reformista” da burocracia e sua Perestroika nos anos 1980. Na verdade, essa política representou efetivamente um revisionismo do trotskismo, o que levou a desintegração da IV Internacional. As posições da LBI é a completa exacerbação do plabismo, uma espécie de caricatura do posadismo, na medida que passaram a serem apologistas dos stalinistas confessos.
A defesa da URSS por Leon Trotsky era incondicional, entretanto nunca representou uma subordinação ao poder político da Burocracia. Para uma efetiva defesa da URSS foi travada a luta necessária pelo legado da Revolução Russa, a defesa da propriedade estatal combinada com a luta por uma nova revolução política, isso mesmo, a posição de Trotsky não era defender stalin, mas derruba-lo, através da ação da classe operária.
“Que perspectivas estão abertas para nós? Provavelmente uma nova revolução. Não será uma revolução social, mas política.” ( TROSTKY, O caráter de classe do estado soviético)
Trotsky tinha consciência que a dominação burocrática não seria para sempre, o “socialismo em só país” não poderia implementar uma sociedade socialista efetivamente, não sendo possível uma terceira via entre capitalismo e socialismo. Neste sentido, a dominação burocrática era transitória, e apesar do espetacular desenvolvimento com a planificação, o parasitismo da burocracia levaria (como de fato levou) ao colapso da URSS, o que permitiu a restauração capitalista.
Falsificações da posição do PCO sobre o fim da URSS pelos impostores políticos
Supostamente este “resgate histórico” pela LBI seria para afirmar que todos os outros agrupamentos que se reivindicam do trotskismo foram equivocados ao defender a burocracia stalinista diante do imperialismo na queda da URSS em 1991.
“PSTU, CST, O Trabalho, PCO, Esquerda Marista, MES, Esquerda Diário (MRT) e toda uma cepa de “intelectuais progressistas” … se aliaram as forças políticas e sociais (Yeltsin e os restauracionistas) que em nome do combate ao Stalinismo e da “defesa da democracia” se aliaram a Casa Branca e as potências capitalistas para liquidar a URSS, que por mais degenerada estivesse, ainda era um Estado Operário a ser defendido para se avançar em uma revolução política. “ ( site lbi)
Primeiramente é mais uma falsificação deliberada a afirmação que o PCO, na época a corrente interna do PT, teve a mesma posição que as outras correntes citadas. Além do mais, é uma completa mentira afirmar que a causa operária apoiou Yelstin em nome da “ defesa da democracia”. Notem pelo teor da citação a maneira como a LBI apresenta uma “divergência” é a tradicional maneira stalinista de apresentar os trotskistas como “ defensores das potências capitalistas”.
Além do mais, simplesmente o PCO nunca defendeu a “ democracia” abstratamente como uma justificativa para a implementação da restauração capitalista. Os documentos da causa operária apresentavam a caracterização de que a burocracia em seu conjunto tinha uma política de restauração capitalista, que se diferenciavam quanto ao ritmo e forma de como esse processo se daria.
O PCO não somente se posicionava contra Yelstin, como se colocou contra a Perestroika realizada por Gorbachov, e contra o golpe de 1991 patrocinado por setor da burocracia que queria uma restauração controlada pelo setor “ duro” da burocracia.
Esse debate foi realizado publicamente em várias ocasiões, no ano do fim da URSS, em 1991, quando dos debates do I Congresso do PT, essa discussão sobre o Leste Europeu, e queda do socialismo foi levantada pela causa operária em documentos importantes.
No livro Convergência Socialista e sua “ defesa do socialismo” de Rui Pimenta foi criticado justamente a adaptação da CS ( PSTU) a propaganda ideológica do imperialismo do “ fim do socialismo”, através da capitulação ao regime democratizante.
“ a insistência na questão da “ democracia”, oculta o caráter da burocracia e sua posição de agente da burguesia mundial. (…) a essência do stalinismo é a sua defesa dos interesses da burocracia soviética, dos seus privilégios, contra o movimento operário tanto no terreno nacional como internacional. O stalinismo não é uma força contra-revolucionária porque está voltada contra a democracia em geral(em diversas oportunidades, os partidos stalinistas defenderam de maneira intransigente a democracia burguesa!). A grande lição, portanto, que deve ser tirada dos acontecimentos do leste não é reconhecimento da necessidade de lutar pela democracia, mas a da necessidade da ditadura do proletariado”. ( PIMENTA, Rui. Convergência Socialista e sua “ defesa do socialismo”, 1992, p.68)
O PCO defendeu que somente o marxismo, através da análise Trotskista conseguiu efetivamente prever e se posicionar corretamente em relação a “ crise do socialismo”. A alternativa não era a “ democracia”, mas a luta pela revolução e pelo socialismo, e que a queda da URSS não foi fracasso do socialismo, mas do stalinismo, e que expressa também a crise do sistema mundial, portanto, a crise histórica do capitalismo não teria sido solucionada, e as contradições continuavam e tenderiam a aumentar, portanto não existiria o “ Fim da história” propalado pelos ideólogos burgueses.
Esse debate também pode ser conferido nas Teses sobre socialismo, a revolução e a ditadura do proletariado, documentado vetado pela direção do PT ao I Congresso.
“ o que está afundando não é o comunismo, mas o stalinismo, a pretensão de que o caráter transitório do regime de propriedade estatal se tornasse eterno. A pretensão de que a segurança da URSS e a unidade dos Estados Operários é possível através de concessões estratégicas ao imperialismo”( Teses sobre socialismo, a revolução e a ditadura do proletariado, 1991)
Pois bem, com base nos documentos públicos da causa Operária, onde está a defesa da suposta aliança com “as forças políticas e sociais (Yeltsin e os restauracionistas)” e que “em nome do combate ao Stalinismo e da “defesa da democracia” se aliaram a Casa Branca e as potências capitalistas para liquidar a URSS”.
Uma questão fica então evidente nas passagens citadas (entre muitas outras) é que o PCO defendeu as conquistas da revolução contra a política Restauracionista da burocracia, e criticou a posição dos morenistas de “ defesa da democracia”. Então, podemos considerar que a LBI não teve acesso a esses documentos, e, portanto, trata-se de um desconhecimento ou omissão? Não é o caso, pois na ocasião, os membros da LBI estavam na Causa Operária, inclusive assinaram as referidas teses para o congresso do PT.
Trata-se não somente um caso de falsificação grotesca, mas de uma completa impostura política. Dentro da causa operaria não levantaram uma única virgula em relação a essas posições, e certa de quatro anos depois, improvisaram uma divergência, que no essencial representou o abandono do trotskismo, e a defesa do stalinismo, chegando ao ponto de defenderem retroativamente o golpe de um setor da burocracia em 1991, junto com o notório antitrotskista Joao Amazonas. Sobre isso, o PCO publicou o livro Um grupo de impostores políticos. Algumas considerações sobre a chamada Liga Bolchevique Internacionalista. No texto já era indicado que no seu aparecimento a LBI apresentou como cartão de visita o abandono do trotskismo.
“ a política de apoio ao golpe, mesmo disfarçada com a impostura de uma promessa da derrota posterior da “ casta stalinista” é uma política contra-revolucionária quimicamente pura e um abandono completo e integral do trotskismo” ( um grupo de impostores políticos, 1996, p. 68)
Além do mais, o que os filo stalinistas não enxergaram ou não quiseram ver, é que a liquidação da URSS teve como elemento ativo, setores da própria burocracia soviética, como o próprio Yeltsin, Gorbachev , e também outros setores “ duros”.
Curiosamente, ao longo do texto o que vemos não é somente simpatia, mas até mesmo uma adesão apaixonada, ou melhor, um amor roxo da LBI em relação ao stalinismo. A LBI utiliza até mesmo as mesmas expressões e toscas justificativas utilizadas pelos “ neostalinistas” para defender o stalinismo. Assim, em recente entrevista a Folha de São Paulo, o “ famoso” youtuber Jones Manuel, que gosta de frases de efeito, afirmou que “ Stálin não foi a reencarnação lucífer”, plagiando a vedete do momento, os papagaios da LBI reclamam das tentativas de apresentar “a figura de Stalin como o “grande demônio” “.
A LBI afirma que a grande tarefa no combate ao “ revisionismo trotskista” é combater “stalinofobia”. Para isso, utiliza abertamente os métodos sujos de falsificação do stalinismo para defender de maneira caricata o stalinismo contra o marxismo revolucionário. Estes impostores precisam serem desmascarados mais uma vez.