Belarus nunca foi notícia na imprensa internacional, tampouco na brasileira. Mas, como vivemos na época dos golpes promovidos pelo imperialismo no mundo inteiro, já estava na hora desse país aparecer nas telas e nas páginas de jornais.
As poucas vezes que se falou da nação europeia foi justamente em épocas de eleições e de forma negativa. Afinal, o presidente Alexander Lukashenko, por estar no poder desde 1994 e ter mantido boa parte das estruturas do Estado soviético, seria “o último ditador da Europa”.
As eleições no país, que ocorrem a cada cinco anos, costumam ser um tanto tumultuadas, devido às atividades de grupos golpistas que se candidatam para tentar entregar o país ao imperialismo. Algo muito semelhante com o que ocorre na Rússia ou na Venezuela, por exemplo.
Desta vez, a desestabilização foi a maior da história. A direita convocou novamente sua massa de manobra coxinha, com as bandeiras branca e vermelha (recordando um passado monarquista idealizado e subserviente a países estrangeiros). As palavras de ordem, como sempre, são “abaixo a corrupção”, “queremos liberdade” – algo tradicional da pequena-burguesia direitista, que vemos tanto no Brasil como em outros países onde houve tentativas de golpe de Estado. São as chamadas “revoluções coloridas”.
Os protestos, como sempre, esvaziados. Mas aí entra a manipulação da propaganda imperialista. O método é o mesmo para outros países: filma-se com a câmera fechada, dando um close na meia dúzia de manifestantes para encher a tela de gente, a fim de aparentar uma multidão revoltada contra o “tirano”.
No final das contas, Lukashenko foi reeleito para seu sexto mandato, com cerca de 80% dos votos – assim como nas eleições passadas, de 2015.
Pode ser que essa alta porcentagem de votos seja fraudulenta. Mas a oposição nunca conseguiu provar que teve grande apoio popular, menos ainda a maioria da nação.
A “última ditadura da Europa”?
Por não agradar ao imperialismo, Lukashenko é tachado de ditador, mais cruel ainda do que Vladimir Putin, seu aliado. Agora, vejamos se Belarus deixa alguma coisa a desejar às “democracias” ocidentais.
Existem 15 partidos políticos no país, o que é um número elevado para os padrões de uma nação do leste europeu com menos de 10 milhões de habitantes. Lukashenko não pertence a nenhum partido e a maior força do parlamento é o partido comunista, com 10% das cadeiras, que apoia Lukashenko.
Mas, além do parlamento, existe um outro órgão, estranho às “democracias” que conhecemos. Trata-se do Congresso do Povo, que reúne a cada cinco anos 2 mil delegados eleitos em seus locais de trabalho, estudo e moradia para discutir propostas e estabelecer estratégias políticas para o país. Algo mais semelhante a uma democracia direta, como diversos fóruns que existem atualmente na Venezuela ou ainda na Bolívia, apesar do golpe.
De fato, a maioria da população, principalmente entre a classe operária, apoia Lukashenko. Seu governo, vira e mexe, estatiza fábricas privadas ociosas. E o mais importante: a classe operária belarussa é muito poderosa. Nada menos que 95% dos trabalhadores são sindicalizados e, conforme dados de 2012, há mais de 23 mil organizações sindicais no país.
O principal argumento dos que dizem que Lukashenko é um ditador é que ele governa o país desde 1994. Ou seja, o tempo que ele está no poder. A mesma ladainha dizem sobre Putin, Hugo Chávez, Evo Morales… Mas não falam nada sobre Angela Merkel, que governo a Alemanha com mão de ferro desde 2005. Aliás, essa é tratada como uma grande líder democrata…
Um aspecto democrático em que o sistema político de Belarus ganha pontos é que, nas eleições, o voto é impresso, e não por urna eletrônica. Assim, diminuem significativamente as chances de fraude na contagem de votos.
A “última república soviética”
O motivo de tamanha propaganda e desestabilização golpista contra Belarus é o fato de que o país manteve, após o fim da União Soviética, o Estado no controle da economia e de todos os setores estratégicos do país.
Isto é, embora Belarus não seja mais um Estado Operário, em que a classe trabalhadora, através de seu partido comunista, detém o poder, impedindo a existência da propriedade privada, a burocracia estatal da antiga URSS permaneceu no governo e deu continuidade à política de manter o Estado no controle da economia, com a diferença de que ela abriu, em uma certa medida, o país para o capital estrangeiro e, em uma medida maior, permitiu a ascensão de uma burguesia nacional ligada à burocracia.
O próprio Lukashenko é um representante dessa burocracia herdeira dos tempos soviéticos. Em 1991, na votação no Soviete Supremo da República Socialista Soviética da Bielorrússia, ele foi o único deputado a votar a favor da permanência da república na União Soviética.
Esse controle da burocracia e a manutenção de conquistas da era soviética fizeram com que, nos anos 1990, enquanto a Rússia amargava um choque neoliberal que levou milhões à morte, à fome, à miséria, às drogas e à prostituição, em Belarus a situação se mantivesse mais estável.
De fato, até hoje a educação e a saúde, por exemplo, são quase totalmente controladas pelo Estado. O setor público fornece 93% dos serviços médicos e 99,7% dos cidadãos são alfabetizados. Em caso de gravidez, o pai ou a mãe recebe uma licença maternidade de até três anos e não pode ser demitido.
Sendo um dos países que menos sofreu com o coronavírus, logo no início da pandemia a situação foi tratada de maneira séria pelo governo – algo que não ocorreu na Europa Ocidental ou na maior parte do mundo. As ruas de grande movimentação são desinfectadas, não falta álcool nos locais públicos, a população foi testada em massa. Além disso, o sistema de saúde herdado dos tempos soviéticos permite que o país tenha um número elevado de leitos por habitante e os hospitais públicos fazem do cuidado inicial até a fisioterapia pulmonar nos pacientes contaminados pelo vírus. Com abundância de EPIs, Belarus ainda enviou ajuda médica a outros países, incluindo nações europeias como a Sérvia.
O país fechou os últimos anos sequencialmente com uma taxa de desemprego de 0,5% – uma das menores do mundo. Isso é devido a que o Estado controla 80% da economia e mais da metade dos trabalhadores está ocupada em empresas estatais (que representam 85% das empresas do país). Ou seja, há uma grande estabilidade no emprego.
Como relata o nosso correspondente em Minsk, Tiago Carneiro, uma parte significativa da população tem casa de campo e nos conjuntos habitacionais da capital vivem, no mesmo prédio, altos funcionários do governo e pessoas com vulnerabilidade social que precisam de ajuda do Estado.
Segundo o insuspeito Banco Mundial, Belarus é o terceiro país menos desigual do mundo. Seu coeficiente Gini é 25,2 (quanto mais próximo de 100, mais desigual é o país, enquanto que quanto mais próximo de 0, menos desigual ele é), ficando atrás apenas de Eslovênia e República Tcheca e empatada com a Eslováquia – todos países que viveram sob um Estado Operário até 30 anos atrás.
Na política internacional, o nacionalismo do governo belarusso apresenta características até mesmo marcadamente anti-imperialistas. Seu principal aliado é o governo Putin, mas mantém também ligações cada vez mais estreitas com a China. Na América Latina, os maiores aliados são Venezuela e Cuba – ao ponto de Lukashenko ter comparecido ao funeral de Hugo Chávez, em 2013, além de estabelecer relações muito boas com Maduro e com o regime operário cubano.
No entanto, Lukashenko vem abrindo o país para o capital estrangeiro nos últimos anos. Existem atualmente seis Zonas Econômicas Especiais, semelhante ao que realiza a China desde a década de 1980. Essas regiões são polos de investimento estrangeiro, mas os monopólios imperialistas ainda têm pouca penetração no país, que privilegia a entrada de capital chinês ou de países mais à margem do sistema capitalista. Mesmo assim, esses polos, como o parque de alta tecnologia de Minsk, são locais de disseminação do capital imperialista e, portanto, da política imperialista – inclusive com ligações diretas com a atual tentativa golpista.
Também nos últimos anos vêm sendo realizadas negociações para a entrada na Organização Mundial do Comércio, embora o governo nitidamente não tenha pressa para isso. As relações diplomáticas, principalmente com os EUA, costumam ser frias e, inclusive, Belarus sofre sanções econômicas do imperialismo há mais de uma década por supostas “violações de direitos humanos”. Mesmo assim, uma aproximação com os EUA e a União Europeia serve sempre para barganhar melhores condições de negociação com a Rússia, que precisa manter seu aliado próximo.
De qualquer forma, o imperialismo mostra, mais uma vez, que está farto do governo nacionalista belarusso, e que precisa dominar a economia do país. Caso isso ocorra, Belarus viverá, 30 anos depois, o mesmo desastre que viveram seus vizinhos da ex-URSS quando esta desapareceu, uma vez que o povo perderá todos os programas sociais e, do dia para a noite, os monopólios imperialistas controlarão toda sua economia. É o que ocorre quando há um golpe de Estado nos países alvo do saque imperialista.