Como crer que seja possível não se contaminar “ficando em casa”, quando quatro famílias na mesma casa são obrigadas a morar? Todos praticando o “fiquem em casa”, ao mesmo tempo, aglomerados dentro de casa.
Foi o que reportagem de diário da grande imprensa de São Paulo, o Estadão, informou nesse domingo (14). “Quatro famílias no mesmo número da rua Capricho Rústico, no Itaim Paulista, na zona leste de São Paulo”. Das quatro famílias do mesmo endereço, cinco foram infectados pelo COVID-19.
Família numerosa. Nos fundos do mesmo terreno, um filho recém-casado forma uma nova família, e assim, uma nova morada, um “puxadinho”. Outro filho, mais alguns acanhados cômodos, mais uma família. Terreno pequeno, que deveria nele estar edificada uma casa apenas, tem quatro casas. Cada casa, nela morando uma família numerosa. Quando um é infectado, infecta outro, mais um terceiro, quatro, cinco infectados.
Foi o que aconteceu no mesmo endereço de quatro famílias da zona leste da capital paulista. Pequenas moradias. Improvisadas. Acanhados cômodos. Grande número de pessoas que cada família compõe. Como praticar o isolamento? Não há espaço para se isolar.
Eliana da Silva Souza Silveira, uma das moradoras, teve febre, dores no corpo, perdeu o olfato, perdeu o paladar. Por recomendação do agente de saúde, tomou paracetamol e melhorou a alimentação. O isolamento não foi possível. De qualquer forma, recuperou-se. Invisível, Eliana fazia parte dos infectados sem sintomas, ou de sintomas leves. Os outros infectados do mesmo endereço conseguiram superar a doença, sem precisar de internação.
Fato muito comum no Brasil. A Organização Viva Rio constatou em pesquisa nos morros cariocas que, 75,5% das pessoas mesmo com sintomas não procuram atendimento médico.
Pouco distante dali, no Jardim Senice, a aposentada Cleusa se contaminou. Sem ter como se isolar, o marido Manoel Francisco contaminou-se também. A sobrinha Railayne, embora não moradora da mesma casa dos tios, mas na casa vizinha, no mesmo terreno, no mesmo endereço, também foi contaminada. Por sorte, medicados, todos recuperaram-se. Eliana e Francisco são dois dos 439 casos de COVID-19 de Itaim Paulista, que somente perde em incidência de casos de coronavírus para Sapopemba (559), na zona leste de São Paulo. A mesma tendência é registrada no número de mortes, 122 na região de Itaim Paulista, 205 mortes em Sapopemba.
Na Zona Sul, Paraisópolis, várias famílias juntas moram e juntas adoecem.
Passando pelo calvário de três hospitais, ainda assim Zita Pereira Silva veio a óbito, no dia 23 de abril.
A filha Jessica também se contaminou. Para evitar a transmissão na família, isolou-se no centro de acolhimento, uma escola para isso adaptada pela União dos Moradores e Comerciantes de Paraisópolis. “Fiquei (isolada) por 15 dias. Ninguém mais em casa se contaminou.”
Pesquisador do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da FAU disse ao jornal: “Nas casas mais exíguas é difícil ter espaço para proteger pessoas infectadas.” Impossível haver isolamento, em tamanho amontoado de habitações em pequenos terrenos. “Essas formas de moradia são comuns nas metrópoles e não recebem atendimento do Estado e das adversidades para acessar o mercado de habitação, ao solo urbano e uma remuneração para arcar com os custos de moradia”, denuncia especialista no estudo habitacional de moradores pobres. “Para essas famílias não sobra dinheiro para álcool em gel ou sabonete. Na maioria das vezes, não sobra nem arroz e feijão ”, diz a líder comunitária Francisca Cleusa Soares da Silva, da Associação de Moradores do Jardim Jaraguá, denunciando o mísero auxílio de R$ 600,00 do governo.
Três em cada quatro dos infectados na pandemia sequer passam pelo sistema de saúde. A precariedade das residências nas periferias das grandes cidades é assustadora. Os amontoados casebres tornam impossível o isolamento social. A adoção da única medida para enfrentamento da pandemia encontrada pelos “científicos” governadores e prefeitos, a política do “fique em casa”, é inócua. Sem um enfrentamento abrangente, tende a levar milhões de pessoas a morrerem sem ninguém saber, dado que a população pobre é invisível para o governo. Elas sequer procuram os serviços de saúde. Morrem em casa.