Não é de hoje que o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) conta com uma infinidade de grupinhos ao seu redor. Trata-se, afinal, de uma contradição dos partidos hiper-oportunistas: embora o programa seja flexível ao ponto de permitir o ingresso de qualquer pessoa, os seus xerifes acabam se cartelizando entre si para impedir que facções concorrentes disputem seu espaço. Assim, entre psolistas filiados e psolistas não filiados, a pequena burguesia vai encontrando seu lugar ao sol.
O PSOL é o partido da liberdade de não ser socialista. Nesse sentido, permite um espectro bastante amplo em suas fileiras. Não é à toa, portanto, que a legenda serviu de abrigo para o latifundiário João Alfredo e para o “negro, pobre e de periferia” Wesley Teixeira, do Rio de Janeiro (embora ambos sejam financiados pelos bancos). E, se em suas fileiras já há tanta diversidade, o que dirá dos seus satélites? Sendo o PSOL a expressão mais bem acabada da esquerda pequeno-burguesa brasileira, podemos encontrar sob sua órbita, em graus diferentes de oportunismo e centrismo, os stalinistas da Unidade Popular (UP) e do Partido Comunista Brasileiro (PCB), os autodeclarados trotskistas Transição Socialista, Movimento Revolucionário dos Trabalhadores (MRT) e Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), uma série de organizações universitárias, como é o caso do RUA – Juventude Anticapitalista, dirigentes sindicais das centrais sindicais de brinquedo CTB, CSP/Conlutas e Intersindical e uma quantidade astronômica de intelectuais e artistas sem qualquer vínculo com a classe operária, como é o caso de Caetano Veloso e Gregório Duvivier.
O que todas esses setores, contudo, teriam em comum, além de pertencerem à pequena burguesia? Simples: todos criticam o Partido dos Trabalhadores (PT) pela sua política de conciliação de classes e, por se considerarem “revolucionários”, propõem uma “saída à esquerda” para a situação política. Mas seria o PSOL, de fato, uma saída?
Não, o PSOL nem é uma saída, nem nunca foi uma saída. Como seu próprio nome indica, a legenda nunca se propôs seriamente a ser um partido dos trabalhadores que defende um programa revolucionário, mas sim um partido bastante conservador que defende um revisionismo do socialismo. Em outras palavras, um antissocialíssimo, visto que a defesa da “liberdade” em abstrato é a defesa da democracia burguesa. O PSOL é uma federação de grupos pequeno-burgueses que, como tais, apenas buscam perpetuar os seus privilégios no regime político.
1 – Guilherme Boulos e a “frente ampla”
O candidato do PSOL na cidade mais importante do País nestas eleições municipais é Guilherme Boulos, figura que não teve qualquer receio em assinar manifestos junto a Fernando Henrique Cardoso, Luiz Felipe Pondé, Demétrio Magnoli e outros bandidos políticos. Boulos defende o armamento da Guarda Municipal, a presença da polícia nas periferias e alegou que não iria “demonizar” os empresários. Em troca de um apoio da burguesia para tirar votos do PT e ganhar alguma projeção na Folha de S.Paulo, Boulos fez uma série de acordos com o Judiciário e João Doria (PSDB) para impedir o desenvolvimento dos atos pelo Fora Bolsonaro.
Boulos é apoiado direta e entusiasmadamente pela UP, pelo PCB e pelos intelectuais pequeno burgueses. O MRT apoia o candidato de maneira supostamente crítica.
2 – Wesley Teixeira
Candidato a vereador de Duque de Caxias (RJ), Wesley Teixeira passou a se tornar conhecido por ter recebido generosas doações de banqueiros. Entre eles, Armínio Fraga. Marcelo Freixo, que foi candidato pelo PSOL em 2016, apoiado pelo PCB, disse que, se Teixeira fosse punido, ele sairia do partido. Guilherme Boulos apenas desejou “boa sorte” ao rapaz.
O PCB simplesmente retirou seu apoio ao candidato no Rio de Janeiro. Contudo, o PSOL é financiado pela burguesia em todo o País, coisa que o PCB decidiu ignorar. O grupo psolista Esquerda Marxista lançou longa nota dizendo que os filiados do PSOL deveriam “se levantar” contra a chantagem de Freixo. Não foi registrado levante algum.
3 – João Alfredo
No Mato Grosso do Sul, o PSOL foi ainda mais ousado que em Duque de Caxias. Em vez de lançar um candidato supostamente “de periferia” financiado pelos capitalistas, a legenda decidiu lançar, diretamente, um inimigo do povo: João Alfredo, latifundiário candidato a prefeito de Ribas do Rio Pardo.
Nenhum dos satélites do PSOL se manifestou.
4 – “Deus acima de todos”
O caso mais bizarro das eleições municipais deste ano, contudo, vem da cidade de Várzea Grande, no Mato Grosso, onde o PSOL lançou como candidato a vereador o policial aposentado Flecha. Em entrevista à imprensa burguesa, o candidato disse:
“Apoiei o presidente porque o meu partido é Brasil, não é partido vermelho. E o meu partido agora é Várzea Grande. Acima de tudo Brasil e Deus acima de todos e família”.
Novamente, os satélites seguiram sua órbita em silêncio.
5 – “Em defesa da vida”
A primeira candidatura do PSOL à presidência da República foi a alagoana Heloisa Helena. Paparicada pela burguesia para diminuir a votação do PT em meio ao caso do Mensalão, a candidata se tornou a principal liderança do movimento anti-aborto da época. A candidata foi apoiada pela “frente de esquerda”: PSOL, PCB e PSTU.
6 – Lava Jato
Em 2014, o PSOL lançou outra candidata mulher à presidência da República: Luciana Genro, também impulsionada pela imprensa burguesa para atacar o PT durante o processo de golpe de Estado. Pouco depois da campanha presidencial, Luciana Genro viria a se destacara como uma das maiores defensoras da farsa da Lava Jato. Grupos como o PSTU e o Transição Socialista viriam também a ecoar a campanha histérica da pequena burguesia contra a “corrupção” do PT.
7 – Hilton Coelho
O PT nunca governou a cidade de Salvador. E, no que depender da burguesia, nunca vai. Neste ano, em que a direita está completamente desmoralizada por ter apoiado o golpe de 2016, a burguesia preparou uma operação especial para impedir o PT de ganhar a capital. Pressionou o governador Rui Costa a lançar como candidata a prefeita a major Denice Santiago, ligada a partidos fisiológicos como o PSD, para desmoralizar completamente o PT perante sua militância. Ao mesmo tempo, está impulsionando a candidatura de Hilton Coelho, do PSOL, para tirar votos do PT. Recentemente, o PSTU decretou seu “apoio crítico ” à candidatura psolista.
Radical, revolucionário, saída pela esquerda, apoio crítico… mil e uma desculpas para o oportunismo
Os casos citados não constituem propriamente exceções, mas propriamente a regra do que é o PSOL: um partido sem programa, sem princípios, controlado pelos elementos mais carreiristas e pequeno-burgueses, sobretudo aqueles com vínculo mais direto com a burguesia, como no caso dos parlamentares. Um partido que, por sua própria estrutura e por sua própria composição, está fadado a ser um partido de colaboração de classes.
As organizações que criticam a política do PT e se colocam a reboque do PSOL estão, portanto, praticando uma verdadeira fraude: as capitulações e conciliações do PSOL apenas se dão em menor grau porque nunca esteve propriamente no governo. No entanto, é preciso destacar que a colaboração praticada pelo PSOL é muito mais desmoralizante que aquela praticada pelo PT, pois o PSOL é um partido da pequena burguesia, sem qualquer força política real, enquanto o PT é um partido com uma grande base popular. Isto é, se a política da burocracia do PSOL for direitista, não há possibilidade de suas “bases” mudarem essa orientação. Se, por outro lado, a burocracia do PT toma um rumo direitista, o MST, a CUT e os trabalhadores que apoiam o partido têm condições de empurrar o partido para outra posição. É justamente por isso, inclusive, que, para a burguesia, o PT é um partido muito mais perigoso que o PSOL. E que, portanto, a pressão contra o PT é muito maior que a pressão contra o PSOL.
Nesse sentido, quem rompe com o PT e passa a orbitar o PSOL não parte para uma posição revolucionária. Mas apenas encontra uma versão supostamente mais esquerdista e mais palatável para o regime da política podre da colaboração de classes.
Os grupos que procuram se apresentar mais radicais que o próprio PSOL — mas que, no fundo, são apenas a expressão mais radical da mesma política oportunista — são a maior prova da desorientação política total da esquerda pequeno-burguesa neste sentido. Em artigo publicado neste ano, o Transição Socialista pedem aos “revolucionários” que saiam do PSOL: “convidamos os revolucionários do PSOL a sair do partido e a iniciar uma discussão programática, tendo em vista a construção de uma nova organização revolucionária no Brasil”. Isto é, mesmo no momento de criticar o PSOL, o agrupamento considera que a legenda é formada por “grandes revolucionários”. A questão que fica é: se o PSOL é um partido de revolucionários, por que sua política não é revolucionária? Se o PSOL é formado por revolucionários, por que eles não colocam o partido a serviço da revolução? Ora, porque o PSOL nunca foi um partido concebido para ser um partido revolucionário, nem fundado por revolucionários. O PSOL nunca representou uma “tendência de reconquista de terreno por parte da ala à esquerda”, como alega o Transição Socialista, mas sim um grupo de parlamentares dispostos a disputar os espólios do PT.
O Transição Socialista ainda se mostra saudoso das campanhas eleitorais do PSOL nos anos de 2014 e 2010: “se nas campanhas presidenciais de Plínio de Arruda Sampaio e Luciana Genro havia espaço no PSOL para se falar de socialismo – melhor na primeira campanha, pior na segunda –, ao final de 2018 o oportunismo político se tornou hegemônico”. A consideração, completamente delirante, apenas comprova que, quanto mais pequeno-burguês, carreirista e oportunista for o PSOL, melhor para seus satélites.
As teses do Transição Socialista ficam ainda mais bizarras quando o grupo decide criticar o PSOL por ser “PSOL de menos” e chama voto naquele que deveria ser o PSOL “raiz”, um grupinho pequeno-burguês sem vínculo algum com o PT: “como já argumentamos, os lutadores honestos que seguem no PSOL hoje apenas dão um verniz de esquerda a esse partido. A direção até os usa para fingir que há no PSOL algo de radical. Muito melhor seria se os revolucionários saíssem desse partido e ajudassem a conformar um polo realmente independente da burguesia, proletário, revolucionário, marxista. Não falamos em nome do PSTU, claro, mas cremos que ele generosamente (como já fez conosco) cederia legenda democrática a tais lutadores organizados fora do PSOL”.
Outro caso bastante curioso é o do MRT:
“Essas alianças mostram que o PSOL está longe de saber que para derrotar Bolsonaro, Mourão e os golpistas a esquerda não pode repetir a conciliação do PT. Que tipo de combate à extrema direita se pode fazer aliando-se com a base de apoio de Bolsonaro? Em muitos lugares o PSOL defendeu ampliar suas coligações com o suposto argumento de combater a extrema direita. Na verdade, o que vemos agora é que isso não passa de demagogia eleitoral e uma vergonhosa repetição do fisiologismo existente na política brasileira”.
Quem se deparasse com a crítica do MRT ao PSOL, entenderia que o grupo condena veementemente o partido da liberdade de não ser socialista. Mas isso não é verdade: apesar de criticar as alianças do PSOL para aparentar radicalismo, o MRT está, há anos, tentando entrar no PSOL:
“A Executiva Nacional do PSOL negou nossa entrada, protelando a discussão para março ou abril do ano que vem e somente garantiu que permitiria a filiação de alguns militantes nossos para poderem se candidatar nas eleições em 2016. O argumento foi que era necessário ver o nível de acordo “programático” que havia”.
“Estamos junto a outros setores do PSOL que defendem que é necessário maior abertura aos revolucionários e maior dureza contra os oportunistas. Para nos, nenhum destes representantes de partidos burgueses deveriam ter lugar no PSOL”.
A Unidade Popular, oriunda do stalinista Partido Comunista Revolucionário, obteve registro recente, mas foi incapaz de mostrar, até agora, qual a contribuição efetiva que a agremiação pretende dar para a luta dos trabalhadores. Na maioria das capitais do País, a UP ficou vergonhosamente a reboque do PSOL, lançando candidatos praticamente apenas onde o PSOL não tinha candidato. Trata-se de um partido, portanto, que já nasceu dependente. Muito mais do que um satélite, é, na verdade, um apêndice do PSOL.
E toda a fantasia “revolucionária” da UP, no fim das contas, acaba se mostrando um disfarce para a sua política suja da “frente ampla”. O partido está coligado com setores golpistas, como o PDT e o PSB, e considera Marcelo Freixo, o defensor das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs) e “padrinho” do candidato de Armínio Fraga, como um candidato popular: “a candidatura do atual deputado foi desenvolvida sobre ampla unidade das esquerdas e outros setores democráticos, ganhando as massas populares em vários bairros. Construiu-se um programa que apontava contra as elites locais, como os empresários de ônibus e empreiteiros; chamava o estímulo da organização de base, com a proposta de conselhos de bairros”. Faltou apontar, contudo, que Freixo é apoiado pela Rede Globo e pela Revista Veja.
Para defender os interesses da classe operária, é preciso, portanto, construir um partido verdadeiramente revolucionário, e não uma federação de elementos anarquistas conservadores. E é nesse sentido que o PCO tem sido o partido que mais cresce com a luta contra o golpe: atrai para si os setores mais combativos, tem uma linha política bem definida e coerente, apresenta uma proposta de intervenção em todos os acontecimentos, combate todas as manifestações da colaboração de classes e tem um funcionamento hostil a todo tipo de tendência oportunista.