Há alguns anos, a imprensa capitalista, com todo o seu cinismo, mostrou-se escandalizada com o fato de que Tiririca teria obtido mais de um milhão de votos para deputado federal. Ora, mas como seria possível um palhaço — literalmente —ter sido eleito para uma casa tão respeitada como a Câmara Federal? A “casa do povo”, onde são elaboradas as leis do País, não poderia ter, entre seus representantes, alguém que admitia não saber a função de um deputado federal e que tivesse como lema “pior que está não fica”. Será mesmo?
É óbvio que não. A Câmara dos Deputados é um verdadeiro circo. De horrores, sim. Mas também de ridículo. Seus representantes são os elementos mais desqualificados da sociedade — representam, finalmente, o esgoto cultural e humano de toda a sociedade capitalista. Ser deputado no atual no regime não é transformar os interesses do povo em lei — caso contrário, não haveria reforma da Previdência, reforma trabalhista ou PEC dos Gastos. O parlamentar burguês é aquele que, obrigatoriamente, irá fazer de sua carreira a defesa do que há de pior para o povo, por mais impopular que isso seja. É condição sine qua non para integrar o regime político.
E que tipo de pessoa iria dedicar sua carreira a ser um capacho da burguesia? Só poderia ser um indivíduo rebaixado, sem qualquer caráter, facilmente corruptível. Em uma só palavra: nojento. Aquele que acha que a vida dos trabalhadores, bem como seus direitos, sua cultura e suas riquezas são alienáveis, é um homem de preço. E quem se vende por muito, vende-se também por pouco. Basta um pouquinho de pressão.
Um palhaço de circo na Câmara não deveria escandalizar a sociedade. Tiririca apenas expôs a bizarrice da burguesia de maneira mais clara. Mas há muito mais escândalos que a imprensa burguesa ignora todo dia…
O presidente da Câmara dos Deputados, portanto, não é “o mais nobre dos nobres”. É apenas o rei do esgoto. O comandante de todo o teatro podre da burguesia, que veio do próprio esgoto, é conivente com todas as práticas do esgoto e fede ainda mais que todos os demais juntos, pois conta com o apoio de todos os ratos para manter a casa eternamente imunda.
Nos últimos anos, Rodrigo Maia (DEM-RJ) conseguiu ocupar o cargo de rei do esgoto. Mesmo sendo vedada a reeleição, Maia conseguiu ficar por três mandatos. E provavelmente seria eleito para o quarto, se os conflitos no interior da direita nacional não tivessem levado o Supremo Tribunal Federal (STF) a inviabilizar sua candidatura. Uma espécie de Nhonho, que se nega a dividir sua comida.
Durante quatro anos, Maia foi um dos principais articuladores de todos os ataques do regime político contra a classe trabalhadora. Ataques desde o ponto de vista dos direitos puramente trabalhistas, como no caso da reforma trabalhista, passando por ataques contra os direitos democráticos, como a lei da criminalização das “fake news”, e por ataques contra o patrimônio nacional, como a privatização da água, até mesmo ataques contra as condições de vida mais elementares da população, como o descaso total diante da pandemia.
Junto com sua gula nos ataques ao povo, Maia também se destacou por seu comportamento bizarro. Por mais que use terno e gravata, que fale “vossa excelência”, o atual presidente da Câmara é uma besta fera. E um dos aspectos que comprovam isso é o seu costume sádico de chorar de emoção quando disfere seus ataques.
Quando aprovada a reforma da Previdência, o poeta e cordelista Alan Salles escreveu:
“Vi chorar Rodrigo Maia
O que não causou surpresa
Um arauto do atraso
Do burguês sempre em defesa
E por que não me apavora?
Crocodilo também chora
Destroçando sua presa”
Mas não foi somente na aprovação da reforma da Previdência — leia-se expropriação da aposentadoria dos trabalhadores — que Rodrigo Maia chorou. Em várias outras vezes, todas elas em momentos de desgraça para o povo, Maia chorou em público:
- Em rápido discurso no aniversário de Onyx Lorenzoni (03/10/2019)
- Após ser elogiado por Alexandre Frota (20/08/2019)
- Nas três vezes em que se elegeu presidente da Câmara dos Deputados (13/07/2016, 02/02/2017, 01/02/2019)
- No impeachment de Dilma Rousseff (17/04/2020)
- Na votação do Fundeb (22/07/2020)
Na votação do Fundeb, a esquerda chegou a fazer propaganda de que isso seria uma pauta progressista. Uma “vitória da educação”, sendo que não havia qualquer mobilização de estudantes e professores naquele momento. Pelo contrário: toda a burocracia do movimento estudantil e do movimento sindical estavam escondidos debaixo da cama.
Mais recentemente, após votação ocorrida no dia 10 de dezembro, isso ficou ainda mais claro: o Fundeb será utilizado para os golpistas destruírem de vez a educação. Agora, cerca de R$4 bilhões que iriam ser utilizados para educação pública estão sendo destinados para salvar os cofres da Escola Privada.
As lágrimas de Maia, portanto, nunca erram: sempre anunciam vantagens para os capitalistas e catástrofe para o povo.
O próximo choro de Rodrigo Maia deverá acontecer no início de 2021, quando deverá eleger algum aliado para sucedê-lo na presidência da Câmara dos Deputados. Ensaiando o momento da vitória, seus aliados já chegaram até a escrever uma cartinha, assinada pelo “bloco dos onze” — isto é, os onze partidos que decidiram apoiar a candidatura de Maia nas próximas eleições da Câmara. Diz um trecho “emocionante” da carta:
“Enquanto uns cultivam o sonho torpe do autoritarismo, nós fazemos a vigília da liberdade. Enquanto uns se encontram nas trevas, nós celebramos a luz”.
Afirmar que Maia é “a luz” é uma cretinice sem tamanho. E é por isso que o papel da esquerda não pode ser o de apoiar, em medida alguma, a política de Rodrigo Maia. Colocar-se a reboque do DEM, do MDB e do PSDB é, finalmente, anular-se politicamente. O exato oposto do papel da esquerda, que deveria ser o de erguer um programa de reivindicações em defesa do povo trabalhador.
E defender os trabalhadores passa, obrigatoriamente, por dizer quem são os seus inimigos e mobilizar os trabalhadores para combatê-los. O papel da esquerda é, sim, trazer muitas lágrimas para Rodrigo Maia. Mas não por emocionar-se com as votações imundas no parlamento. Mas sim ao ver todo o império da burguesia desmoronando.