Embora já transcorridos cinco dias desde o Primeiro de Maio, o debate sobre os acontecimentos em torno dessa data continuam de extrema relevância. Afinal de contas, mais do que nunca, o dia internacional de luta dos trabalhadores expressou o abismo entre a política revolucionária da classe operária e a política de conciliação com os golpistas promovida pelas direções pequeno-burguesas da esquerda nacional. É justamente com o intuito de aprofundarmos essa discussão que destacamos as ideias contidas no artigo “O bom exemplo do 1º de Maio unificado”, assinado pelo articulista João Guilherme Vargas Netto e publicado no portal Vermelho, no dia 4 de maio.
Em vários momentos, o articulista elogia o primeiro de maio organizado pelas centrais sindicais, qualificando a iniciativa como bem-sucedida:
“O importante 1º de Maio eletrônico das centrais sindicais, que foi um êxito, ilustra bem a platitude acima. (…) Para que o exemplo frutifique e para que se fortaleça a relevância do ato e do movimento sindical (…)”.
Ao leitor crítico, no entanto, caberia perguntar: onde está o êxito de tal ato? Se o ato foi tão vitorioso a ponto de se tornar um exemplo para a mobilização dos trabalhadores, por que é que não se encontra nenhum resultado concreto dessa iniciativa supostamente gloriosa?
Vargas Netto não responde a essas questões em seu artigo — até porque não há resposta honesta que se coadune com esses elogios ao ato. O ato de primeiro de maio organizado pelas centrais sindicais não foi um ato de fato — não mobilizou ninguém, não serviu, em nenhuma medida, para demonstrar a insatisfação da população com o governo Bolsonaro, muito menos a disposição de derrubá-lo. Não foi um ato dos trabalhadores, um ato de classe, mas sim uma enfadonha transmissão de discursos de uma ou outra liderança do movimento operário intercalados com apresentações musicais e com a participação grotesca de políticos burgueses, conforme admitido no próprio texto que estamos criticando:
“Durante a jornada garantiu-se a grade de participação e irradiação com os números musicais e de solidariedade e com importantes pronunciamentos de dirigentes sindicais e de políticos”.
Evidentemente, não há vitória alguma nisso. Os trabalhadores estão em um dos momentos mais dramáticos que a história brasileira já testemunhou. Uma doença que tem matado centenas de pessoas por dia está sendo acompanhada de ataques brutais, como a suspensão e redução de salários, a implementação da carteira verde-amarela, privatizações, demissões etc. Enquanto o número de mortos pelo coronavírus já vai alcançando sua primeira década de milhar, o total de desempregados no país deverá chegar a 20 milhões em pouco tempo. O ato, feito das salas de estar dos convidados pelas centrais sindicais, não contribuiu minimamente para que a burguesia se dispusesse a abrir mão de seus planos macabros.
Até o momento, discutimos apenas os motivos pelos quais o ato de primeiro de maio das centrais sindicais não pode ser considerado vitorioso. No entanto, é preciso ir muito mais além na crítica: o ato representou um gigantesco retrocesso das maiores organizações de massa em relação à luta contra o golpe, que vem se desenvolvendo há mais de cinco anos. Sem nenhum pudor, os dirigentes do movimento sindical aceitaram dividir o palanque com os inimigos da classe operária, como é o caso de Fernando Henrique Cardoso, de Ronaldo Caiado e de Rodrigo Maia — os dois últimos, embora não tenham participado do ato, foram convidados.
Nesse quesito, Vargas Netto peca novamente pela omissão. Se antes omitiu que não há vitória concreta contra a ofensiva da direita golpista após o primeiro de maio, omite também que os bandidos políticos citados acima foram de fato convidados. Apesar da vergonha da própria política, o articulista põe em seu texto, de maneira muito disfarçada, a defesa explícita da frente ampla — isto é, a frente com os inimigos do povo:
“Ele [o ato] foi preparado laboriosamente por inúmeras reuniões dos dirigentes e inúmeras conversas que valorizaram a ampliação democrática, por convites às personalidades e aos artistas e pela preparação da rede eletrônica que lhe deu suporte. ‘Saúde, emprego, renda e democracia’ foi o seu chamamento-síntese”.
Nessa passagem, embora o articulista evite dar nome aos bois — isto é, chama FHC de personalidade, em vez de utilizar seu verdadeiro nome —, a grande vitória e o grande exemplo clamados por Vargas Netto são finalmente esclarecidos. A vitória seria conseguir trazer a direita para uma frente com a esquerda, o que só é possível por meio de uma operação complexa, e o exemplo seria o palanque formado no primeiro de maio, que deveria ser repetido nas eleições futuras.
Fica claro, portanto, que o primeiro de maio é um exemplo para a direita, um exemplo de como conseguir encapsular o movimento popular em uma frente em que os trabalhadores não terão nada a ganhar. É preciso, portanto, que os trabalhadores rompam com qualquer perspectiva de frente ampla: é preciso organizar um movimento independente dos trabalhadores, um movimento que tenha como fim se livrar dos bandidos políticos que vêm sugando o sangue dos trabalhadores há tanto tempo.