Em matéria publicada pelo jornal golpista Folha de S.Paulo no dia 1º de dezembro deste ano, Cleo Monteiro Lobato, bisneta do grande escritor José Bento Renato Monteiro Lobato, afirmou que pretende reeditar a obra de seu bisavô para atender àquilo que considera como “aceitável” para a sociedade de hoje. Dito de outro modo, Cleo Monteiro Lobato pretende excluir, alterar ou reescrever parte da obra de um dos mais importantes autores do século XX, para que sua obra não seja rotulada como preconceituosa.
Diz ela:
“Eu acho que há passagens problemáticas para quem lê os livros hoje em dia. A gente queria uma versão atualizada, cujo teor fosse compatível com os valores sociais contemporâneos, mas que mantivesse o estilo do Lobato; (…) Eu queria que essa versão provocasse essa discussão que provocou, que não é sobre o Lobato, mas sobre o racismo estrutural no Brasil. Essa é a intenção.”
Cleo Monteiro Lobato não seria a primeira a caracterizar a obra de seu bisavô como racista, nem mesmo a primeira a se propor a reeditá-la. Na verdade, como a obra do autor se tornou parte do domínio público recentemente, o debate sobre o caráter supostamente preconceituoso de sua obra tem aparecido sistematicamente.
Esse tipo de debate bizarro faz parte de uma onda da esquerda pequeno-burguesa e identitária, que decidiu, diante de sua capitulação para a política do imperialismo, travar uma guerra moral contra a produção cultural da humanidade, ao invés de travar uma luta política contra a opressão real. Como parte dessa onda, podemos citar os recentes incentivos à derrubada de monumentos de escravagistas, enquanto os escravagistas modernos eram deixados impunes. O caso dos Estados Unidos, que gerou todo um impulso para essa política, é bastante esclarecedor: a discussão sobre derrubada de estátuas veio justamente quando a população estava se enfrentando violentamente contra a polícia.
Outros casos que fazem parte do mesmo fenômeno vêm do cinema, em que diversas animações disponíveis na plataforma Disney+, como “Peter Pan” e “A Dama e o Vagabundo” estão recebendo uma série de “avisos” a seus expectadores sobre o suposto caráter “maligno” de seu conteúdo. Até mesmo o clássico “… E o Vento Levou” foi vítima desse tipo de censura. Como o futebol não deixa de ser um tipo de arte, podemos ainda estender essa onda direitista para os casos de Neymar e de Pelé, que foram destronados do posto de melhores do mundo no meio intelectual pequeno-burguês por causa de suas vidas privadas.
Trata-se, como a própria exposição dos casos já mostra, de uma política bárbara. Isto é, uma política que tem como fim a destruição da produção cultural da humanidade em troca de alguma satisfação moral. Se de fato a esquerda pequeno-burguesa está disposta a esse tipo de política, seria preciso considerar, em primeiro lugar, que se a obra de assassinos, adúlteros, ladrões e estupradores for excluída do catálogo cultural da humanidade, não sobrará pedra sobre pedra. A cultura é produzida por homens, e ninguém é obrigado a viver de acordo com os preceitos morais estabelecidos pelo homem de classe média. Em segundo lugar, é preciso considerar que a moral é relativa ao tempo e às condições sociais em que se vive. Por exemplo: Oscar Wilde, um importante escritor inglês, viveu um período em que era proibida a prática da homossexualidade. Por esse critério, portanto, sua obra jamais deveria ter sido publicada, pois o autor era homossexual.
A política de censura a Monteiro Lobato, bem como a qualquer outra obra, é uma política, no fim das contas, semelhante à política da Igreja Católica nos tempos mais sombrios da história da civilização. Tempos em que um determinado grupo dominante se achava no direito de jogar na fogueira aquilo que ia contra os seus interesses ou contra dogmas estabelecidos. No caso da esquerda pequeno-burguesa, a situação é ainda pior. Primeiro, porque ela não faz parte da classe dominante, e, portanto, ao invés de pedir mais repressão, deveria exigir plena liberdade para desenvolver a luta política contra o regime. E, por fim, porque, ao contrário da Igreja, que tem um código moral mais ou menos definido, ninguém sabe exatamente quais são os critérios morais dos identitários.