Em março, depois que Breonna Taylor, uma profissional de saúde afro-americana, de 26 anos, foi morta com oito tiros em sua casa, enquanto dormia, por investigadores brancos do departamento antidrogas da polícia de Louisville, no Kentucky. Em seguida os movimentos antirracistas iniciaram um acampamento de protesto contra o racismo e a violência policial no Jefferson Square Park, naquela cidade. Com o assassinato do afro-americano George Floyd, de 46 anos, em maio depois de detido e algemado, por outro policial branco de currículo fascista e racista que o ficou sufocando por nove minutos com o joelho no pescoço, o movimento ganhou amplitude e os manifestantes continuaram acampados no parque enquanto o movimento antirracista Vidas Negras Importam se espalhava pelos EUA e outros países.
Na semana passada, autodenominados “grupos de patriotas armados”, espécie de milícia de extrema direita, prometeram, pelas redes sociais, que apareceriam no sábado para acabar com o movimento negro. O prefeito da cidade chegou a pedir para que os fascistas brancos não fossem ao parque, mas em vez de proteger os manifestantes e colocar a polícia contra os que estavam ameaçando o movimento, deixou a milícia seguir em frente.
No sábado (26) aconteceu o que se podia prever, os fascistas brancos assassinaram um manifestante e feriram outro.
Em 1966, quando a polícia de Oakland, na Califórnia, estava em um processo de violência crescente conta os negros, os negros de esquerda daquela região, aproveitando uma brecha na legislação local, organizaram o Partido Pantera Negra para Autodefesa, uma organização socialista armada que enfrentou a polícia e fez recuar o sistema racista
A história dos Panteras Negras está gravada na luta dos negros e do movimento operário norte-americano. Tanto para mostrar os limites da democracia norte-americana, pois o aparelho de estado se mobilizou todo contra os negros, como para indicar o único caminho possível para superar o racismo. Muitos da esquerda negra e operária achavam (e ainda acham) que há caminhos institucionais para superar o racismo, com educação e prosperidade econômica.
O racismo continua uma marca forte da democracia norte-americana, e se amplia. Agora são os negros afro-americanos e ou outros “negros”, como os latinos. Aos que apostam na prosperidade econômica para superar o racismo e mostram alguns negros ricos, a economia norte-americana mostra que mais de 140 milhões vivem com renda insuficiente para sobreviver com dignidade, são 43% da população. E dentro desse grupo, são 40 milhões de miseráveis, indigentes e famintos. Desde que começou a ser medida, a desigualdade de renda nos EUA não esteve tão alta. O índice de Gini, usado para verificar a distribuição da riqueza de um país, quando é igual a 0, a igualdade é total, quando é igual a 1, a desigualdade é total. Quando começou a se medir a desigualdade de renda usando esse índice, há mais de 50 anos, o índice era de 0,397, agora o índice está em 0,485 (em 2018). Isso mostra uma crescente desigualdade no país que é apresentado como o jardim da prosperidade.
No Brasil, as elites sempre temeram a autodefesa dos oprimidos. No final do século XIX e até 1937, a prática da capoeira foi considerada um crime porque a polícia morria de medo dos grupos capoeiras que eram capazes de se defender da violência policial. Em 2019 o deputado Rogério Peninha Mendonça (MDB/SC) apresentou uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 100/19) “para introduzir como direito fundamental o exercício da legítima defesa e os meios a tanto necessários”. A proposta segue em análise, mas parte da esquerda acredita que somente servirá para legalizar as milícias. O Ministério Público Federal apresentou a Nota Técnica nº 16/2019 afirmando que essa proposta é inconstitucional, argumentando que “visto que o uso da força legítima é um atributo do Estado – a quem compete, também com exclusividade, a defesa do direito à vida”.
O movimento operário, os movimentos sociais e a população das periferias sabe, na carne, o que significa o monopólio da força pelo Estado. E também sabe que esse monopólio é compartilhado com milícias e grupos armados legalizados (como as empresas de segurança) e ilegais (como traficantes e milicianos) que se voltam sempre contra a população, por isso se sabe que são uma espécie de exército industrial de reserva do fascismo.
A autodefesa dos oprimidos, como se mostrou em muitos países, é uma forma de garantir a verdadeira defesa dos trabalhadores, dos negros e dos indígenas. Ela deve estar articulada com a organização política dos trabalhadores e avançar sobre todos os meios que matam e aprisionam os movimentos, suas lideranças e as populações periféricas. A autodefesa não se constrói da noite para o dia, é parte de um processo de consciência de luta popular que precisa estar integrada à ação política dos movimentos, organizando a segurança dos atos públicos, das passeatas e manifestações e avançando no ritmo que for possível em consonância com a política dos movimentos e partidos. Negar a autodefesa é um crime contra os movimentos e uma forma de se aliar aos inimigos dos trabalhadores. Isso é verdade aqui, no Brasil, como o é nos EUA.