Nos últimos dias, um caso de extrema violência ganhou a comoção nacional e colocou numa pauta central uma das principais reivindicações das mulheres e dos partidos de esquerda: o direito ao aborto. O caso em questão ocorreu no Espírito Santo, onde uma criança de 10 anos sofria abusos sexuais do tio e assim acabou engravidando, onde seria necessário realizar o procedimento do aborto, sendo nesses casos um direito garantido por lei, por mais que restringida, afinal além de se tratar de uma criança a gravidez era fruto de um estupro. O ocorrido poderia ter ganhado o enfoque no fato de ser algo tão violento contra uma criança, mas o que realmente chamou a atenção foi a reação raivosa da extrema direita contra a criança e consequentemente contra todas as mulheres. Primeiramente a criança precisou se deslocar para outro estado para realizar o procedimento, saindo do Espírito Santo para o estado de Pernambuco, já que o procedimento foi a ela negado dentro do seu próprio estado, numa atitude completamente reacionária. Como se já não bastasse a humilhação, a garota e o médico que realizou o procedimento foram obrigados a se depararem elementos da extrema direita na porta do hospital dizendo palavras de ordem “pela vida” e chamando tanto a garota quanto o médico de “assassinos”, uma verdadeira barbárie fascista.
O ataque fascista em questão não é algo isolado, nos últimos anos as mulheres têm sofrido várias ofensivas da extrema direita contra os seus direitos básicos, principalmente o aborto, sejam em manifestações públicas completamente violentas como foi o caso recente que vemos, seja pelas vias institucionais, a extrema direita tenta minar de todas as formas os direitos das mulheres e agem de forma tão reacionária que querem colocar a sociedade na Idade Média novamente. A lei que garantiu que a garota abusada tivesse o direito de realizar o aborto, mesmo com tantos percalços, é dos anos de 1940, que garante o aborto em casos de estupro, ou quando a gravidez oferece riscos a vida da mãe e também em casos de fetos anencéfalos. Mas, com a escalada da extrema direita, principalmente nos âmbitos políticos, até mesmo essa lei tão restringente está sendo ameaçada. Somente em 2019, 28 propostas em Projetos de Lei (PL) foram colocadas à câmara com pautas relacionadas ao aborto, onde 12 delas buscavam restringir ainda mais os direitos a interrupção voluntária da gravidez pelas mulheres, sendo que o PSL, ex partido de Bolsonaro, foi responsável por seis desses projetos. Desde 1949 até agosto de 2019 foram apresentadas 275 propostas que envolviam a palavra aborto, mas durante as décadas os direcionamentos quanto a esse direito das mulheres foram se modificando, deixando de serem pela legalização em amplas situações – na década de 90 isso representou 40% das propostas apresentadas – para um discurso mais reacionário e punitivista com o fim do direito já existente e punições mais severas para quem pratica em situações não permitidas – nos anos de 2010 isso representou 44% das propostas apresentadas, muito mais do que os 6% registrados na década de 90- , ou seja, com o passar dos anos as propostas ficam cada vez mais contra as mulheres, e não o contrário.
Os absurdos apresentados são muitos, desde obrigar as mulheres estupradas a levarem adiante a gravidez do seu abuso, como também a proibição da prescrição de métodos contraceptivos como DIU (dispositivo intrauterino) e pílulas do dia seguinte e progestógeno (minipílula), um verdadeiro retrocesso ultra reacionário. Isso se deve a dois fatores, a escalada da extrema direita e também uma maior participação religiosa dentro das esferas políticas, como por exemplo, o acordo entre representantes do governo brasileiro e do Vaticano firmado em 2007 para as normas de atuação de religiosos no país, o que deu mais poder para a Igreja Católica dentro do Estado, além do grande aumento de representantes das alas protestantes do cristianismo, formando a tão famosa Bancada Evangélica dentro do congresso, abandonando assim toda a idéia do Estado Laico tão reivindicado para tratar assuntos “polêmicos” perante a sociedade conservadora.
A hipocrisia destes setores da sociedade é muito claro quando analisamos seus posicionamentos perante os problemas sociais, demonstrando que não há outra preocupação a não ser com as suas questões conservadoras e reacionárias. Aqueles que apedrejaram com seus insultos a garota e o médico em Pernambuco se intitulam “pró vida” e preocupados com o feto, mas deixaram de lado a vida concreta que estava diante dos seus olhos sofrendo por anos e ainda sendo obrigada a ser acusada de assassinato. Ninguém dessas alas se preocupou com os danos psicológicos feitos a essa criança e o quanto isso poderia piorar se a gravidez fosse levada adiante, nem houve preocupação em garantir que essa criança pudesse levar uma vida infantil normal como todas as outras podem levar. Sugeriram como solução levar a gravidez até o final e depois colocar o bebê para adoção, mas ninguém se preocupou o quanto isso seria um risco a vida da menina e o quão traumatizante poderia ser o parto, e também o que poderia acontecer com o bebê depois, que certamente saberia do caso e de como ele chegou até a sua nova família. Isso só mostrou o caráter “pró nascimento” da extrema direita, em que por questões morais e sem fundamento se dizem os preocupados com a vida, mas ignoram a realidade dura e concreta de todas as mulheres que precisam se submeter a um aborto, além de ocultarem a culpa do verdadeiro culpado nessa situação, que foi o estuprador, não o médico e muito menos a criança.
Todos esses projetos que tentam restringir o direito das mulheres e até mesmo criminalizá-las mostram o verdadeiro projeto que a extrema direita tem para com as mulheres, agindo de forma ultra reacionária e de forma alguma progredindo para sua emancipação dentro da sociedade, muito pelo contrário, essas políticas propostas são a mais completa demonstração de como a extrema direita é repressiva, atrasada, reacionária e inimiga das mulheres. A luta das mulheres pela sua emancipação e liberdade dentro da sociedade está inteiramente ligada à luta contra a extrema direita e o fascismo, que são os piores inimigos das mulheres. Por isso, a luta das mulheres se dá contra esses ataques e qualquer projeto que imponha como a sua vida deve ser regida, principalmente em um campo tão importante que é a maternidade. O direito das mulheres ao aborto não é apenas uma questão de decidir sobre seu próprio corpo, mas também abrangem questões econômicas, sociais, de saúde pública e de emancipação social, e deve ser amplamente defendido. Não ao retrocesso contra as mulheres!