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Frente ampla x ala lulista

Balanço das eleições em Recife

Candidatura de Marília Arraes, do PT, levou a uma profunda crise na situação política local

Em termos numéricos, as eleições no Recife apenas refletiram o balanço geral das eleições municipais em todo o País: a esquerda foi derrotada na disputa majoritária e a direita ganhou a esmagadora maioria das cadeiras na Câmara de Vereadores. No entanto, se analisada em profundidade, as eleições na capital pernambucana permitem uma compreensão ainda mais clara da situação política, da estratégia da burguesia para as eleições de 2022 e da política da esquerda pequeno-burguesa.

As eleições deste ano foram marcadas por um aumento significativo de todo tipo de arbitrariedade que já vinha ocorrendo após o golpe de Estado de 2016. Embora a redução do tempo de campanha para 45 dias já tivesse sido implementada, a clausura de barreira, que expulsou a maioria dos partidos de esquerda das rádios e da televisão, bem como a mais absoluta censura na internet e as proibições grotescas dos atos de rua sob o pretexto da pandemia foram algumas das “novidades” da disputa de 2020. Todos esses métodos antidemocráticos e fraudulentos, que remetem à República Velha, foram utilizados com um claro objetivo: garantir que as eleições não expressassem a revolta do povo contra o governo Bolsonaro e o regime de conjunto, mas sim que servissem para aprofundar a ditadura dos golpistas.

Aliada a todo tipo de proibição, a direita procurou organizar, em todo o país, a outra face de sua política eleitoral: a formação de alianças entre os partidos de esquerda e a burguesia golpista, inimiga do povo. A manobra tinha um duplo interesse: por um lado, impedia que as candidaturas de esquerda fossem controladas pelos trabalhadores e se chocassem com todo o aparato antidemocrático montado para as eleições; por outro, que as candidaturas de esquerda se desmoralizassem tanto que acabassem sendo vergonhosamente derrotadas. Para executar essa manobra, a burguesia lançou mão, basicamente, de dois expedientes: incentivar o lançamento dos candidatos mais direitistas possíveis e forjar a formação da “frente ampla” entre a esquerda e os representantes da burguesia golpista.

Em praticamente todo o País, a esquerda seguiu a batuta da burguesia e capitulou para a política da “frente ampla”. O caso mais simbólico é o de São Paulo, onde toda a esquerda pequeno-burguesa apoiou o candidato de esquerda escolhido pela burguesia: Guilherme Boulos, o “líder” fabricado pela Folha de S.Paulo e pela Revista Veja. Boulos acabou indo para o segundo turno após uma verdadeira extorsão praticada, sobretudo, contra os militantes e eleitores do PT, que foram chantageados a abandonar o candidato de seu partido para votar no candidato da “frente ampla”.

Não é possível formar a “frente ampla” com qualquer candidato. Afinal, para a burguesia, a “frente ampla” só pode ser formada se a parcela da esquerda que compor a aliança for suficientemente dependente para que a classe dominante a controle. É por isso, por exemplo, que o ex-presidente Lula tem sido excluído de todas as tentativas de formar a “frente ampla”. E o próprio Lula, corretamente, também tem refutado a tal frente. No Recife, contudo, a “frente ampla” teve muita dificuldade de seguir em frente.

Isso porque a crise do PT em Pernambuco, onde o PT concentra parte importante de sua base nacional, é gigantesca. Há muito tempo, a política vergonhosa e direitista da ala comandada pelo senador Humberto Costa, que é justamente a política de “frente ampla” com a burguesia, tem entrado em choque com a base petista. Em 2018, quando a base do partido decidiu lançar Marília Arraes, uma candidata jovem, ligada à luta contra o golpe e apoiada por Lula, Humberto Costa impôs uma outra política: o apoio à candidatura golpista de Paulo Câmara, do PSB. Não houve, obviamente, qualquer ganho para o PT. Apenas para Humberto Costa: elegeu-se senador novamente, em troca de seu “favorzinho” ao PSB. Para isso, foi obrigado, inclusive, a apoiar, também para o Senado, o mais odiado governador das últimas décadas de Pernambuco: o direitista Jarbas Vasconcelos (MDB).

Nas eleições de 2020, diante da possibilidade da crise do partido explodir, o PT lançou Marília Arraes candidata à prefeitura do Recife. E isso, em si, dificultou bastante os planos da “frente ampla”: sua candidatura, por ser apoiada por Lula e ter um vínculo sólido com as bases do PT, tinha uma força muito grande, que inviabilizava, em grande medida, uma operação de extorsão semelhante à que foi feita em São Paulo. Isto é, mesmo a burguesia tendo organizado a “frente ampla” em torno da candidatura do PSB, não era possível convencer um único petista ou militante da esquerda de que a candidatura do PSB seria melhor do que a candidatura petista. Para tentar realizar a extorsão, a burguesia ainda colocou o PCdoB na “frente ampla”, mas de nada adiantou. Havia também a possibilidade de impedir que a candidatura petista chegasse ao segundo turno. A direita até tentou, promovendo a candidatura do golpista Mendonça Filho (DEM) e aumentando artificialmente a sua votação, mas também não teve sucesso.

A força da candidatura de Marília Arraes vinha muito mais da crise no estado e da tendência à polarização política do que propriamente de suas decisões individuais. Embora tivesse uma independência muito maior do que outros candidatos do PT, Marília Arraes partiu para uma série de acordos com o próprio regime político, o que acabou entrevando o desenvolvimento de sua candidatura. Isto é, se, por um lado, a radicalização da base do PT fez com que a candidatura de Marília Arraes se impusesse e tivesse condições de ir para o segundo turno, por outro lado, as limitações e contradições de um partido como o PT, e de uma candidatura pequeno-burguesa, como a de Marília Arraes, não impediram a fraude eleitoral. Ao mesmo tempo em que Marília Arraes conseguiu 27,90% dos votos no primeiro turno, resultando em uma das melhores votações a nível nacional do PT, a direita golpista (“centrão”, extrema-direita e oligarquias) obteve 71,64% dos votos. Uma fraude completa, que em nada corresponde a luta real entre o eleitorado lulista e o governo Bolsonaro.

Para conseguir falsificar os resultados — principalmente no caso do odiado ex-ministro da Educação Mendonça Filho (DEM), que teve 25% dos votos —, a burguesia contou com a proibição total dos atos de rua no estado, bem como uma série de manobras para tentar diminuir a polarização. A UP e o PCB, partidos que utilizaram largamente a farsa da unidade[eleitoral] das esquerdas para apoiar vigaristas políticos como Guilherme Boulos, não apoiaram Marília Arraes, lançando candidatura própria. A tão falada “frente de esquerda” foi completamente abandonada no Recife, tornando o cenário ainda mais difícil para Marília Arraes. Vale ainda destacar que, embora estivesse apoiando, em peso, a candidatura do PSB, a burguesia infiltrou seus “cavalos de Tróia” na candidatura de Marília Arraes. Partidos como o PSOL, o PMB e o PTC, que são favoráveis à “frente ampla”, entraram na chapa encabeçada pela petista.

Logo no início da campanha eleitoral, o PMB ameaçou abandonar a candidatura de Marília Arraes, partindo para uma chantagem explícita. E de uma coisa o leitor pode ter certeza: a chantagem não era para que a candidatura se tornasse mais combativa e denunciasse o governo Bolsonaro. Outro ponto importante é que a ala de Humberto Costa, que nunca escondeu ser contra sua candidatura, não rompeu publicamente com o partido, mas decidiu “apoiar” publicamente Marília Arraes, confundindo ainda mais a situação. Afinal, a ala direita do PT acabou entrando na campanha eleitoral, justamente para sabotar e dar a vitória ao PSB. O caso mais escandaloso é o de Oscar Barreto, funcionário do PSB dentro do PT que chegou a ameaçar abrir uma dissidência no partido para apoiar o candidato João Campos (PSB). Ele, junto com figuras como João da Costa, atacaram a candidatura de Marília Arraes a todo o momento, alegando que estavam apenas fazendo “críticas”. Logo após a eleição, Oscar Barreto culpou Marília Arraes pela derrota e ainda afirmou que ela deveria calçar o “chinelo da humildade” e não ser candidata em 2022.

Além de resultar em um clima direitista, avesso à polarização política, a presença desses elementos direitistas implantados pela burguesia foi comprovada no resultado final das eleições. Embora o PT tivesse lançado sua melhor candidata nos últimos 12 anos, Marília Arraes só conseguiu eleger uma única vereadora: Liana Cirne Lins. Além dela, se elegeram pelo PT o Professor Jairo Britto, um elemento centrista, que já era vereador havia vários anos, e Osmar Ricardo, da ala direita do PT — e irmão de Oscar Barreto! O PSOL, por outro lado, que não teve candidato majoritário, teve a sua maior votação para a Câmara de Vereadores: elegeu, de forma inédita, dois representantes. O PCdoB chegou a eleger dois vereadores, mas todos eles pela candidatura reacionária do PSB.

Assim, ao todo, a esquerda, no Recife, onde tinha a candidatura mais lulista, elegeu apenas 7 vereadores, sendo apenas um mais ligado à ala lulista do partido, três diretamente ligados à ala direita da esquerda pernambucana, e outros três mais centristas, mas que, justamente por não serem figuras de destaque, são bastante imprevisíveis. Quanto à direita, temos o seguinte resultado desastroso:

12 vereadores do PSB

4 vereadores pelo PP

2 vereadores pelo PODE

14 vereadores por partidos de direita que elegeram apenas um representante: PRTB, Solidariedade, DEM, Avante, PC etc.

No segundo turno, a burguesia intensificou suas manobras e escancarou a fraude eleitoral para dar a vitória à “frente ampla” encabeçada pelo PSB. Foram, finalmente, 56,27% dos votos para João Campos, contra 43,73% dos votos para Marília Arraes. Junto com o PSB, foram eleitos, diretamente, os seguintes partidos: PSB, PDT, MDB, Republicanos, PP PSD, PCdoB, Avante, Solidariedade, PROS, PV e REDE.

Em meio às operações para dar a vitória ao PSB, a burguesia utilizou todos os métodos que tinha na mão, incluindo a compra aberta de votos e a boca de urna. As eleições foram ainda mais nitidamente roubadas porque a polarização em Recife foi muito maior do que nos outros estados. Tanto é assim que, após as eleições, Marília Arraes não desejou boa sorte a seu adversário. Parte de seus aliados, inclusive, denunciaram a fraude.

A posição mais firme de Marília Arraes em comparação aos demais candidatos da esquerda, além do fato de estar apoiada na base lulista, também reside no fato de que ela é um membro da classe dominante. E, por isso, tem seus interesses mais definidos, indo até as últimas consequências para conseguir o que entende como necessário. As demais candidaturas, puramente pequeno-burguesas, acabam se mostrando completamente incapazes de seguir um enfrentamento porque, finalmente, não têm princípios sólidos, estão adaptadas, desejando boa sorte à direita, enfim legitimando as eleições, ao passo que Marília Arraes permanece denunciando a fraude e pedindo a anulação.

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