Em vídeo o ex-candidato à Presidência da República pelo PSOL, Guilherme Boulos fez o questionamento qual o remédio para derrotar o fascismo? Para o dirigente do Psol o remédio é unir “todo mundo” em uma frente ampla.
“Em primeiro lugar construir uma frente ampla contra o fascismo: é preciso enfrentá-lo, mas ninguém consegue fazer isso sozinho. A luta pela democracia não escolhe esse ou aquele aliado. Qualquer um, de qualquer partido, de qualquer lugar que esteja disposto para que o país não vire uma ditadura. Quem quiser lutar pela democracia que se apresente e entre.” (Café com Boulos, 24/5)
Como já foi criticado aqui no Diário Causa Operária( www.causaoperaria.org.br/frente-com-fascistas-nao-derrota-o-fascismo/), o vídeo demostra o desconhecimento de Guilherme Boulos do que seja o fascismo e mais ainda de como combatê-lo.
A visão de Boulos, e de boa parte da esquerda institucional, de que o fascismo seria tão somente a expressão do “ ódio” e da “ violência”, bem como a sua defesa da “ institucionalidade democrática” em abstrato serve para escamotear que a principal função do fascismo é atacar as organizações dos trabalhadores ou seja liquidar os vestígios da “ democracia operária” no capitalismo, conforme salientou o revolucionário russo, Leon Trotsky.
Felipe Neto: Frente Ampla com “qualquer um” e “ sem ressentimentos”
A ênfase de Boulos na frente ampla como “solução” ao bolsonarismo, não é nenhuma novidade na esquerda, é inclusive, infelizmente, a política predominante na esquerda na atualidade, tendo o PCdoB e a direita do PT como principais fomentadores.
Entretanto, a evolução da crise política vai demostrando de maneira cada vez mais evidente que a frente ampla não representa uma “ luta” contra o fascismo, mas pelo contrário, representa uma capitulação para a direita tradicional ( governadores, Rodrigo Maia, FHC), sendo que estes pretensos aliados não se opõem efetivamente a Bolsonaro, como ficou patente recentemente no acordo para congelar os salários dos servidores públicos.
O crescimento do questionamento da política oportunista de uma frente ampla com “Qualquer um, de qualquer partido, de qualquer lugar que esteja disposto” pode ser sentido na rejeição aos bolsonaristas arrependidos e suas “autocriticas”.
O caso recente do youtuber Felipe Neto é o mais ruidoso. Indigna-se Boulos com aqueles que duvidam da sinceridade do “influenciador”, demostrando inclusive uma irritação com “gente que torceu o nariz” para a “ autocritica” de Felipe Neto,
“até fez autocritica em relação ter apoiado o impeachment de Dilma, que ele reconheceu depois que foi um golpe. Ai quando Felipe Neto se posicionou dizendo isso, eu vi gente falando “não! o que Felipe Neto, apoiou o golpe, foi corresponsável. Pera lá! Eu acho que isso é ficar remoendo o fígado. É ficar fazendo política com ressentimento” ( Café com Boulos, 22/5)
Os efeitos cênicos do vídeo de Boulos indicam a importância da política de reciclagem dos golpistas na operação da frente ampla. Não se trata apenas de Felipe Neto, mas de “Qualquer um, de qualquer partido, de qualquer lugar que esteja disposto” como os “ novos heróis” governadores de extrema direita como João Dória e Wilson Wiztel, e o presidente da Câmara de Deputados, Rodrigo Maia do DEM.
Na visão de Boulos, a luta pela independência política e a delimitação com os golpistas é “ressentimento”, e “ressentimento na política nunca é bom conselheiro”. É preciso “virar á página do golpe” como afirmou o senador Humberto Costa e fazer alianças com os responsáveis pelo golpe através da frente ampla, como advoga Flávio Dino, o governador do Maranhão.
Em face aos ataques contra os trabalhadores e o povo promovidos pela “ frente ampla” entre o governo Bolsonaro e os “ opositores anti bolsonaro” ( Rodrigo Maia, governadores e STF) para que serve a “ frente ampla” proposta pela esquerda que “ não tem ressentimento”?
Institivamente os militantes que lutaram contra o golpe e os trabalhadores, duramente atingidos pela Reforma da Previdência e por outras medidas , se perguntam para que serve a “ unidade” com os inimigos do povo para defender a “ democracia”?
A “tática da cebola”
Na ausência de uma resposta plausível para explicar os efeitos contraproducentes para os trabalhadores da política de frente ampla com seus inimigos, Boulos apresenta a inusitada noção de que é preciso entender a tática e estratégia na atualidade a partir das “ frentes concêntricas” ou “ as camadas da cebola”. Os leitores perdoem a longa citação, mas é necessário para entender sem retoques a “ tática da cebola” de Guilherme Boulos.
“ as frentes concêntricas ou em linguagem mais simples a tática da cebola. Assim como uma cebola, a frente que a gente precisa construir tem várias camadas. A camada mais ampla é a luta da democracia contra o fascismo, nessa cabe todo mundo. Depois tem uma camada do meio, que é a luta por direitos sociais contra a austeridade neoliberal. Aí já vai ter gente que não vai estar. E, por fim, a camada central, o núcleo, que é a defesa de outro modelo de sociedade e de outros valores. Atuar nessas três frentes não é contraditório. Elas devem ser inclusive complementares.”
A tendência de deslocamento para a direita dos setores da esquerda tradicional manifesta-se também na esquerda pequeno burguesa, assim o PSOL que a bem pouco tempo atrás procurava aparentar “ radicalidade” e mesmo “ rejeição” das regras do jogo, agora procura uma via de integração mais consistente ao regime político.
A tática da cebola cumpre esta finalidade, permite ao PSOL e seus aderentes defender sem constrangimentos a mesma política da direita do PT e do PCdoB de frente ampla, ou seja uma política de colaboração aberta com a direita em nome da defesa da “democracia” e de “ combate ao fascismo” e ao “ bolsonarismo”.
Na medida em que a aliança com os políticos representantes da burguesia é profundamente contraditória com a elementar defesa das reivindicações populares e dos interesses dos trabalhadores, a resposta dos centristas da esquerda pequeno burguesa é que na “luta pelos direitos sociais” é outra “camada” da cebola.
Destarte, a frente ampla fica estreita, uma vez que “na luta por direitos sociais contra a austeridade neoliberal. Aí já vai ter gente que não vai estar.” Neste caso, isso explica por que os grandes “aliados” da frente ampla defendida pela esquerda oportunista como os “desafetos” de Bolsonaro Dória, Witzel e Maia são ferozes inimigos dos trabalhadores. Isso quando o que está em jogo é própria vida dos trabalhadores e não apenas “democracia”.
Neste caso, o que devemos fazer? De acordo a “tática da cebola” devemos fazer uma “luta” em defesa dos trabalhadores na camada média, mas de maneira resignada ficar completamente à reboque da direita golpista na luta contra Bolsonaro na ´camada mais ampla”. Isso por que a “camada mais ampla é a luta da democracia contra o fascismo, nessa cabe todo mundo.” Nesta dimensão não podemos agir “ com fígado” nem “ com ressentimentos”.
Por sua vez, outras camadas podemos agir como “sindicalistas combativos” (camada média) e até mesmo como socialistas (na camada central). isso porque no esqueminha de Boulos, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, ou falando na linguagem da cebola, o que vale para uma camada da cebola não vale para outra camada da cebola.
A tática da cebola permite que o PSOL possa, pelos menos para os incautos que ainda se impressionam com as bravatas de Boulos, Marcelo Freixo e cia, manter a aparência de “partido da esquerda radical”. Uma vez que no dia a dia, nas assembleias sindicais do Andes, nas redes sociais, na pauta identitária a gesticulação retumbante continua. Na camada média da cebola, o PSOL continua sendo “combativo” e mesmo “ intransigente”, já na camada central, “ o núcleo, que é a defesa de outro modelo de sociedade e de outros valores”, o PSOL é implacavelmente “ feminista, anti racista e contra a homofobia” e até mesmo “ socialista”.
Os lugares comuns de Boulos para aderir a frente ampla com a direita golpista
Recordemos que o PSOL surgiu da “indignação” da esquerda centrista pequeno burguesa em decorrência da aprovação pelo governo Lula de uma reforma da previdência, e construiu um nicho eleitoral sobretudo entre a classe média desiludida com o PT. Inclusive, o cálculo dos dirigentes originais do PSOL, antes da chegada do Boulos era que quanto mais a burguesia atacasse o PT mais o eleitorado de “esquerda” se inclinaria para a esquerda chic e radical.
Não por acaso, Heloisa Helena, primeira candidata do PSOL à Presidência da República, foi apoiada declaradamente pela imprensa burguesa para tirar votos do PT e Luciana Genro, ex- candidata à Presidência da República pelo PSOL, apoiou entusiasticamente a Lava Jato e defendeu a prisão de “ todo mundo”. Por essa visão que nas eleições municipais de 2016, ano do golpe de Estado, o então candidato à prefeitura do Rio de janeiro, Marcelo Freixo, recusou a subida do ex-presidente Lula no seu palanque.
Pois bem, o descrédito dessa política de apoio a direita pelo PSOL, deve-se sobretudo a luta contra o golpe, que expôs de maneira cristalina a realização de golpe da direita contra Dilma e o PT, obrigou aqueles que apoiaram o golpe a tentar apagar desesperadamente os vestígios do passado. O ingresso de Boulos no PSOL é parte dessa estratégia por parte dos grandes caciques do PSOL, que sabem que perderam parte do apelo “ anti PT”, mas permitiram um relativo reposicionamento do partido no contexto pós- golpe, marcado naquela oportunidade na esmagadora liderança do ex-presidente Lula.
A operação de reciclagem, “esqueça o que eu fiz” ou melhor “ esqueça quem sou eu” que Felipe Neto, Marta Suplicy, Fernando Henrique Cardoso, e jornalistas como Reinaldo Azevedo, estão realizando é parte de uma política global da burguesia para reabilitar a direita tradicional. Essa reciclagem de lixo golpista é inclusive um dos atrativos principais da “ frente ampla” para a direita golpista.
Da mesma forma, que Boulos procurou ostentar credenciais de que “ lutou contra o golpe” e “ contra a prisão de Lula” ( de uma forma muita relativa essa “ luta”, diga-se de passagem) para operação “ reciclagem” do PSOL, agora usa das mesmas credenciais para defender a constituição de uma frente ampla com com “Qualquer um, de qualquer partido, de qualquer lugar que esteja disposto”.
Curiosamente, ao contrário do que Boulos alega, na ocasião da luta contra o golpe, a política levada por ele mais atrapalhou do que ajudou. Em 2013 a 2014, liderou o movimento “ não vai ter copa”, visando atacar o PT, uma política que a direita adotou temendo a utilização pelo governo Dilma da Copa para fins eleitorais. Em seguida, fez ostensiva campanha contra o “ajuste fiscal” em 2015, isso quando a direita já colocava em movimento as engrenagens do golpe, e preparava um brutal ataque contra os trabalhadores. E por fim, criou uma frente “ povo sem medo” para dividir o movimento contra o golpe.
Resumindo, Boulos encarna a esquerda “ radical” vacilante, que emprestou ao PSOL, partido exclusivamente parlamentar pequeno burguês, a imagem de “ combatividade” ligada aos movimentos sociais que bem ou mal participaram da luta contra o golpe. Pois bem, o centrismo da esquerda pequeno burguesa, que apoiou o golpe em 2016, tende a suplantar inclusive o reformismo lulista na política de frente ampla com a burguesia, pois não tem a base social desse. A tática da cebola é uma falácia para encobrir a adesão da esquerda pequeno burguesa de maneira mais profunda na política de colaboração de classe com a direita golpista.
Na segunda parte dessa polêmica, vamos discutir como Boulos falsificou exemplos históricos para justificar seu esquema de capitulação denominado “ frentes concêntricas” ou prosaicamente tática da cebola, que leva invariavelmente a subordinação dos trabalhadores a direita tradicional.